Fiel ao compromisso de transparência assumido no início de sua gestão, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, participou no final de novembro, na sede da Firjan, de mais um Encontro Empresarial ABIFINA sobre o Complexo Industrial da Saúde – o último do governo Lula. Mais do que um encontro de trabalho, esta foi uma oportunidade para as empresas e entidades ligadas à indústria farmoquímica e farmacêutica nacional homenagearem o médico sanitarista que liderou a retomada do desenvolvimento do setor após um longo período de abandono pelo Estado.
A gestão de Temporão foi marcada pela firmeza na tomada de decisões, pelo diálogo maduro com todos os setores envolvidos e, sobretudo, pela concepção de um novo modelo de desenvolvimento da saúde que, além de se pautar pelo imperativo social e por boas práticas técnicas, também leva em conta o aspecto do desenvolvimento econômico e social. Essa visão abrangente, segundo a qual a saúde de um povo depende não somente de médicos, hospitais e remédios, mas também de emprego e renda, segundo Temporão, veio para ficar. “Conseguimos criar um eixo estruturante na saúde pública”, comemorou o ministro. A indústria nacional agradece e renova o compromisso de continuar fazendo a sua parte.
A primeira saudação foi feita pelo anfitrião Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, presidente da Firjan, que disse da sua satisfação pelo trabalho conjunto realizado e elogiou o despojamento e a disposição de serviço à pátria do Ministro Temporão. “Estamos otimistas com a perspectiva de que o que foi plantado continuará” – afirmou Vieira. “Espero que o novo governo se aplique até mais na questão das reformas necessárias para o desenvolvimento nacional”.
Entre essas reformas, na opinião do presidente da Firjan, destaca-se a tributária, que tem sido objeto de intensa campanha publicitária por parte da entidade. “O foco na reforma tributária tem a ver com a perversa política fiscal praticada no País” – explicou Vieira. “Hoje o governo arrecada R$ 1 trilhão em impostos por ano, o que sufoca a economia. Queremos dieta para o “impostão”, que está muito gordo”. O presidente da Firjan declarou-se “horrorizado” com a perspectiva do retorno de mais um imposto – a CPMF – e argumentou que o Estado precisa não de mais recursos, mas sim “funcionar melhor, e o exemplo da área da saúde na gestão de Temporão é uma prova de que isto é possível”.
O presidente da ABIFINA, Jean Peter, começou sua apresentação assinalando que temos “um passado a lembrar”. Esse passado remonta aos anos 1980, quando, por iniciativa do Conselho de Desenvolvimento Industrial, foi editada a Portaria Interministerial 04/84, criando incentivos para o desenvolvimento de um parque industrial de química fina no País. Para utilizar o poder de compra do Estado em favor desse programa foi criada a CEME; para garantir mercado interno foi instituída uma barreira temporária a importações de certos medicamentos; para apoiar financeiramente os novos empreendimentos o então BNDE entrou com linhas de financiamento e aporte societário a projetos de maior interesse estratégico; e finalmente, para orientar o desenvolvimento tecnológico, foi criada a Codetec.
O resultado, segundo o presidente da ABIFINA, foi o surgimento de cerca de dois mil novos projetos industriais nos seis anos decorridos a partir da edição da Portaria Interministerial. Teria sido um caso de sucesso e o Brasil poderia estar hoje entre os grandes players mundiais do setor se, nos anos 1990, sucessivos governos não tivessem optado por uma política de desindustrialização que, na área da química fina, culminou com a paralisação de metade dos projetos em curso e com a não implementação de mais de trezentos que ainda estavam em fase de detalhamento.
