A retomada do desenvolvimento econômico brasileiro, decorrente da estabilidade política e macroeconômica, e a recente qualificação do País como um player no cenário político internacional abrem caminho para uma revolução sem precedentes na qualidade de vida da população brasileira, com nítido viés voltado para o atendimento às demandas sociais nas áreas de saúde e alimentação. Conjugando abundância de recursos naturais para atender objetivos estratégicos nas áreas de energia renovável e nuclear, e com uma capacidade de produção industrial que as políticas neoliberais dos anos 90 não conseguiram arruinar, o Brasil poderá nas próximas décadas deixar de ser “o país das oportunidades perdidas” e se tornar uma potência econômica de fato. Para isso, é fundamental que os futuros governantes saibam identificar e aproveitar as oportunidades, levando em conta o caráter estratégico de certos setores e elos de cadeias produtivas. Nesse cenário, a química fina tem um importante papel a cumprir, especialmente nos segmentos industriais de fármacos, defensivos agrícolas e insumos para a produção de energia, inclusive nuclear limpa.
Acesso da população aos produtos e serviços da saúde pública
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado pela Lei Orgânica de Saúde, em 1990, com base no artigo 198 da Constituição Federal de 1988, valendo-se de três princípios: (1) universalidade – a saúde é um direito de todos; (2) integralidade – utiliza meios curativos e preventivos; (3) equidade – igual oportunidade para todos. Nenhum outro país no mundo apresenta um sistema de saúde pública com tamanho vigor e abrangência.
No segundo mandato do Presidente Lula foi lançada a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em cujo contexto foi editado o PAC da Saúde que, sob a gestão de Temporão no Ministério da Saúde, foi definida como estratégia de ação de uma visão integrada da cadeia produtiva e da prestação de serviços para a saúde. Como iniciativa pioneira nesse cenário cabe destacar as parcerias público-privadas originalmente concebidas para a fabricação verticalizada no país de Zidovudina, Lamivudina e Efavirenz, antirretrovirais de enorme significado no contexto dessas políticas da área da saúde pública. A partir dessa exitosa experiência foi estabelecido um importante arcabouço legal e regulatório, representado pelos seguintes instrumentos: Portaria Interministerial 128 (diretrizes para a contratação da fabricação de fármacos e medicamentos pelo sistema público); Decreto criador do GECIS (organismo interministerial que objetiva promover ações concretas visando a implantação do marco regulatório para atingir os objetivos estratégicos definidos pelo governo federal para a área da saúde); Portarias do Ministério da Saúde nº 978 e 1.284 (lista dos produtos estratégicos na área do SUS); Portaria nº 3.031 (critérios a serem considerados pelos laboratórios oficiais de produção de medicamentos em suas licitações para aquisição de matérias-primas); Portaria nº 374 (Programa Nacional de Fomento à Produção Pública e Inovação no Complexo Industrial da Saúde, vinculado ao SUS).
Com os contratos e parcerias público-privadas firmados desde o ano passado até maio deste ano para a produção nacional de 23 medicamentos relevantes para o Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil substituirá ou reduzirá substancialmente importações nessa área. Segundo Reinaldo Guimarães, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, os projetos em curso representam um valor de compras da ordem de R$ 850 milhões/ano, e deverão proporcionar nos próximos cinco anos uma economia estimada em R$ 170 milhões/ano para o sistema público de saúde.
O renascimento da indústria farmoquímica nacional, assim como o desenvolvimento dos laboratórios nacionais inovadores na área de medicamentos, dependem diretamente do desenvolvimento e sustentação de políticas públicas, dado que o maior comprador é o Estado. Daí a insistência da Abifina em cobrar do governo o uso efetivo do seu poder de compra em favor da indústria nacional, como indispensável complementação do marco legal e regulatório definidos pelas Portarias acima mencionadas.
