REVISTA FACTO
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Set-Dez 2010 • ANO IV • ISSN 2623-1177
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Por uma política de "reindustrialização" do Brasil

O governo finalmente reconhece que a economia brasileira está em processo de desindustrialização. Feito o diagnóstico, é preciso começar o tratamento já.

Sob o título “Desindustrialização, reprimarização e contas externas”, um estudo feito por técnicos do MDIC indica que o governo está mais receptivo a discutir os efeitos deletérios da política econômica praticada nos últimos anos. Esta mudança de postura começou a ser sinalizada no início do segundo semestre, com a edição da Medida Provisória nº 495, que estabelece preferência nas compras públicas para produtos fabricados no País. Os números da balança comercial evidenciam de forma contundente o processo de desagregação de valor das exportações brasileiras, agravado pela tendência contrária na pauta de importações. Nesta reportagem, empresários e executivos do setor público apresentam suas expectativas quanto à ação governamental voltada para a revitalização da indústria nacional, em especial no setor de química fina.

Política industrial: falta visão sistêmica

De forma geral, as empresas de química fina instaladas no Brasil se ressentem da falta de uma diretriz que os governos de países desenvolvidos seguem à risca: preferência para o produto fabricado no País. Em que pesem iniciativas como a da MP 495, o ambiente de negócio quando se trata de compras governamentais ainda se caracteriza pela iniquidade, seja no que diz respeito à política tributária, à participação em licitações públicas ou aos procedimentos regulatórios.

Para Peter Andersen, diretor-presidente da Centroflora, o caminho para a agregação de valor na indústria não depende de um instrumento específico. “Precisamos ter impostos compatíveis com a realidade mundial; isonomia regulatória para com os insumos importados, o que implica controlar a qualidade desses produtos e auditar os fabricantes; aporte de recursos humanos especializados (mestres e doutores) nas empresas, com menor custo trabalhista; incremento nos planos estratégicos para promoção da exportação dos produtos fabricados nacionalmente, aliado a uma mudança da nossa política cambial; políticas públicas transparentes e menos burocráticas para incremento da pesquisa, desenvolvimento e inovação em produtos e serviços. Os trâmites atuais das agências brasileiras de fomento são demasiadamente lentos e improdutivos”.

Andersen defende a simplificação da burocracia do BNDES no processo de análise dos pedidos de financiamento, principalmente para empresas de médio porte, e a flexibilização das exigências de garantias, “que hoje são iguais ou muitas vezes mais pesadas do que as de bancos privados”. Em sua opinião o Banco deve identificar quais empresas brasileiras são efetivamente estratégicas para o País e “criar um forte programa de apoio para que elas não sejam vendidas a empresas estrangeiras, pois hoje a pressão nesse sentido é enorme”.

Valdemar Fischer, diretor-presidente da Nufarm, também vislumbra soluções para o desequilíbrio da balança da indústria numa perspectiva sistêmica. Ele aponta, dentre as ações possíveis na área agroquímica, “a instauração de uma política unificada para o setor, de caráter não só regulatório, mas também tributário, trabalhista, cambial e de financiamento, e que resulte da participação de todos os segmentos diretamente envolvidos no agronegócio”.

Para Ogari Pacheco, diretor-presidente da Cristália, o ponto crucial é o uso efetivo do poder de compra do Estado como instrumento de política industrial. Na área da saúde, afinal, as compras públicas representam cerca de 25% do faturamento total do mercado. “Advogo, há muito tempo, que a maneira mais eficiente, justa e econômica de incentivar a produção nacional é a garantia de compra dos bens produzidos localmente. Financiamento, subsídios e redução de impostos ajudam, porém a mais importante medida é a garantia de mercado”.

Luiz Borgonovi, diretor-presidente da EMS, recoloca a questão de maneira mais conceitual e afirma que, “para garantir a excelência e a qualidade dos seus produtos, bem como o forte investimento em pesquisa e desenvolvimento, apostando em novos mercados, a indústria nacional precisa estar minimamente protegida da concorrência de fora. Em outras palavras, ela precisa ter garantias de que o seu produto, desenvolvido com muito investimento e pesquisa, poderá ser competitivo. A falta de incentivo específico e de uma política efetiva de proteção para o setor pode, sem dúvida, levar as empresas brasileiras a crescer e inovar menos do que planejam. Pode, também, contribuir para uma maior insegurança na hora de decidirem sobre os investimentos, em termos tanto quantitativos como qualitativos”.

