REVISTA FACTO
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Jul-Ago 2010 • ANO IV • ISSN 2623-1177
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//Matérias

Informação, conhecimento e desenvolvimento

As políticas industriais lançadas pelo governo brasileiro nos últimos anos, a PITCE e a PDP, apresentaram como objetivo o desenvolvimento. Na primeira, sob a adjetivação de tecnológico, e na segunda, produtivo. Adjetivos à parte, o desenvolvimento é um processo pelo qual se evolui da produção de bens primários, que utilizam mão-de-obra de baixa qualificação, para produtos sofisticados, que exigem mão-de-obra qualificada.
A principal característica desta evolução é o aumento do grau de conhecimento necessário para realizá-la e o setor da economia que mais claramente a mede é o industrial. Em outras palavras, o desenvolvimento pode ser encarado como a passagem de uma economia baseada na disponibilidade de bens primários para uma economia baseada em disponibilidade de conhecimento.
Analisando-se o desempenho da economia brasileira a partir de suas relações internacionais de troca, é fácil constatar que continuamos a ser um país produtor/exportador de bens primários e consumidor/importador de bens industriais de maior conteúdo tecnológico, de maior conhecimento embutido.
Deixando de lado, por um instante, variáveis econômicas que também afetam a competitividade nacional e suas possibilidades de desenvolvimento em setores de maior conteúdo tecnológico agregado – juros e câmbio – parece evidente que temos problemas na área do conhecimento disponível, apesar de uma crescente liberdade na circulação de informações.
Acontece que informação é factual enquanto conhecimento é conceitual. É possível acessar ou adquirir toda a informação disponível sobre um determinado processo tecnológico e, ainda assim, não ficar de posse de todo o conhecimento necessário à sua efetiva realização. A razão disto é que nem todas as minúcias de uma tecnologia podem ser codificadas sob a forma de informações, pois há uma parcela do conhecimento total que permanece sob a forma de arte, imanente a quem a pratica. Recorrendo a uma lição da culinária, a mera posse de uma receita e seus corretos ingredientes não garante o sucesso do aprendiz de cozinheiro; é preciso algo mais, o saber fazer, que só a experiência pode gerar.
Muito embora, nas últimas décadas, a parcela de conhecimento que circula sob a forma de informações tecnológicas tenha crescido muito como bem público, o know-how, o algo mais é ainda um ativo essencial ao desenvolvimento que é protegido pelas empresas em sua luta por vantagens competitivas no mercado. Uma das formas mais efetivas e engenhosas de proteção é o sistema de proteção por patentes, pois este proíbe a colocação no mercado do produto protegido, quaisquer que tenham sido as informações e conhecimentos utilizados na sua produção. Em suma, tal tipo de proteção inibe a cópia, a imitação.
Quem quer que se dê ao trabalho de estudar as estratégias de desenvolvimento bem sucedidas usadas por países retardatários nos séculos XIX e XX – EUA, Japão, Coreia, China, entre outros – vai verificar que na base do processo houve um intenso apelo ao processo de aquisição de conhecimento básico via imitação. Não sem motivo, afinal, a imitação é o processo civilizatório fundamental. À fase da imitação pura e simples segue-se a da imitação criativa, onde já se destacam certa criatividade e inovações incrementais, para, em seguida, atingir-se a etapa da inovação propriamente dita. Note-se que o processo não envolve apenas a aquisição e geração de conhecimentos tecnológicos. O processo exige a capacitação gerencial na administração da produção, na execução de projetos e em estratégias de inserção no mercado.
A importância de um regime adequado de proteção por patentes nas etapas iniciais do desenvolvimento fica mais clara quando se analisa o setor químico, e particularmente o setor químico-farmacêutico. A maioria dos países retardatários neste campo não reconheceu patentes para estes produtos ou adotou restrições bastante severas para seu reconhecimento nos estágios iniciais de seu desenvolvimento. São conhecidos os exemplos da Suíça, Espanha, Itália, entre muitos outros, que a lista é grande.
Mais recentemente, o melhor exemplo nos vem da Índia, que através de uma administração sensata da proteção patentária conferida pelo país conseguiu, em menos de duas décadas, galgar os estágios iniciais do desenvolvimento neste setor, encontrando-se já como ator importante na fase da inovação. A Índia não se esqueceu da velha lição dos economistas liberais de que o motor da inovação é a competição, e não a proteção, e tratou de criar um ambiente competitivo entre suas empresas, entre outras coisas, evitando o bloqueio de seu mercado interno por uma enxurrada de patentes estrangeiras.
A atual orientação dos gestores governamentais do sistema de concessão de patentes brasileiro, claramente direcionada para ampliar os limites da patenteabilidade no setor químico-farmacêutico e biotecnológico para proteger descobertas e pseudo-invenções, é um erro estratégico primário que põe em xeque os objetivos da política nacional. Corremos o risco de não alcançarmos o objetivo de ampliar o estoque de conhecimento necessário ao desenvolvimento, mesmo diante de uma farta disponibilidade de informação, por uma limitação desnecessária e injustificável à experimentação e à competição.

Marcos Oliveira
Marcos Oliveira
Membro do Conselho Consultivo da ABIFINA.
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