Falta ainda a adequação da Lei de Licitações para atender objetivos da política pública que definiu o complexo industrial da saúde, em especial na contratação da fabricação local de produto com inovação tecnológica, a ser atingido por meio de um anteprojeto de lei proposto pelo Ministério da Saúde. Ainda deve ser considerada a possibilidade de preferência nas compras a produtos fabricados no País, a semelhança do que ocorre desde 1932 nos Estados Unidos com seu Buy American Act. Esta lei se faz importante e urgente, em especial se considerado o persistente problema da falta de isonomia tributária e regulatória nas compras governamentais de fármacos e medicamentos, em ambiente econômico com taxa cambial apreciada.
Guimarães informa que o anteprojeto de lei, batizado de “APL-Saúde”, já foi encaminhado pelo Ministro Temporão ao Ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, para inclusão como projeto prioritário do Governo Federal junto ao Legislativo. “Estão previstas, também, outras medidas de caráter geral relativas às compras governamentais que igualmente reforçam o apoio à produção brasileira”, garante o secretário. Já existe um grupo de trabalho conjunto com a Anvisa, para tratar de assuntos referentes à regulamentação, tais como a agilização do processo de registro dos novos produtos, a serem desenvolvidos por meio das parcerias público-privadas criadas para atender necessidades de suprimento dos produtos estratégicos para o SUS. Se o governo brasileiro souber conduzir com agilidade e firmeza a implementação de todas as medidas previstas, e ocorrer uma efetiva continuidade administrativa em tais políticas, em prazo relativamente curto, o cenário nacional da produção de fármacos, medicamentos e vacinas deverá melhorar substancialmente.
O Ministério da Saúde está avançando, às vezes com dificuldade e contra numerosos obstáculos – em especial decorrentes de “tiros no pé” ou de “fogo amigo”, resultantes da incompreensão desses avanços pela própria área pública, em especial na área regulatória. Órgãos como a Anvisa e o INPI, sem perda do rigor na qualidade de seu controle e fiscalização, deveriam buscar maior convergência com as políticas de desenvolvimento do país, como fazem as nações desenvolvidas, agilizando análises de pleitos relativos a produtos do interesse do Sistema Único de Saúde e inovatórios.
Segundo Josimar Henrique, presidente do Laboratório Hebron, os órgãos financiadores, embora tenham apresentado avanços como no programa Profarma, ainda estão excessivamente concentrados na idéia de uma Big Farma brasileira.
Josimar Henrique não despreza o conceito de Big Farma. “O Brasil tem a sua Big de cerveja e refrigerantes. Tem também em petróleo, minério. Talvez se possa dizer que tem de cimento, laranja processada, soja, carne. De fármacos e medicamentos, não.
O empresário reconhece que, além da importância financeira e econômica, uma Big Farma traz independência para o País que a controla, tanto que “nenhum país desenvolvido abre mão de ter a sua”. Contudo, em sua opinião, o Brasil não terá sucesso nesse empreendimento enquanto se acreditar que o caminho é a junção de grandes empresas nacionais. “As maiores empresas nacionais farmacêuticas são familiares e praticamente não têm complementaridade de portfólio de produtos”.
O segmento de fitoterápicos também enfrenta obstáculos que lhe retardam o acesso ao mercado internacional, hoje altamente promissor. Segundo pesquisas recentes, o mercado de fitoterápicos movimenta anualmente US$ 23 bilhões no mundo e apenas US$ 500 milhões no Brasil. Os líderes são Alemanha, França e
Suíça, cuja biodiversidade de origem vegetal nem de longe se compara à do nosso país. Segundo Peter Andersen, presidente do Grupo Centroflora, a indústria de insumos para a fabricação de fitoterápicos enfrenta os mesmos problemas da indústria farmoquímica brasileira em geral. “O câmbio valorizado, aliado à total falta de isonomia regulatória, quebrou as empresas nos últimos vinte anos. Atualmente, cerca de 70% dos extratos adquiridos no Brasil são de origem estrangeira e não sofrem nenhum controle sanitário e de qualidade. Considerando que as empresas ‘compram preço’, podemos concluir que a qualidade do que se está usando é crítica. A realidade é que estamos ofertando muitos fitoterápicos de qualidade duvidosa”.