Ao contrário da área da saúde, o segmento de catalisadores químicos industriais não enfrenta dificuldades no que tange à garantia de mercado, mas carece de mais apoio governamental ao seu desenvolvimento tecnológico. O diretor da FCC, Rodrigo Pinto, explica que, como em toda área de alta tecnologia, no segmento de catalisadores para craqueamento de petróleo não basta adquirir a capacidade de produzir: “é também fundamental ser capaz de continuar a desenvolver a tecnologia, sob o risco de se ficar ultrapassado. Nesse aspecto é onde vejo o maior espaço para a contribuição das políticas públicas, que poderiam criar ferramentas para facilitar os investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação na área de catalisadores industriais”.

Por não constituírem um elo direto das principais cadeias produtivas da indústria química, os catalisadores industriais acabam sendo esquecidos quando as políticas públicas para a indústria são planejadas, explica o diretor da FCC. Apesar de serem produtos fundamentais para o funcionamento das etapas iniciais da cadeia petroquímica, “os governos em geral consideram que as empresas do centro da cadeia é que devem se preocupar em garantir o fornecimento desse insumo crítico. O problema é que mesmo as grandes empresas químicas e petroquímicas brasileiras têm dificuldade de controlar o suprimento desse insumo, pois pouquíssimos fabricantes e países no mundo detêm as tecnologias de produção e desenvolvimento de catalisadores industriais – menos, por exemplo, que os países integrantes do chamado ‘clube atômico”.

Deter o conhecimento do desenvolvimento e aplicação desse tipo de insumo tem a vantagem, segundo o diretor da FCC, de possibilitar ao Brasil produzir localmente catalisadores adequados aos petróleos extraídos no País. “Um catalisador não é commodity nem produto de prateleira. Cada refinaria e cada tipo de petróleo requerem um catalisador com formulação específica, que deve ser desenvolvida sob medida. Se não tivéssemos o conhecimento e a capacidade de produção aqui no Brasil, ficaríamos sempre na dependência de importar catalisadores que são relativamente adequados mas, na realidade, foram desenvolvidos para outras especificidades, e que portanto não produziriam os mesmos resultados e não teriam o mesmo desempenho de um produto formulado especialmente para os tipos de petróleo que temos aqui”.

No segmento de equipamentos médicohospitalares as compras governamentais têm grande poder de alavancagem da indústria. Por isso Franco Pallamolla, diretorpresidente da Abimo, defende uma rápida regulamentação da MP 495/10, bem como a adoção de um padrão de qualidade mínimo para os produtos adquiridos pelo SUS, estabelecido através do Certificado de Boas Práticas de Produção concedido pela Anvisa. Dessa forma, em sua opinião, será possível contrabalançar os altos ônus fiscais agregados à atividade fabril e também, parcialmente, os efeitos negativos da valorização do Real. A balança comercial do segmento de equipamentos médico-hospitalares fechou 2009 com saldo negativo pelo sétimo ano consecutivo. As importações totalizaram US$ 2,7 bilhões, elevando o déficit em 3,6%, e, segundo Pallamolla, “a previsão para este ano é de um aumento bem maior, fruto da atual política cambial”.

Na indústria elétrica e eletrônica, que fornece componentes para quase todos os demais fabricantes de equipamentos, o panorama não é melhor. A balança comercial desse segmento fechará com o déficit recorde de US$ 27 bilhões em 2010. Entre 2006 e 2009, ou seja, em apenas quatro anos, as importações cresceram aproximadamente 27%. Segundo Humberto Barbato, diretorpresidente da Abinee, “indiscutivelmente, o binômio juros-câmbio tem contribuído para o aumento das fragilidades dos setores elétrico e eletrônico no País”.

Em um contexto global de fraca recuperaçãoda economia nos países desenvolvidos, Barbato acredita que a penetração de bens industrializados chineses no Brasil tende a se intensificar, a menos que as autoridades econômicas tomem providências imediatas. E essas providências devem contemplar o conjunto da cadeia produtiva. “É preciso que se entenda, de uma vez por todas, que a mola propulsora da indústria eletroeletrônica está nos componentes. Se não tivermos a coragem necessária para enfrentar o problema, caminharemos para ter uma indústria montadora – incapaz, portanto, de enfrentar os desafios que se anunciam para os diversos ramos da indústria”.