O governo Lula empreendeu uma retomada do desenvolvimento do setor. Segundo o presidente da ABIFINA, no período entre 2002 e 2005 houve um esforço ainda tímido, porém significativo, consubstanciado na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce). O processo começou a avançar realmente entre 2006 e 2010, com a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e o PAC da Saúde, que inovou “apresentando uma visão integrada da cadeia produtiva e da prestação de serviços para a saúde”. A primeira grande iniciativa, desenvolvida a partir do final de 2006, foi a licitação para compra de Zidovudina e Lamivudina pelo laboratório Farmanguinhos, na modalidade de contratação de fabricação local em vez de licitação para aquisição de produto, como mandava a Lei de Licitações. “Foi um movimento corajoso. Importadores contestaram na justiça, mas perderam em primeira e segunda instâncias”. De 2006 a 2008, recordou o presidente da ABIFINA, o Ministério da Saúde ousou ainda mais com a licença compulsória do Efavirenz e a subsequente contratação de um consórcio de Farmoquímicas nacionais para a produção do princípio ativo no prazo de um ano. A partir de 2009, o SUS passou a contar com atendimento pleno de sua demanda desse produto.
O principal avanço dos últimos dois anos foi o estabelecimento de Parcerias de Desenvolvimento Produtivo entre laboratórios públicos e privados, tendo em vista suprir a demanda de medicamentos para a saúde pública. Peter destacou que hoje estão em implantação nada menos que vinte contratos desse tipo envolvendo nove laboratórios públicos e dezessete empresas privadas, sendo dez nacionais. “O significado econômico dessas parcerias é expressivo: elas envolvem compras anuais de R$ 1,25 bilhão, o que representa 20% da atual despesa com importações, e proporcionam uma economia anual de R$ 250 milhões para os cofres públicos.
Isto na fase inicial, porque no período de maturidade dos projetos a economia chegará a R$ 500 milhões por ano”. Depois de reconhecer e valorizar os avanços, o presidente da ABIFINA falou das dificuldades, que se concentram basicamente na legitimação e na consolidação do novo modelo. “O entendimento do TCU e da Procuradoria precisa incorporar o espírito da preferência ao produto nacional nas compras públicas, agora expressa oficialmente na Medida Provisória 495”. Outra dificuldade, na opinião de Peter, é o alinhamento de todos os laboratórios públicos – estaduais, municipais e fundações – aos conceitos do CIS, visando o uso rotineiro do poder de compra em favor da produção nacional.
“O Brasil está enfrentando uma concorrência desleal no cenário internacional, que causa desindustrialização internamente. Para superar essa ameaça temos que pôr em prática, agora, os instrumentos em torno dos quais estamos todos de acordo. Temos que procurar uma relação ‘ganha-ganha’ entre as partes envolvidas para recuperar o terreno perdido e garantir o desenvolvimento sustentável da nossa economia”, exortou o presidente da ABIFINA.
Peter encerrou sua participação citando uma frase do Relatório sobre as Manufaturas elaborado por Alexander Hamilton, braço direito do presidente dos Estados Unidos George Washington, em 1791: “Não somente a riqueza, mas a independência e a segurança de um país parecem estar intimamente ligadas à prosperidade das manufaturas. Toda nação que pretenda atingir estes grandes objetivos deve procurar possuir o essencial para o abastecimento nacional”. Em sua saudação, o conselheiro da Alanac Carlos Gross, depois de elogiar a atuação do ministro Temporão, endereçou uma crítica à agência reguladora.
“A Anvisa, embora bem intencionada, tem idéias complicadas, como a do selo para cada caixinha de medicamento com o objetivo de coibir a falsificação. Teremos 1,5 bilhão de caixinhas no mercado para serem lidas por equipamento ótico, quando apenas 0,1% das unidades são falsificadas. Isto é o mesmo que tentar matar uma pulga com tiro de canhão. A indústria vai entrar na justiça contra essa decisão, pois a pulga em questão deve ser morta pela polícia, e não pela Anvisa”.
O presidente da Associação Pró Genéricos, Odnir Finotti, mostrou em números o impressionante crescimento desse segmento da indústria farmacêutica na última década, cujo marco inicial foi a Lei de Genéricos (nº 9.787), sancionada ainda no governo FHC. “O mercado de genéricos cresce mais que o de medicamentos em geral. 90% das doenças mais diagnosticadas já podem ser tratadas com genéricos. Nossa participação de mercado chegou este ano a 20,9% em unidades e 16,9% em faturamento”. Isto se deve em parte, segundo Finotti, ao fato de que, diferentemente dos países desenvolvidos, no Brasil o consumo de medicamentos aumenta quando a renda cresce.