Trata-se, apenas, de aplicar o marco regulatório já existente (RDC 249) e fiscalizar todos os fornecedores, sem exceção, acentua Andersen. “Nossa luta é para que o governo brasileiro audite de fato os fabricantes estrangeiros de extratos que são vendidos ao Brasil. A Anvisa, que tem uma forte atuação interna, externamente é muito frágil”. Vânia Rudge, responsável pelo setor jurídico da Centroflora, complementa: “A Anvisa tem a missão de proteger e promover a saúde da população brasileira, garantindo a segurança sanitária de produtos e serviços ofertados no território nacional. A criação de mecanismos de controle e fiscalização, como o registro dos insumos farmacêuticos ativos (IFAs), é imprescindível e apoiada por todo o setor regulado, mas para que haja um real avanço para o País esses mecanismos devem ser aplicados de forma isonômica, tanto aos produtos fabricados no País quanto aos importados”.
No segmento de vacinas e soros o cenário atual é mais positivo, mas a consolidação dos avanços obtidos irá depender, igualmente, de políticas públicas sustentadas. O grande desafio dos laboratórios nacionais de produção de vacinas é incorporar as tecnologias de produção das vacinas de nova geração o mais rapidamente possível, para oferecer produtos a preços compatíveis com o orçamento público do País. Tal desafio resulta do fato de que o desenvolvimento tecnológico e a inovação em vacinas consomem dez a vinte anos, requerendo alto investimento em instalações, equipamentos e estudos clínicos que podem durar de cinco a seis anos, além de recursos humanos especializados. Nessas circunstâncias é difícil motivar empresas privadas para investimento isolado em desenvolvimento e inovação tecnológica de vacinas. O poder público tem nesse segmento um papel primordial e a responsabilidade de realizar pesados investimentos em pesquisa e desenvolvimento, como também deveria utilizar o modelo de parcerias público-privadas que vem mostrando tanto sucesso na área de fármacos e medicamentos.
Segundo informações do Ministério da Saúde, o foco dos estudos e ações em andamento no segmento de reagentes de diagnósticos laboratoriais se concentra em dois grupos de doenças: as “doenças negligenciadas” e as doenças de grande impacto nos gastos públicos. Buscando identificar as iniciativas em curso, tanto nos programas de governo como nos centros universitários de pesquisa e no setor produtivo nacional, o MS constatou que no setor público as iniciativas estão dispersas e sem coordenação, e que no setor produtivo poucos grupos trabalham no desenvolvimento de kits, tendo sido identificadas apenas nove empresas nacionais com capacidade produtiva, em contraposição às 89 empresas com produtos registrados na Anvisa.
Pesquisa coordenada pela prof. Adelaide Antunes, da Escola de Química da UFRJ, revelou que o mercado brasileiro de diagnóstico in vitro, comprador de reagentes, está cada vez mais exigente graças às ações da vigilância sanitária e à conscientização dos profissionais que atuam na área quanto à importância da gestão da qualidade. Por outro lado, as fusões de laboratórios em grandes unidades de serviços e a criação de cooperativas que compram anualmente obrigam as empresas a trabalhar no limite de seus preços, restando pouca margem para investimentos.
A alimentação da população e a segurança alimentar.
Estudos recentes da US Census Bureau, da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), indicam que a população mundial crescerá, em média, 60 milhões de habitantes por ano nos próximos quarenta anos. De 2,6 bilhões de habitantes em 1950 pulamos para cerca de 6,8 bilhões em 2010, e deveremos chegar a 2050 com 9,2 bilhões. Tais projeções suscitam uma pergunta: teremos alimentos para abastecer toda essa crescente população? Uma resposta aparentemente óbvia seria “sim, basta aumentarmos a área para produção agrícola de alimentos”. Porém, a realidade do planeta não apóia esse tipo de afirmação. As terras agricultáveis do mundo estão cada vez mais escassas e concentradas.