MP 495: “buy brazilian” nas compras públicas

Nesse final do seu segundo mandato, com a edição da Medida Provisória 495, o presidente Lula finalmente sinalizou claramente ao mercado a disposição de usar o poder de compra governamental em favor da indústria nacional. Este foi o primeiro passo para a institucionalização de uma prática que o Ministério da Saúde tem incentivado e que alguns laboratórios farmacêuticos oficiais têm adotado com sucesso nas suas compras de insumos Farmoquímicos.

Segundo Ogari Pacheco, “o que muda com a MP 495, a ponto de nos dar novo alento, é que se tornam mais claras algumas regras fundamentais, como a de que a barreira de proteção seja proporcional ao índice de nacionalização e que a tecnologia seja internalizada, além de critérios objetivos sobre o que se entende por produção nacional e qual índice de nacionalização deve ser alcançado para determinado produto. Os controles serão mais rígidos e eficientes e as plantas industriais serão inspecionadas durante a produção – o que já vem sendo feito, pelo menos no que nos diz respeito”.

Peter Andersen também reconhece a importância de um instrumento que veio para consolidar a preferência para o produto nacional, “e mais que isso, a preferência a empresas instaladas no país, de origem brasileira e que invistam em pesquisa e desenvolvimento. Essa medida contribui para melhorar a qualidade dos produtos adquiridos pelo Estado, para elevar a competitividade internacional do produto fabricado aqui e para o desenvolvimento econômico e social do País”.

O diretor-presidente da Centroflora chama atenção para a necessidade de que, como desdobramento da nova MP, ocorra a capacitação sistêmica da cadeia produtiva, através da alocação de profissionais especializados e da inclusão de novas tecnologias. “Podemos também acrescentar a necessidade de o País iniciar um processo de diminuição da dependência da importação de IFAs (Insumos Farmacêuticos Ativos), que hoje atinge níveis estratosféricos e não será revertida sem um apoio forte por parte do governo e das empresas compradoras estabelecidas no País”.

O diretor-presidente da Nortec, Marcus Soalheiro, declara-se confiante no êxito da tramitação do novo instrumento legal. “Considerando que a MP 495 representa o atendimento, por parte do governo, de velhas e constantes reivindicações do setor produtivo quanto ao uso do poder de compra do Estado como indutor do desenvolvimento industrial e tecnológico do País, não podemos acreditar que esse importante instrumento jurídico seja impedido de produzir os efeitos desejados. Nesta linha, melhor seria que o Poder Executivo tomasse a iniciativa de regulamentar, imediatamente, diversos dispositivos desta Medida Provisória para que ela – na prática – pudesse funcionar adequadamente. Por exemplo: como e com quais critérios a administração vai definir e pontuar a margem de preferência de até 25% para o produto fabricado no País? Qual a comprovação documental que as empresas precisarão apresentar no processo licitatório?”

O diretor-presidente da Nortec observa, por outro lado, que nem tudo o que consta na MP 495 é bom para o setor industrial como um todo. “Como exemplo podemos citar o § 11o do artigo 3o, que estabelece medidas de ‘compensação comercial, industrial, tecnológica ou acesso a condições vantajosas de financiamento, cumulativamente ou não’, do licitante para a administração. Acreditamos que este dispositivo desfavorece as empresas de menor porte, assim como pode se prestar ao desenvolvimento de práticas perniciosas”.

Na indústria de equipamentos diretamente ligada ao setor médico-hospitalar, há otimismo com relação aos efeitos da MP 495, mas o segmento elétrico e eletrônico recebe a medida com reservas. Segundo o diretor-presidente da Abimo a MP “é uma medida essencial para a redução do déficit da balança comercial do nosso setor, que atingiu US$ 2,2 bilhões em 2009. Este resultado segue na contramão da capacidade produtiva da indústria nacional, que pode suprir 90% da demanda dos hospitais por equipamentos nos padrões atuais. Mesmo com o alto volume de importações, o mercado interno ainda tem muito espaço para crescer”. Por sua vez o diretor-presidente da Abinee afirma ver com bons olhos essa iniciativa, mas considera que “a discussão ainda não está madura. Precisamos trabalhar intensamente o assunto para evitar injustiças. Empresas instaladas no País há décadas não podem ser prejudicadas apenas pelo fato de serem de propriedade estrangeira. Entendemos, portanto, que a equação ainda não está fechada e por isso precisamos aprofundar o debate”.

