REVISTA FACTO
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Set-Dez 2010 • ANO IV • ISSN 2623-1177
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Sem indústria não há progresso
//Editorial

Sem indústria não há progresso

No momento em que se discutem caminhos e descaminhos da economia internacional, nada melhor do que recuperar a memória do modelo econômico que deu certo e daqueles que fracassaram no passado. Assim, merece ser lembrada a curta e rica trajetória de vida pública de Alexander Hamilton, criador do modelo norte-americano de economia capitalista, implantado a partir de 1789, quando ele exerceu as funções de secretário do tesouro do primeiro governo republicano dos EUA.

Alexander Hamilton, nascido nas Antilhas em 1757, aos 15 anos emigrou para os EUA, tendo aos 18 anos ingressado no corpo de voluntários para a campanha de independência (1775-1783) daquela nação, sob o comando de George Washington. Dada sua grande capacidade criativa e inteligência, já aos 19 anos passou a fazer parte do Estado Maior de George Washington, tornando-se chefe desse grupo de inteligência dois anos mais tarde. Foi eleito para o Congresso e, em 1789, nomeado secretário do tesouro do primeiro governo republicano dos EUA, presidido por George Washington. Em 1791, encaminhou à Câmara de Deputados o seu famoso Relatório sobre as Manufaturas, um verdadeiro tratado definindo o processo de industrialização que seria adotado pelos EUA. É bom recordar que nessa época vigia em nosso país alvará de D. Maria I de Portugal, proibindo a existência de indústrias locais.

Como emigrante mestiço e filho bastardo, Alexander Hamilton não teve reconhecido seu valor naquele país. Pelo contrário, suas características pessoais – bastante distintas do perfil anglo-saxônico, sempre foram maldosamente lembradas por adversários políticos, criando-se situações que o levavam ao desespero, com destaque para o confronto final que resultou na sua morte em duelo com Aaron Burr, em 1804, com somente 47 anos de idade.

Como secretário do tesouro dos EUA foi o responsável pela criação do Banco Central, pelo sistema tributário nacional e pela organização das contas públicas em orçamento da União dos Estados Norteamericanos que resultou das treze colônias tornadas independentes da Inglaterra.

O seu Relatório sobre as Manufaturas define um conjunto de políticas públicas visando o desenvolvimento industrial e tecnológico do país, nas quais é priorizado o atendimento ao mercado interno pela produção local em vez de importações – por ser este o caminho mais seguro e eficaz para o soberano desenvolvimento econômico do país. Textualmente aí está declarado que “a importação de bens manufaturados, invariavelmente, priva de sua riqueza os povos meramente agrícolas”, e “não somente a riqueza, mas a independência e a segurança de um país parecem estar intimamente ligadas à prosperidade das manufaturas”.

No que se refere à alegada elevação de preços decorrente de tais políticas, ele declara não ser razoável supor que a adoção de medidas que obstaculizam a livre competição com artigos estrangeiros resultem em um aumento de preços – embora isso possa ocorrer num primeiro momento. A realidade mostra, declara Hamilton, que a indústria local quando amadurece emprega um grande número de pessoas e gera a competição interna, assim eliminando qualquer possível monopólio para, gradualmente, levar à redução no preço do artigo ao mínimo razoável acima do capital investido. De forma magistral, arremate Hamilton: “uma nação incapaz de oferecer ao mercado mais que uns quantos produtos, ver-se-á mais direta e tangivelmente afetada pelo estancamento da demanda do que uma que disponha permanentemente de grande variedade de mercadorias”. Até parece ser premonitório daquilo que certamente ocorrerá se o país continuar a depender de insumos estratégicos provenientes da China.

O modelo econômico capitalista norteamericano, implantado com enorme sucesso nos Estados Unidos em meados do século XIX a partir das idéias de Hamilton, prevaleceu até 1963. Depois de Kennedy surgiu uma Nova Era de liberalismo econômico, adotada pelos EUA e Inglaterra a partir de 1964 e mais claramente identificada ao longo dos anos 80 com Reagan e Thatcher para, finalmente, em 1989 ser enunciada sob o pomposo título de Consenso de Washington, uma utopia pósindústria que execrava a intervenção do Estado para estimular o investimento industrial e o desenvolvimento tecnológico.