Outro estudo da FAO, de 2009, revelou que em dezenove países cujas terras cultivadas representam 70% do total mundial (dentre eles o Brasil), a expansão da área destinada à agricultura não passou de 1% no período 1995-2007. Em 1960, cada hectare plantado alimentava duas pessoas. Em 2010 o número de pessoas dobrou, e para 2030 estima-se que um hectare terá que responder pela alimentação de seis habitantes do planeta. Países superpopulosos terão dificuldades de fazer frente à crescente demanda por alimentos devido ao esgotamento de suas áreas agricultáveis. Portanto, a disponibilidade de terra não parece ser a solução para o problema que se avoluma. As apostas estão voltadas para o aumento da produtividade agrícola.
E, realmente, apesar da restrição de área disponível para a agricultura, a produção mundial de alimentos continua crescendo, principalmente nos países em desenvolvimento, o que pressupõe um substancial aumento de produtividade. Numa projeção para a produção agrícola mundial em 2020, os países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) figuram com 6,8 bilhões de toneladas (cerca de 53% da produção global), contra 2,3 bilhões dos países desenvolvidos (Nafta, UE-15 e Japão).
A sustentação desse crescimento de produtividade demanda um intensivo e correto uso de tecnologia nos processos de correção e irrigação do solo, na mecanização das atividades agrícolas, no desenvolvimento de sementes e nos principais insumos para a agricultura: fertilizantes e defensivos agrícolas. As práticas de calagem e adubação respondem por cerca de 50% dos ganhos de produtividade na agricultura. Mas, para atingir essa alta eficiência, é necessário aplicar os fertilizantes corretamente e proteger a lavoura contra pragas.
A Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), em estudo recente, demonstra a importância do uso correto de fertilizantes para o aumento da produtividade agrícola brasileira. De 1992 a 2008, enquanto a área plantada com grãos no País cresceu 35%, a produção deu um salto de 110%, graças a um aumento de 140% no volume de fertilizantes empregado. De forma geral, nos últimos cinco anos registrou-se um aumento de cerca de 20% na produção agrícola nacional, sem expansão da área plantada. Embora seja hoje o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo, atrás apenas da China, Índia e EUA, o Brasil ocupa um modesto nono lugar na lista de produtores e aparece em destaque apenas como país importador (terceiro lugar). Somos, portanto, extremamente dependentes do mercado externo nesse segmento estratégico do mercado.
Defensivos agrícolas são os produtos que respondem pela “saúde” da lavoura, especialmente em países tropicais como o Brasil, onde as pragas agrícolas tendem a se disseminar com maior rapidez. São como medicamentos destinados a combater doenças vegetais e assim garantir o crescimento da produtividade. Nenhuma tecnologia existente hoje no mundo se compara à dos produtos químicos na eficácia contra essas doenças. Por exemplo: a ferrugem asiática, praga que assola a cultura da soja e pode reduzir em até 80% a produtividade, e a lagarta do cartucho que reduz a 40% a produção de milho, somente podem ser controladas mediante o uso correto de defensivos químicos.
De forma similar à indústria farmacêutica, que busca incessantemente reduzir os efeitos colaterais negativos dos medicamentos, a indústria de defensivos tem em vista reduzir o impacto ambiental e os riscos toxicológicos dos seus produtos. E os progressos têm sido expressivos nessa área. Nas três últimas décadas do século 20, novos produtos de baixa toxicidade surgiram, e mesmo os produtos convencionais incorporaram inovações que permitiram reduzir as doses de defensivos em torno de 90%, mantendo-se a mesma eficiência.
Hoje, o Brasil tem apenas 7% de todo o seu território ocupado por lavouras, ou seja, há muita terra ainda a ser usada para a agricultura. Nesse cenário, o País desponta com um grande potencial de crescimento, talvez o maior do mundo. O mercado interno é bem expressivo e o mercado internacional tem apresentado crescente consumo. Segundo estudo recente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), as dificuldades de reposição de estoques mundiais, o processo de urbanização verificado no mundo, a disponibilidade de recursos naturais no Brasil e o seu potencial de produção, aliado à tecnologia disponível, fazem do País, potencialmente, um dos maiores players nesse cenário.