Regulação: um calcanhar-de-aquiles

O sistema de regras sanitárias que regula o registro de princípios ativos, medicamentos e defensivos agrícolas pode estimular ou prejudicar a competitividade da indústria nacional, e sob esse ponto de vista a ação da Anvisa tem sido, no mínimo, ambígua. Dante Alario, diretor-presidente da Biolab Sanus, explica os transtornos que os produtores nacionais de Farmoquímicos seguem enfrentando:

“O problema é que a ininterrupta elaboração de novas normas de trabalho (RDCs) não permite que as empresas realizem as adequações exigidas em tempo hábil. Além disso o sistema de consulta pública, que deveria se basear num salutar intercâmbio, na verdade não leva em consideração as propostas vindas da indústria. Ele dá a impressão de ser algo mais participativo, quando na realidade não o é”.

Segundo Alario, as novas normas sempre são trazidas de fora, inspiradas nas atuais tendências. “Acontece que o Brasil não está no mesmo nível industrial dos países usados como modelo. É preciso considerar que aquilo que se utiliza hoje nos países tomados como referência foi planejado junto com as indústrias e executado no correr de muitos anos. Aqui a Anvisa se esquece disso e, abruptamente, introduz novas regras para aplicação imediata ou com prazos exíguos de adequação”. Em consequência disso, afirma o diretor-presidente da Biolab, a desindustrialização se acelera e o País importa cada vez mais do exterior. “Sabemos que a importação é uma prática usual das empresas transnacionais, mas ela agora começa a se tornar comum também entre as empresas nacionais, pois a importação é mais fácil e implica em menores responsabilidades do que produzir internamente. Isto é muito ruim para o País, para a população e, a médio prazo, também para a própria indústria nacional”.

O empresário entende que os problemas decorrentes da forma de atuação da Anvisa concernem a uma questão maior a ser resolvida pelo novo governo: a da autonomia das agências. “Há uma política industrial e de inovação ditada pelo Poder Executivo, mas que tem sido anulada pela ação de agências e de outros órgãos públicos. Esses órgãos inviabilizam tais políticas públicas sempre com alegações técnicas e ou de saúde pública, como se nós, industriais brasileiros, fôssemos irresponsáveis e não nos preocupássemos com a população que utiliza nossos medicamentos. Esta visão distorcida tem que ser mudada”.

No segmento farmacêutico os problemas de ordem regulatória se concentram na fase de testes clínicos, que é demorada e não distingue, por parte da agência reguladora, o fabricante nacional com nenhum tipo de prioridade. Segundo José Ricardo Mendes, diretor-presidente do Aché, há excessiva burocracia e morosidade na aprovação das etapas de pesquisas clínicas pela Anvisa. “Uma solução para a melhoria desses processos seria a criação de um canal exclusivo para as empresas brasileiras na análise de seus dossiês. Por exemplo, ao protocolar pedido de aprovação de estudo para um novo medicamento, a empresa nacional teria tratamento mais rápido. Com isso o governo estaria incentivando a pesquisa e a tecnologia brasileira, nos moldes do que foi feito nas indústrias petrolífera (Petrobras) e aeronáutica (Embraer)”.

Segundo Odnir Finotti, presidente da Pró Genéricos, o que é requerido para o regulatório da Anvisa é que a agência cumpra e faça cumprir a regulamentação vigente e impeça práticas que infrinjam essa regulamentação, contando inclusive com denúncias das próprias empresas.

No segmento de defensivos agrícolas, a principal queixa também se refere à lentidão e ao excesso de burocracia nos procedimentos de registro e fiscalização. Valdemar Fischer tem o cuidado de esclarecer que não se pretende afrouxar controles relacionados à preservação da saúde do trabalhador da lavoura e do consumidor dos alimentos:

“A garantia da segurança e qualidade dos produtos fitossanitários é estratégica para o País. Zelar pela qualidade do produto pré e pós comercialização, pela segurança na aplicação e sua correta utilização na lavoura, além do descarte de resíduos e embalagens, é função essencial de todos os envolvidos na cadeia produtiva: indústria, distribuidor, agricultor e órgãos reguladores. Além disso, sendo a balança comercial brasileira altamente dependente dos resultados do agronegócio, e uma vez que a utilização de defensivos agrícolas para controle de pragas e doenças, segundo dados internacionais, é responsável por 40% da produtividade na agricultura, fica evidente que a regulamentação e fiscalização desse segmento é vital para o País. Contudo, não se pode tratar a lentidão nos processos como sinônimo de rigorismo e de maior segurança”.

