O Brasil é o quarto maior país do mundo e, entre as grandes nações emergentes, possui a mais favorável relação população/área territorial, não apresenta diversidades étnicas ou castas sociais, tem a maior reserva da biodiversidade do planeta, possui água em abundância, dispõe de recursos minerais estratégicos, em petróleo é autossuficiente e desponta com as fabulosas reservas de seu pré-sal. Além disso, pode-se orgulhar de atravessar um período de notável estabilidade política e macroeconômica, assegurada pelo acúmulo de reservas cambiais de
US$ 250 bilhões em um mundo conturbado pela renitente crise financeira criada pelo frágil sistema bancário externo, em contraposição ao regulado e tranquilo sistema bancário nacional. No mundo somos ouvidos com atenções nunca sequer imaginadas no passado. Nesse cenário temos que refletir porque nosso crescimento econômico tem sido medíocre, vis-à-vis demais nações emergentes, que não desfrutam desses favoráveis condicionantes.
Vejamos quais são os principais gargalos ao processo de desenvolvimento do país.
Inicialmente cabe destacar que não é possível a um país ter uma economia forte, com renda per capita elevada e boa distribuição de renda, mantendo-se, apenas, como um grande produtor e exportador de “commodities agrícolas”. Todos os países avançados no mundo, que apresentam altas taxas de crescimento, dispõem de uma moderna e diversificada indústria, com forte presença em segmentos de maior intensidade tecnológica. Mas, para se atingir status de país industrializado é indispensável contar-se com uma política cambial favorável ao setor produtivo interno, administrando-se políticas compensatórias à apreciação do real e às grandes variações na taxa cambial, objetivando-se, além da contenção do processo inflacionário, também defender a produção interna e incentivar o investimento. Aliás, essa prática de política industrial em nada inovaria o cenário mundial, visto que constitui o expediente usado pela China para assegurar sua forte presença no comércio internacional e o próprio FED (Federal Reserve System) dos Estados Unidos ao fixar taxas de juros internos considerando as previsíveis taxas da inflação e de crescimento do PIB.
A completa ausência de política industrial desde o início dos anos 90 impediu que se desenvolvessem no Brasil os segmentos de indústrias contendo maiores densidades tecnológicas que haviam sido germinados ao longo dos anos 80, do que resultou o baixo índice de inovação que o país hoje apresenta, bem como o fato de que o balanço de pagamentos externos do Brasil somente se torna positivo quando se elevam os preços internacionais das commodities.
Em realidade somente em 2004, quatorze anos após ter sido iniciada nossa ingênua abertura comercial, foi definida uma Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior voltada para quatro setores industriais com relevante significado estratégico para o desenvolvimento nacional (Complexo Industrial da Saúde, Tecnologia de Informação e Comunicação, Energia Nuclear e Complexo Industrial de Defesa), bem como para tecnologias portadoras de futuro (Nanotecnologia e Biotecnologia). Dessa iniciativa resultaram os respectivos diagnósticos setoriais, bem como surgiu uma incipiente implantação de medidas a cargo do BNDES para financiar seu Programa PROFARMA. Essa política industrial foi remodelada em 2008 com o título de Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), surgindo como um instrumento com maiores pretensões em termos de abrangência, profundidade, articulações, controles e metas. O PDP foi concebido objetivando desenvolver não somente as áreas estratégicas anteriormente definidas, como também fortalecer a competitividade de complexos industriais já operando no Brasil (complexo automotivo, bens de capital, indústria naval, etc.) e consolidar e expandir a liderança já alcançada pela indústria de base instalada no país (petróleo, petroquímica, aeronáutica, mineração, etc.).
No âmbito do poder executivo, entre os anos de 2008 a 2009, através de Resoluções e Portarias foi definido um marco regulatório referente aos quatro setores industriais estratégicos acima mencionados. Mas permanecem pendentes de soluções algumas importantes medidas que requerem alterações legislativas, como uma adequação da Lei de Licitações para permitir a consolidação do complexo industrial da saúde pelo indispensável uso do poder de compra do Estado nas parcerias público-privadas concebidas para atender necessidades de acesso da população a medicamentos essenciais. Nesse cenário é absolutamente necessário um grande esforço para aprovar essa matéria legislativa no menor lapso de tempo possível, sob pena de se condenar à estagnação iniciativas já definidas e se frustrarem outras em elaboração.