Estamos preparados para ocupar este espaço? Na opinião de Luis Rangel, coordenador de Agrotóxicos e Afins do Mapa, “a agricultura brasileira vem demonstrando que pode, sim, atender as demandas crescentes não só de quantidade de alimentos a ser disponibilizada, mas também quanto às exigências sanitárias e fitossanitárias de todo o mundo”. A primeira parte, que foi garantir a segurança alimentar para a população brasileira com abundância e qualidade, segundo ele está feita. “A etapa de exportação de excedentes vem se tornando mais e mais importante para o Brasil, já que representa uma parcela significativa de contribuição para o PIB. Ser produtor de alimentos é uma tarefa complexa em um mercado cada vez mais exigente, e percebemos que a profissionalização dos agricultores vem consolidando nossa vocação de celeiro mundial”. Rangel salienta que os insumos usados na agricultura são uma peça fundamental para a sustentabilidade dessa atividade e para a viabilidade do modelo brasileiro de desenvolvimento, e que garantir a qualidade desses insumos é uma das formas de assegurar que teremos alimentos, fibras e bioenergia de qualidade produzidos no País.
A indústria de defensivos também está otimista. Jurandir Paccini, diretor presidente da Ouro Fino Agrociencia, afirma que o setor de defensivos está se preparando e não deverá constituir um gargalo no processo de crescimento da agricultura brasileira. “Contamos hoje com indústrias equipadas para a produção em grande escala e com alta qualidade”. Valdemar Fischer, presidente da Nufarm América Latina, acrescenta que a indústria de defensivos do Brasil é uma das mais evoluídas do mundo e que o aumento da disponibilidade de alimentos tem sido diretamente relacionado ao aumento no nível de tecnologia usado pelo produtor rural, incrementando a produção por hectare plantado e gerando um efeito multiplicador na produção. “Esta tendência deve continuar nos próximos anos, se o produtor rural continuar sendo remunerado adequadamente por esse investimento adicional. A indústria de defensivos tem trabalhado incansavelmente para suprir de forma adequada e segura a demanda cada vez maior de produtos agrícolas, em nível nacional e internacional”.
Entre os desafios que a indústria de defensivos agrícolas espera encontrar pela frente nos próximos anos, tanto Paccini quanto Fischer apontam o marco regulatório. “É preciso haver um posicionamento mais claro de como o setor deve ser regulamentado, e todas as partes envolvidas no processo têm que cumprir suas obrigações”, exorta Paccini. Para Fischer, além da clareza, é preciso que o Brasil seja mais eficiente nessa área, reduzindo prazos e otimizando o processo regulatório como um todo. “Um marco regulatório bem definido gera benefícios para toda a sociedade, trazendo segurança para a indústria investir no País e substituir importações por produção local, gerando empregos e reduzindo a dependência em relação a insumos estratégicos. Isso facilita a própria ação dos órgãos reguladores na fiscalização e controle dos produtos e, consequentemente, proporciona maior segurança para o consumidor final”.
Outro desafio destacado por Paccini está na engenharia financeira do agronegócio. Ele recorda que, em função da escassez de recursos para financiamento da agricultura, o setor de defensivos foi ocupando gradativamente a posição de financiador, sendo em alguns casos responsável por mais de 20% do financiamento total que o agricultor utiliza. “Este é um modelo que deve ser revisto de maneira a se conseguir uma melhor interação entre agentes financiadores, indústria de defensivos, empresas distribuidoras de insumos e o agricultor”. O terceiro desafio identificado pelo presidente da Ouro Fino é a busca constante, por meio da inovação tecnológica, de defensivos agrícolas mais seguros e de menor impacto sobre a saúde humana e o meio ambiente.