E infelizmente, segundo Fischer, o que vem acontecendo atualmente no País é exatamente isto: “uma profusão de normas editadas por diversos órgãos e setores do governo em todos os níveis que, de maneira geral, não contribuem em nada para a qualidade e segurança dos produtos e apenas agregam tempo e custo ao processo regulatório, atingindo com mais força as empresas instaladas no País”. Ele defende que o caminho para garantir qualidade, custo e disponibilidade dos produtos não é burocratizar nem complicar o sistema, mas justamente o contrário: simplificar e incentivar que o processo produtivo seja instalado no País, ou seja, próximo aos órgãos reguladores e acessível à sua fiscalização direta.

Para o diretor-presidente da Nufarm, o modelo atual de registro e fiscalização da Anvisa é “mais focado no formalismo do processo do que em sua eficiência. O Brasil terá mais a ganhar com a instituição de um modelo racional e ágil, que naturalmente atrairá mais investimentos. É extremamente prejudicial, por exemplo, que uma simples inclusão de formulador demore um ano e meio a dois anos para ser avaliada; que a mudança de endereço de uma fábrica demande um registro novo (dois a três anos); e que a detecção de uma possível irregularidade numa fiscalização resulte na interdição de uma linha de produção por mais de três meses até se cumprirem os trâmites burocráticos e se verificar, ao fim, que a suspeita era improcedente”.

No âmbito específico do registro, Fischer sugere a concentração da responsabilidade do processo de registro de produtos fitossanitários em um único órgão; priorização e simplificação dos pleitos de registro e alterações pós-registro para produtos produzidos no País; e fixação de regras para as empresas solicitantes de registro, tais como capital social compatível com o negócio, garantias de que poderão arcar com eventuais danos a lavouras e investimento de longo prazo.

Patentes: abusos de monopólio persistem

O abuso do monopólio de patentes, especialmente no segmento fármaco/farmacêutico, continua como um problema pendente no Brasil e que contribui para frear o ímpeto inovador da indústria nacional. Após a histórica iniciativa do governo brasileiro de utilizar, em conformidade com os acordos internacionais, a licença compulsória para um medicamento essencial ao programa de DST-Aids, os grandes players globais do setor farmacêutico, adotando a estratégia de que “a melhor defesa é o ataque”, tentaram nos estigmatizar como um país que não respeita a propriedade intelectual. Mas o desrespeito flagrante vem dessas mesmas empresas, que recorrem à litigância de má fé para obterem prorrogações dos seus privilégios.

José Ricardo Mendes sublinha que o Brasil tem uma tradição muito antiga em propriedade intelectual, tanto que é signatário original da Convenção de Paris, datada de 1873. Além disso, também é signatário do acordo Trips (1994), que estabeleceu princípios básicos quanto à pertinência, abrangência e exercício dos direitos de propriedade intelectual. “Isso demonstra claramente a disposição brasileira de respeitar a propriedade intelectual”.

Por conta de interpretações errôneas e brechas regulamentares na lei, explica o empresário, empresas detentoras de medicamentos de interesse da população criaram mecanismos que estendem o prazo de proteção de seus produtos, por meio de patentes secundárias que criam barreiras intransponíveis ao desenvolvimento de produtos similares e/ou genéricos. Essas patentes são, chamadas de evergreening, numa alusão à pretensão das empresas de torná-las fontes inesgotáveis de lucros.

“É nesse contexto que os temas do polimorfismo, segundo uso médico e patentes de seleção, entre outros, devem ser avaliados” – explica Mendes. “Ou seja, deve-se avaliar se as normas e regras internas do INPI de exame de patenteabilidade permitem ou não a cr iação de patentes evergreening. Pelo histórico dos últimos anos vemos que muitos medicamentos importantes para a população tiveram o acesso dificultado em decorrência da concessão de patentes secundárias como polimorfos, segundo uso, etc; que estenderam a proteção além dos vinte anos legais. Isto demonstra claramente que as normas internas de exame de patentes do INPI ainda são obscuras e permissivas, além de estarem desprezando um fato relevante: existe projeto de lei em tramitação no Congresso propondo a total anulação de qualquer tipo de patente desse tipo”.

Outro ponto que merece atenção, segundo o diretor-presidente do Aché, na medida em que também contribui para estender o prazo de proteção das patentes, é a morosidade no processo de análise do INPI. “Por lei, qualquer patente concedida deve ter no mínimo dez anos de proteção. Logo, caso a concessão demore mais de dez anos para se efetivar, devido à morosidade do exame, o titular da patente contará com 21, 22 ou até mais anos de monopólio de mercado”.