A substituição do modelo de desenvolvimento econômico promovido pelo Estado, pelo liberalismo inconseqüente definido pelo Consenso de Washington, resultou numa série de crises financeiras, como a russa em 1998 e a brasileira em 1999 – que ainda puderam ser localmente controladas, porém a partir de 2008 todo o sistema financeiro internacional contaminou-se com resultados imprevisíveis a curto e médio prazos.

Nesse contexto certamente não existem mais fórmulas econômicas milagrosas como aquelas concebidas pelo Consenso de Washington, aplicáveis a qualquer país no mundo. Nações do porte do Brasil, que contam com um mercado interno emergindo de forma expressiva, com uma base produtiva e tecnológica instalada e com enorme potencial em recursos naturais e humanos, certamente devem pretender adotar um projeto de desenvolvimento autônomo que não seja contaminado pela crise internacional. Para tanto basta apenas dar continuidade ao processo de recuperação da política industrial, tecnológica e de comércio exterior timidamente definida em 2004 – posteriormente reforçada pela Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), visando o crescimento econômico soberano do país, abandonando de vez o inconsequente liberalismo econômico ortodoxo praticado ao longo dos anos 90.

Entre 2002 e 2006 o novo governo federal elaborou diagnósticos setoriais detalhados, sinalizando para medidas que deveriam ser executadas no contexto de uma nova política industrial que definiu como áreas prioritárias semicondutores, software, bens de capital, fármacos e medicamentos. No segundo mandato presidencial foi reforçada essa política industrial, ampliando-se horizontalmente seus objetivos estratégicos, ocasião em que começaram a ser definidas medidas destinadas a apoiar o desenvolvimento dos segmentos produtivos com caráter prioritário.

A ABIFINA acompanhou de perto a implantação de algumas iniciativas pioneiras nessa área, como usar a contratação da fabricação dos produtos estratégicos para a área da saúde nas compras governamentais, em vez de realizar licitações públicas e leilões internacionais sem isonomia, que vinham resultando no sucateamento de instalações produtivas nacionais desde os anos 90.

O marco regulatório que veio a ser criado em 2008 na área da saúde privilegiou a contratação da fabricação local de insumos estratégicos utilizados pelos laboratórios oficiais para atender as demandas do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso levou à criação de vinte parcerias de desenvolvimento produtivo (PDP) nessa área, envolvendo nove laboratórios públicos e dezessete empresas privadas, das quais dez são nacionais e sete são multinacionais, numa clara demonstração de que o que se busca é a fabricação local, com a consequente geração de emprego e renda no país, sem qualquer ranço xenófobo. Deve ser destacado que as vinte PDP criadas que se encontram em implantação já representam compras no valor de R$ 1,25 bilhão/ano, ou seja, cerca de 20% do que hoje é importado nessa área, com economia inicial do orçamento público de R$ 250 milhões/ano, e que deverão atingir mais adiante R$ 500 milhões/ano.

A despeito das dificuldades que vêm sendo verificadas na sua implantação, a criação de tais parcerias públicoprivadas para o complexo industrial da saúde constituiu o grande diferencial de política pública concebida pelo Ministro da Saúde, vis-à-vis titulares anteriores desse estratégico ministério.

A política industrial que foi definida pioneiramente para a área da saúde pública através da edição de Portarias Interministeriais poderá agora, com a aprovação pelo Congresso Nacional da Medida Provisória 495, estender a outros setores produtivos nacionais os benefícios das preferências nas licitações públicas aos produtos estratégicos fabricados no país, à semelhança do que os Estados Unidos procedem desde 1933, com seu famoso Buy American Act.

E está na hora do brasileiro se orgulhar de consumir produto fabricado no Brasil, nele aplicando sua crescente renda resultante do emprego gerado no país com desenvolvimento industrial sustentado, e não no leste asiático.

Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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