A propósito do tema da saúde humana e da redução de impactos ambientais, Luis Rangel explicita sua visão sobre a relação entre agricultura tradicional e agricultura orgânica. “A agricultura é uma só. A necessidade de uma agricultura mais sustentável é clara e o Brasil já vem trabalhando nessa direção. Insumos agrícolas são necessários para todo tipo de agricultura, e na chamada agricultura orgânica não é diferente. Os produtos para controle de pragas no Brasil são chamados genericamente de agrotóxicos, mas englobam também produtos pouco tóxicos, produtos biológicos e outros bem aceitos na agricultura orgânica. Um estigma muito forte pesa sobre os produtos químicos de controle de pragas e fertilizantes sintéticos, porém os avanços recentes nas pesquisas de produtos menos impactantes têm sido tremendos e a profissionalização da agricultura, aliada à adoção de parâmetros científicos pelas autoridades sanitárias para estimar e mitigar os riscos advindos do uso dessas tecnologias, tornam a prática da agricultura e do uso de insumos mais segura”.
Cadeias produtivas estratégicas e a energia do futuro
As indústrias farmoquímicas e de defensivos agrícolas instaladas no País, em que pesem as perspectivas promissoras de mercado, têm em comum um ponto fraco preocupante: a dependência da importação de insumos estratégicos. Certos intermediários de síntese indispensáveis à fabricação de princípios ativos farmoquímicos ou agroquímicos (produtos técnicos) não contam com disponibilidade garantida no Brasil e seu suprimento pode oscilar, ou até ser interrompido, por interesses comerciais ou políticos que escapam inteiramente ao controle da indústria, e mesmo do governo brasileiro.
Esse cenário de insegurança pode ser alterado se a Petrobras decidir incluir no projeto do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) um pólo de intermediários químicos. Vivaldo Barbosa, Assessor Especial da Presidência da Petrobras, confirma que a empresa está sensível a este quadro e “também com evidente interesse empresarial está cuidando de estabelecer uma cadeia industrial de produção de intermediários de síntese para agroquímicos e farmoquímicos a partir de produtos petroquímicos básicos – benzeno, tolueno e xilenos. A concepção desse projeto envolve os elos de reações até as matérias-primas para fármacos e agroquímicos. Poderá ocorrer que se considere aconselhável produzir determinado produto técnico dentro do próprio complexo, mas o que se espera é que sejam agregadas ao complexo diversas indústrias a serem abastecidas pelos intermediários”.
Uma das consequências da produção de intermediários de síntese no País, segundo Barbosa, será a expansão das indústrias existentes, agregação de outras e ampliação de uma gama de novos produtos e novos produtores. “Outra consequência esperada é uma contribuição para se compatibilizar o preço de medicamentos essenciais às condições do povo brasileiro e das políticas nacionais de saúde pública, bem como evitar que os preços de defensivos agrícolas e fertilizantes estrangulem a agricultura brasileira”.
A Petrobras tem uma história rica em experiências bem sucedidas de verticalização de segmentos estratégicos de sua própria cadeia produtiva, e um exemplo está na sua atuação na área da química fina. Através de participação acionária na Fábrica Carioca de Catalisadores (FCC), empresa fundada em 1985, tendo por sócios Petroquisa, Akzo Nobel e Oxiteno, localizada no Distrito Industrial de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, surgiu a única fábrica de catalisadores para craqueamento catalítico de petróleo na América do Sul. Para tomar essa iniciativa, a Petrobras foi motivada pela necessidade de ter catalisadores específicos para otimizar o craqueamento de cargas pesadas encontradas nos petróleos nacionais, em especial na Bacia de Campos. A Akzo Nobel, indústria química multinacional, vislumbrou na associação com um refinador a possibilidade de ter acesso irrestrito aos dados de desempenho dos catalisadores em unidades comerciais, fator de alavancagem no desenvolvimento tecnológico deste produto. E a Oxiteno Nordeste S.A. Indústria e Comércio entrou no negócio pela sua vocação em atuar no mercado de produtos químicos de alta tecnologia.