Cinco empresas que estão entre as maiores do País no setor farmacêutico conquistaram essa posição fabricando genéricos, informa o presidente da Associação. Um aspecto preocupante, em sua opinião, é que os medicamentos que mais ampliam sua participação no mercado são os não inovados. Por outro lado, ele afirma que o Brasil tem a vantagem de ser um dos países com maior índice de produção local dos genéricos consumidos internamente: 90%. “Se tivéssemos também produção local de fármacos, a verticalização seria muito forte”.
Fazendo coro à campanha da Firjan e da indústria em geral, Finotti mencionou a carga tributária, que é de 36% no setor, como um grande obstáculo à ampliação do acesso da população aos medicamentos. “Os genéricos são bons pagadores de impostos. Só em ICMS, que representa 17% do preço, R$ 5,6 bilhões foram recolhidos em 2010”. Outro obstáculo importante é a persistência dos abusos de patentes no País. “O envolvimento da Advocacia da União e do poder judiciário nessa questão representa mais custo para a sociedade brasileira. Todos nós pagamos por isso”.
Numa calorosa homenagem ao ministro da Saúde, o vice-presidente da ABIFINA, Nelson Brasil, destacou suas qualidades como homem público. “Temporão marcou sua gestão pelo pioneirismo, relevância e objetividade envolvidas em suas iniciativas, especialmente ao articular ações na área de seu ministério com as demais políticas públicas desenvolvidas no Brasil, tendo em vista acabar com o enorme descompasso existente entre assistência à população e atividades da base produtiva e inovatória em produtos e serviços requeridos para a saúde”.
Nelson Brasil destacou a disposição de Temporão para derrubar preconceitos em prol de um modelo mais moderno e sustentável para a saúde pública. “Com discernimento e coragem enfrentou a acomodação, a burocracia e as reações de pessoas ou grupos contrários à introdução das reformas necessárias, fortalecendo, com medidas concretas, o complexo produtivo e de inovação em saúde ao associá-lo aos objetivos do SUS, sob uma visão estratégica de transformação da estrutura produtiva do País, compromissando-a com os grandes objetivos nacionais de crescimento econômico associado ao atendimento às necessidades essenciais da saúde da população brasileira”.
A fala de Temporão foi coerente com a imagem, construída com ações e exemplos em toda sua gestão, de um ministro inteiramente aberto ao diálogo, além de empreendedor e inovador. “Em três anos e nove meses no Ministério vivi momentos preciosos de encontro, estímulo, cobranças e críticas”. Temporão dividiu com o setor produtivo os méritos pela criação do novo modelo para a área da saúde. “Sem a participação e o entusiasmo dos empresários na mudança, apoiando, divergindo, empurrando para frente, não teríamos avançado tanto. A estratégia que desenhamos e construímos juntos foi inteligente”. Temporão agradeceu o empenho e o espírito de parceria de pessoas como Reinaldo Guimarães, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde; Carlos Gadelha, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz; e Pedro Palmeira, diretor do Defarma/BNDES. Mencionou a influência, em sua formação técnica e política, de sanitaristas ilustres como Ézio Cordeiro e Sérgio Arouca. Reconheceu os esforços do diretor da Anvisa, Dirceu Raposo, no sentido de aperfeiçoar o sistema de registro sanitário – “Como a Anvisa apanhou!” Mas a ação regulatória está evoluindo.” – e lembrou que a superação dos desafios na área regulatória e na questão das licitações públicas depende, em parte, da tramitação de projetos de lei que estão no Congresso, com o objetivo de dar consistência legal à nova estratégia. Mas o que o futuro próximo reserva a esse modelo que foi fruto de tanto trabalho? Segundo Temporão, “a nova visão da saúde pelo governo veio para ficar, com certeza”. Ele está convencido de que vivemos um “momento precioso da vida política brasileira” e que, “se queremos colocar o CIS funcionando e ampliar os avanços, a presidente Dilma é muito aberta para isso. Transpor conceitos para ação de governo é uma tarefa complexa. Não era comum se considerar essa parte econômica e de desenvolvimento industrial na pasta da Saúde. Nós conseguimos criar um eixo estruturante na saúde pública. Quero dizer da minha alegria e lembrar que temos muito ainda a fazer”.