A Petrobrás, após entendimento realizado com o TCU e o MP, já operacionaliza um sistema de compras visando atender adequadamente as áreas de caráter estratégico para a companhia. Para tanto criou um cadastro próprio de fornecedores dos quais, em muitos casos, é exigida até a fabricação no país, especialmente quando se tratar de componentes que requeiram a rastreabilidade permanente de seus processos produtivos. Nesse rumo noticia-se que o governo federal cogita implantar medidas visando direcionar as compras públicas prioritariamente para os produtos fabricados no Brasil, desta forma revertendo décadas de perdas substanciais sofridas pelas indústrias nacionais com maior intensidade tecnológica. Assim agindo o governo federal poderá conter o preocupante processo desindustrializante do país, revertendo uma nítida exportação de empregos que deveriam ser de brasileiros trabalhando aqui no país, e não no leste asiático.
Com o mesmo viés de priorizar a produção local, independentemente da origem do capital acionário, os órgãos regulatórios que cuidam de aspectos sanitários dos produtos destinados ao mercado interno deveriam criar uma linha “verde-amarela” para exame prioritário dos pleitos de registro colocados nesses órgãos pelas empresas produtivas operando no país, quando caracterizada a essencialidade do produto ou uma relevante inovação tecnológica.
Assim também é necessário que se redefina o papel da propriedade industrial no país, colocando o sistema como um elemento da política do desenvolvimento econômico e social do país, em especial atenta aos interesses da saúde pública e não meramente como um provedor de direitos proprietários absolutos de indivíduos. Sendo assim os responsáveis pela operacionalização do sistema da propriedade industrial no Brasil deveriam mais bem articular suas ações, priorizando o exame de pleitos depositados por empresas que geram tecnologias no país e levando em conta os superiores interesses nacionais na interpretação da Lei de Patentes, em especial no trato de temas do interesse da saúde pública, bem como conferindo maior ênfase na disseminação das informações tecnológicas geradas pelo sistema. Por falta de articulação e divergências entre os órgãos responsáveis por essa área, resultam procrastinações de decisões que se transformam, invariavelmente, no aumento do prazo de vigência da patente, fato que obviamente contraria os interesses da política desenvolvimentista do país.
No que concerne às ações voltadas para a inovação tecnológica devem ser corrigidos antigos “cacoetes” ainda encontrados nos órgãos gestores de tais operações: a preferência pela atividade acadêmica e pela inovação radical. Em realidade, e não custa repetir, a inovação tecnológica deve ser focada prioritariamente na indústria que opera no país para absorver tecnologias novas em termos nacionais e desenvolvê-las com o objetivo de permitir o acesso competitivo da empresa ao mercado internacional.
Por último, mas não menos importante, há que se redefinir o conceito de micro e pequena empresa atuando no Brasil, tendo em vista as medidas que se destinam a promover o desenvolvimento desse relevante setor produtivo no país. Existem distintos critérios para se conceituar a micro e pequena empresa. Nos Estados Unidos pequenas empresas (small business) são definidas segundo o número de empregados dependendo do tipo de indústria, mas esse número de empregados nunca é inferior a quinhentos. No Brasil o conceito de porte é baseado em receita bruta anual, estabelecido pela Lei Complementar nº 123 de 14/12/2006, onde se considera microempresa aquela que apresenta uma receita anual de até R$240mil e a pequena empresa com receita anual entre R$ 240mil e R$ 2.400mil. O SEBRAE utiliza o conceito de pessoas ocupadas na empresa, sendo microempresa industrial aquela que ocupa menos de vinte pessoas e pequena empresa de vinte a cem pessoas. Ou seja, no Brasil uma empresa com faturamento anual acima de R$ 2,4 milhões/ano, ou mais de cem empregados, é definida como uma empresa grande (ou média) e, assim, deve receber dos órgãos de financiamento um tratamento assemelhado ao que é recebido por indústrias gigantes, como a Volkswagen, Vale, Petrobras, etc., o que não é justo para a empresa nacional de médio porte, nem adequado como instrumento de promoção industrial. Há que se redefinir esse conceito, pelo menos para sua utilização pelos órgãos de financiamento.
A existência desses pequenos gargalos, como acima apresentado, é que impedem o desenvolvimento do país em taxas compatíveis às demais nações emergentes no mundo. Se atacarmos esses gargalos como uma prioridade nacional o Brasil se tornará uma verdadeira China das Américas.
//Editorial
Retirar os gargalos ao desenvolvimento, eis a questão
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.