Outra dimensão estratégica da economia na qual a química fina tem um papel a cumprir diz respeito ao futuro das cadeias de produção de energia. “A crescente demanda por energia, associada ao crescimento populacional, econômico e à busca de um melhor padrão de vida pelos países em desenvolvimento, assim como a preocupação crescente com os possíveis efeitos nocivos do aquecimento global provenientes do consumo sem precedentes de combustíveis fósseis, têm aumentado nos últimos anos a demanda por fontes alternativas de energia”, afirma o pesquisador Edson Del Bosco, do INPE.
Nesse cenário desponta, entre outras, a energia nuclear, cujas tecnologias se dividem basicamente em dois grupos: fissão a partir do urânio, que já é uma realidade no mundo, e fusão a partir do deutério e – indiretamente – do lítio, ainda em fase experimental. Todas essas fontes, abundantes no planeta, dependem de produtos e processos químicos para serem efetivamente aproveitadas.
O Brasil é hoje um player mundial no cenário da fissão nuclear, a começar pela magnitude de suas reservas de urânio, mas também pelo estágio de sua tecnologia. Segundo Leonam Guimarães, chefe do gabinete da presidência da Eletronuclear, somente um terço do território brasileiro está prospectado para urânio e já temos a sexta maior reserva mundial. “Com base na análise de mapas geológicos, hoje se acredita que o Brasil tenha a primeira ou segunda maior reserva de urânio do mundo. Essa reserva representa algo em torno de 50% da melhor estimativa que se tem feito sobre o pré-sal. Então, sem dúvida, cabe uma discussão importante no País sobre a exploração sustentável desse recurso mineral”.
Embora mais avançadas em termos de aplicação industrial, as tecnologias de fissão nuclear suscitam questões políticas e ambientais sérias, relacionadas com o destino dos rejeitos radioativos, com a segurança na operação das usinas e com a proliferação de material nuclear de uso bélico, lembra Del Bosco. Nesses aspectos, quando se converter em tecnologia utilizável comercialmente a fusão nuclear terá grandes vantagens: reservas praticamente ilimitadas de combustíveis (deutério e lítio), baixo impacto ambiental, segurança do processo e não geração de materiais radioativos de aplicação bélica, entre outras.
Independentemente do ritmo das pesquisas experimentais na área da fusão nuclear, o lítio é uma matéria-prima de grande significado para importantes segmentos da indústria. O lítio, por exemplo, como se encontra muito diluído na natureza, precisa ser enriquecido por meio de rotas químicas que resultam no Li6, e só depois disso entra na cadeia de produção da energia nuclear. Segundo Paulo Renesto, diretor da Cia. Brasileira de Lítio (CBL), “no futuro o lítio terá um papel equivalente ao que o petróleo desempenha na atualidade”. Registrou Paulo Renesto que a CBL desde o início da década de 1990 vem-se dedicando à prospecção e lavra do minério espodumênio, a partir do qual produz lítio e derivados, atendendo integralmente a demanda nacional dos compostos hidróxido e carbonato de lítio para as empresas nacionais que se disponham a fabricar outros derivados químicos do lítio, ou formulações feitas a partir deles, como o cloreto, sulfato e borato de lítio. Atualmente desenvolve compostos com grau eletroquímico para atender a crescente demanda para baterias de íon lítio, que estão viabilizando a produção dos carros elétricos que irão contribuir significativamente para a redução da poluição ambiental. A existência desse mercado privado de derivados químicos do lítio no Brasil, assim como nos Estados Unidos, permitiu o surgimento de indústrias atuantes nessa estratégica área que poderão ser mobilizadas pelo país no futuro, visando o suprimento de Li6 para reatores nucleares pelo processo de fusão do átomo, produzindo-se assim a energia totalmente limpa – ou seja, sem resíduos.
Como se vê, o Brasil é um país privilegiado em vários sentidos. Resta-nos saber converter as dádivas da natureza e o conhecimento acumulado em benefícios concretos para o nosso povo.