Os representantes de governo presentes ao Encontro Empresarial expressaram, de forma geral, um sentimento de confiança quanto à manutenção do novo modelo da saúde no governo Dilma Roussef. Para o secretário Reinaldo Guimarães, a tendência é que ele se transforme em “uma política de Estado, em que podem mudar as pessoas, mas seu espírito permanecerá”. Hayne Felipe da Silva, diretor de Farmanguinhos, manifestou igualmente expectativas positivas e afirmou que “a gestão do ministro Temporão consolidou a ideia de que a saúde também é base para o desenvolvimento”. Ele entende que o Brasil finalmente superou a dificuldade de implantar uma política industrial no setor, embora ainda estejamos “pagando o preço por ter desmontado nosso parque Farmoquímico”. Esse preço, em sua opinião, se traduz na falta de “uma base para que a política aconteça na velocidade que desejamos”.
Pedro Palmeira, do BNDES, também está otimista e enxerga novos desafios à frente. “O Profarma foi a grande iniciativa de interseção da Política Industrial com a Política Nacional de Saúde, incentivando a inovação e a produção local de princípios ativos e medicamentos. Agora, nossa expectativa é a de que essa interação torne-se ainda mais forte. Nos próximos quatro anos, o principal desafio será induzirmos a inovação no Complexo Industrial da Saúde. Já contamos com ações para isso, mas ainda estamos muito longe de alcançar os níveis da indústria farmacêutica dos países desenvolvidos. Precisamos tirar a inovação tecnológica da inércia, para minimizarmos os riscos de uma desindustrialização precoce”.
As empresas Farmoquímicas e farmacêuticas nacionais, com todas as críticas que têm feito às barreiras regulatórias e à lentidão burocrática do governo, são unânimes em reconhecer os avanços obtidos na gestão do ministro Temporão. Lélio Maçaira, presidente do Laborvida, aponta como a melhor prova da eficácia do atual modelo os resultados concretos já alcançados. “Produtos importantes para o País estão sendo fabricados no Brasil, como o AZT, a Lamivudina e o Efavirenz. São três princípios ativos muito importantes, utilizados principalmente por Farmanguinhos com a qualidade da indústria nacional”.
Nicolau Lages, diretor da Nortec, espera que os mecanismos para o desenvolvimento produtivo sejam aprimorados no próximo governo. “Destaco dois mecanismos interessantes: a subvenção econômica, importante para aumentar a competitividade das empresas, na medida em que as incentiva a desenvolver novos processos e produtos; e o uso do poder de compra do Estado por meio da MP 495, que concede margens de preferência para empresas nacionais em licitações públicas”. Lages considera que a política do governo ainda é “um pouco deficiente na hora de colocar em prática esses mecanismos de incentivo. Há muita lentidão”.
Na opinião de Odilon Costa, diretor de Relações Institucionais da Cristália, “o Brasil vive hoje o melhor estágio na relação entre o Poder Executivo e a indústria farmacêutica, com o estabelecimento de uma política que envolve o setor regulado, procura atender suas demandas e incentivar seu crescimento. E hoje a ABIFINA é a entidade de classe que melhor se posiciona em relação ao governo a respeito dos assuntos da área de saúde”.
Para o diretor da Cristália, os desafios a serem enfrentados pelo setor produtivo ainda são grandes. “A indústria farmacêutica precisa entrar de vez na agenda do governo. É preciso consolidar a política de saúde já existente, com o envolvimento de todos os atores da cadeia, em especial a Anvisa, que ainda não está totalmente integrada ao processo. Algumas decisões da agência pesam contra o setor industrial, a exemplo das etiquetas eletrônicas para combater a falsificação”.