Luiz Borgonovi alerta para outro aspecto da política de propriedade intelectual que merece a atenção do governo e dos legisladores: o tratamento patentário a ser dado aos produtos tecnológicos de ponta, como os bio e nanotecnológicos. “Confiamos na lei de propriedade industrial e acreditamos que é uma ferramenta de apoio ao desenvolvimento industrial do País. Entretanto, essa ferramenta só será efetiva se for considerado o estágio de desenvolvimento do parque tecnológico nacional. Neste sentido, as patentes que tenham em seu escopo tecnologias das denominadas ‘novas áreas’ deverão ser rigorosamente fiscalizadas pelo INPI, que tem o dever de ajudar a promover o desenvolvimento do parque tecnológico brasileiro. Apoiamos a livre concorrência e somos contra qualquer tipo de abuso que gere monopólios indevidos. Assim sendo, confiamos que o INPI esteja disposto a contribuir, por meio de suas diretrizes de exame, com o desenvolvimento das empresas nacionais e freie qualquer tentativa de se utilizar o sistema de patentes de forma predatória e contra os interesses nacionais”.

PPPs: avanços em chão de fábrica

Na prática, os avanços da política industrial e tecnológica do governo Lula na área da química fina se resumem às Parcerias Público-Privadas firmadas entre laboratórios farmacêuticos oficiais e fabricantes nacionais de Farmoquímicos, a partir da decisão do Ministério da Saúde de privilegiar a aquisição desses insumos no mercado doméstico. O diretor-presidente da Nortec, uma das empresas contempladas, fala de “excelentes expectativas para 2011. Estamos otimistas quanto aos projetos relativos aos insumos listados da Por taria 978 para o próximo ano” – declara Marcus Soalheiro. “Pensamos que a internalização de conhecimento tecnológico inovador deve ser o componente fundamental dentro desse desenho e temos procurado prior izar esse componente na seleção e estabelecimento de nossas parcerias”.

Soalheiro ressalta a importância de que, no modelo da PPP, os parceiros façam suas respectivas partes em sincronia, pois se um deles for mais lento o cronograma, como um todo, f ica prejudicado. “A ampliação do mercado interno será uma consequência natural da maturação de cada projeto”. Quanto à ampliação do mercado externo, o diretor-presidente da Nortec acredita que irá depender muito de outros fatores, como taxa cambial e ocupação das instalações. “Quanto maior for a ocupação das instalações, mais competitividade teremos para colocar os nossos produtos no exterior”.

A Fiocruz selou recentemente sua primeira Parceria Público-Privada, com a Farmoquímica Libbs. Paulo Gadelha, diretor-presidente da Fundação, está entusiasmado e afirma que “esta é uma parceria essencial para o País, pois, além de contribuir para o fortalecimento da indústria Farmoquímica e dos laboratórios públicos, garantirá o fornecimento ao SUS de um imunossupressor de grande importância para a saúde pública”.

Embora este seja o seu primeiro contrato no modelo de PPP formatado para a montagem do Complexo Industrial da Saúde, a Fiocruz, segundo Gadelha, pratica a indução e o estímulo à produção nacional há algum tempo. “Em toda nossa história sempre tivemos excelentes relações com empresas sérias que queiram investir em tecnologia para a saúde do cidadão brasileiro. No passado recente fomos pioneiros em grandes acordos na área de vacinas, aliando o poder de compra do Estado à transferência de tecnologia e à internalização de todo o ciclo tecnológico no Brasil. Na área de medicamentos o primeiro licenciamento compulsório de fabricação de produto patenteado, o Efavirenz, teve a Fiocruz como âncora, articulada com três Farmoquímicas brasileiras. Estamos cumprindo nosso papel. Não apenas fazemos parcerias importantes e focadas na nacionalização de produtos específicos, como também temos oferecido um modelo concreto de atuação do Estado para o estímulo ao Complexo da Saúde no Brasil, capaz de reduzir a nossa dependência tecnológica e garantir a sustentabilidade do SUS”.

Paulo Gadelha considera que o processo de produção de medicamentos por meio de Parcerias Público-Privadas está apenas se iniciando, “pois as demandas na área da saúde são crescentes e o País vive um período de inclusão social, melhoria na distribuição de renda e quadro demográfico em que se observa um aumento da expectativa de vida. Para avançarmos mais temos que romper paradigmas, articulando a produção e a inovação com os interesses nacionais. A Fiocruz quer manter a liderança neste processo, numa perspectiva cooperativa, pois os desafios da inovação em saúde são enormes. Precisamos de persistência e de políticas e práticas de longo prazo que garantam tanto a inovação local quanto o atendimento das necessidades de saúde da população brasileira”.

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