Agnaldo Brito foi a Altamira, no Pará, acompanhar as tensões em torno do polêmico leilão da usina hidrelétrica de Belomonte. Esteve na Bolívia em 2006, cobrindo a crise da nacionalização das reservas de hidrocarbonetos do país. Recentemente, embarcou para Angola, onde verificou os erros e acertos de sua expansão econômica – que guarda semelhanças com o Brasil no que tange à dificuldade em se executar projetos, mesmo com grandes recursos disponíveis, devido aos problemas da gestão pública.
Com base na experiência de quem observou de perto fatos econômicos relevantes para a sociedade, o jornalista da Folha de São Paulo analisa as perspectivas para a infraestrutura e a indústria brasileiras, em entrevista exclusiva à Facto. Brito, que foi repórter da Gazeta Mercantil e de O Estado de São Paulo, critica a candidatura do Brasil à sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Para ele, um salto demasiado alto para um País que não consegue tirar do papel as medidas básicas do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Em uma dura visão da realidade atual, dispara: “Não acredito que esse pacote seja cumprido nos próximos cinco anos”.
Quais serão os principais desafios do Brasil em infraestrutura nos próximos cinco anos?
O maior desafio será executar o que foi prometido nas duas versões do PAC, apesar de nenhuma delas contemplar 100% do que o País precisa, sobretudo em infraestrutura logística, saneamento e energia. Porém, não acredito que esse pacote seja cumprido nos próximos cinco anos. E estou mencionando apenas aspectos essenciais. Além deles, acabamos de criar uma nova demanda por estádios e equipamentos esportivos [com o Brasil sediando a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016]. O País se lançou em um desafio enorme, sem antes ter se mostrado capaz de resolver as questões primordiais. Houve certo delírio do governo em ir além do que pode.
Qual é o peso da infraestrutura deficiente no chamado Custo Brasil?
Existem cálculos de toda ordem, mas posso dizer, com toda segurança, que é caro. A ferrovia Norte-Sul é o caso mais emblemático no rol de ações mal coordenadas no País. Ela terá capacidade para transportar cerca de oito milhões de toneladas anuais, segundo números da Vale, que é a operadora. Porém, o porto de Itaqui, no Maranhão, suporta o escoamento de apenas dois milhões. De que adianta a ferrovia ser um duto gigante se encontra um funil no porto? Em reportagem recente, mostrei que o Maranhão teve safra recorde de grãos, porém não pode escoar pelo porto de Itaqui, de onde é um pulo para os Estados Unidos e a Europa. Outro exemplo: a Alcoa desistiu de montar uma indústria de alumínio aqui devido ao problema da disponibilidade de energia. Levou o projeto para a Arábia Saudita. O Custo Brasil começa a inviabilizar a indústria.
Como a questão impacta o setor químico?
A grande dificuldade, hoje, é o acesso à matéria-prima. Especificamente na área dos petroquímicos, penso que existe uma solução no horizonte com as reservas de petróleo e gás do pré-sal. Mas a questão vai além: como sustentaremos projetos para o futuro diante de problemas como os de energia e infraestrutura? Existe a opção de o Brasil produzir energia a partir do gás natural. Porém, como este também é um insumo para a indústria gás-química, pode surgir um conflito de interesses. A questão está em aberto.
O pré-sal representa a chance de o País fomentar uma cadeia de fornecedores locais?
Sim. Estamos falando de uma indústria química capaz de inovar, atividade em que o Brasil ainda engatinha. Com exceção de casos isolados, não há uma cultura empresarial de P&D&I. Por outro lado, existe o problema dos institutos de pesquisa e universidades não conseguirem transformar seus estudos em produtos. Os papers ficam engavetados. Mas é bom sermos justos: esforços têm sido feitos desde o governo Fernando Henrique, com a criação de instrumentos de pesquisa e desenvolvimento. Porém, é preciso um esforço maior.
Como avalia a participação da iniciativa privada nos serviços de infraestrutura?
Existe interesse privado, mas depende dos riscos envolvidos. Ninguém vai rasgar dinheiro, portanto se não houver projetos sérios, que garantam uma rentabilidade mínima, com respeito aos marcos regulatórios, não existirá participação privada. E o setor público, se fosse mais organizado, poderia ter maior presença nos investimentos.
As fontes alternativas de energia seriam uma saída para aumentar a capacidade de geração com sustentabilidade?
São Paulo conta com um grande centro de consumo e uma indústria de biomassa desenvolvida, capaz de gerar energia do bagaço de cana para injetá-la quase dentro das residências. O fato já acontece, mas poderia ter escala maior. O governo promoveu um leilão de energia de reserva, colocando as usinas de biomassa à disposição para o caso de necessidade. Este modelo, apesar de ainda caro, é interessante. A energia eólica também tem grande potencial em várias regiões. Ao contrário do que se imagina, ela está ficando cada vez mais barata.
Mas essas fontes teriam a capacidade de geração de que o País precisa?
Não. As hidrelétricas ainda seriam necessárias. Entretanto, o Brasil é de uma ineficácia brutal no campo da eficiência energética. Quanto de energia poderíamos economizar em vez de gerar? Quantas Itaipus ou quantas Belomontes pouparíamos se tivéssemos um plano eficiente de redução do consumo? Existe o Procel [Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica], mas este não é um programa de Estado para tratar do assunto com a seriedade que merece. Não percebo um pensamento mais amplo e estratégico no governo. Portanto, vamos continuar oferecendo projetos gigantes para leilões na Amazônia, que é o único espaço disponível para alagar, e vamos continuar comprando energia de térmicas. É o modelo que vejo e isso é muito triste.
Existem projeções de o Brasil crescer até 6% este ano. A estimativa é realista diante de um possível apagão logístico?
Sim, afinal 6% não é algo extraordinário. Um aspecto interessante é que o País só crescerá nesse percentual justamente se investir em infraestrutura, pois a projeção do PIB inclui os aportes feitos em estradas, aeroportos, hidrelétricas.
Como aproveitar a trajetória de crescimento do Brasil para incentivar o desenvolvimento da indústria nacional?
Para sermos um País que não dependa exclusivamente das commodities, precisaremos investir em industrialização. Aí enfrentamos todos aqueles gargalos: logístico, energético e outros. Fiz uma reportagem em que me deram este exemplo: o Brasil exporta minério de ferro e importa trilhos da China. Para reverter o quadro, é preciso uma política industrial.