REVISTA FACTO
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Mar-Abr 2010 • ANO IV • ISSN 2623-1177
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Os desafios da química fina para o biênio 2010-2012

Nos últimos dois anos a indústria de química fina pôde comemorar algumas conquistas, especialmente no segmento fármaco-farmacêutico, onde finalmente o produto fabricado no Brasil voltou a contar com algum tipo de preferência nas compras governamentais. Mas ainda há muito por fazer. Aproveitando o momento de otimismo, a ABIFINA colocou à frente de seu Conselho Administrativo um representante da indústria farmoquímica – o empresário Jean Daniel Peter – que ao longo do biênio ora iniciado terá entre seus desafios enfrentar as barreiras políticas que ainda comprometem a competitividade da química fina nacional. Nesta reportagem, empresários e executivos do setor comentam o cenário atual, os problemas pendentes em licitações públicas, incentivo à inovação, registro sanitário, proteção a patentes e política macroeconômica e apresentam suas expectativas para a ação da ABIFINA no futuro próximo.

Compras governamentais: a luta pela isonomia

O uso do poder de compra do Estado em favor do produto fabricado no País é uma das principais bandeiras da Abifina. Não só porque todos os países desenvolvidos lançam mão desse instrumento como forma de apoiar suas indústrias, mas também porque o modelo vigente no Brasil para licitações públicas faz exatamente o contrário: estimula as importações, ao desconsiderar diferenças de tratamento tributário que oneram o produto nacional, bem como diferenças de qualidade entre os produtos oferecidos.

Nicolau Lages, diretor da Nortec Química, lembra que o poder de compra do Estado é um mecanismo de política pública para garantir o desenvolvimento tecnológico e industrial do País e na exata dimensão utilizada por nações de primeiro mundo e emergentes. Jaime Rabi, diretor da Microbiológica, acrescenta que, ao exercer seu arbitramento indutor, o Estado facilita o robustecimento de uma indústria de natureza estratégica com alto conteúdo tecnológico e dependente, portanto, de recursos humanos de alto nível. “Deste ponto de vista o Estado acaba estimulando a formação de mestres e doutores essenciais para a inovação na indústria. Penso que a empresa favorecida deve oferecer ao Estado uma contrapartida relevante. Além de estar em dia com suas obrigações sociais, ela deve buscar a sua emancipação, tornando-se mais forte tecnologicamente, que é a única forma de alcançar algum nível de competitividade internacional”.

Segundo Antonio Werneck, presidente do Instituto Vital Brazil (IVB), o debate em torno do poder de compra do Estado tem demonstrado que “uma melhor organização da demanda pública pode direcionar e dar estabilidade ao setor industrial para desenvolver insumos e implementar estruturas para prestar serviços, além de concretizar parcerias público-privadas para elevar o grau de independência tecnológica e de conhecimento do País”. Werneck destaca que o Estado dispõe de arcabouço jurídico e instrumentos para criar um ambiente propício à aplicação dos recursos públicos com transparência, além de estimular a elaboração de projetos consistentes.

Em que pesem as boas intenções de alguns órgãos e administradores públicos, o menor preço continua sendo, lamentavelmente, o critério que prevalece nas compras governamentais de produtos farmoquímicos. Segundo Nicolau Lages, esse problema tem sido atribuído exclusivamente à aplicação da Lei 8666 de 1993, que não estabelece os parâmetros necessários para o comprador público realizar uma isonomia tributária e regulatória entre o produto importado e o fabricado no Brasil, mas na verdade ele vai além. “Nas licitações, quase todos os laboratórios oficiais aplicam a Lei 10.520, de 2002, que define claramente tratar-se de um procedimento para compra pelo menor preço, sem levar em conta a qualidade do produto. Essa lei foi criada para agilizar as compras de materiais de escritório, sem qualquer valor agregado, das instituições públicas, não sendo, portanto, apropriada para compras de princípios ativos farmacêuticos e nem de medicamentos. Uma boa prova disso é que ela inverte as etapas (atos administrativos) de um processo licitatório, colocando a etapa de classificação antes da etapa de qualificação. Ou seja, primeiro define o vencedor, depois vai avaliar a qualidade do seu produto. É claro que isto dá margem, inclusive, a atos ilícitos”.

Jaime Rabi prefere comentar essa distorção na política pública de saúde lembrando um exemplo concreto. “Tenho certeza de que, se o poder de compra do Estado tivesse sido exercido de forma constante e correta por um Estado exigente e comprometido com a qualidade e com a tecnologia nacional, o programa nacional de AIDS teria sido um veículo extraordinário para a alavancagem em nível internacional de empresas como a Microbiológica, que, tendo desenvolvido suas próprias tecnologias para vários antirretrovirais, teve que suspender essa produção diante da impossibilidade de competir com empresas desqualificadas aceitas de braços abertos por dirigentes imediatistas, cujo único objetivo era o menor preço”. Rabi esclarece que esta prática foi facilitada pela grande flexibilidade das especificações sugeridas pelos laboratórios farmacêuticos estatais, que fizeram com que produtos fora dos padrões farmacopéicos fossem comprados com recursos públicos. “Sabemos também que esta aberração foi seguida por outra na tentativa de ‘salvar’ produtos condenados” – acrescenta Rabi. “Tentou-se, e talvez ainda se continue tentando, ‘purificar’ os produtos desqualificados comprados pelo menor preço, como se esta maquiagem tornasse aceitável o produto rejeitado. Enfim, esta prática explica, entre outras razões, porque até agora, depois de tantos anos, o país ainda não tem antirretrovirais genéricos de qualidade. Evidentemente, as empresas que se prestaram a esse tipo de resgate de produtos rejeitados contribuíram e continuam contribuindo para acobertar práticas inaceitáveis na fabricação de IFAs (insumos farmacêuticos ativos) para uso humano”.

Na opinião de Antonio Werneck, ao usar somente o critério financeiro pode-se realmente trazer prejuízos à qualidade dos insumos e, em consequência, danos ao produto final. Ele está convencido de que a chamada política do menor preço, que é um ditame da lei de licitações, “deve ser sempre integrada à necessidade técnica”. O problema é que a falta de isonomia nas licitações públicas vai minando as forças da indústria nacional. O presidente do IVB admite a gravidade dessa distorção, “que afeta indiscutivelmente vários setores de nossa economia, especialmente se considerarmos a escala de produção de alguns produtos”. E observa que o grande prejuízo é não se estabelecerem relações comerciais duradouras que qualifiquem os insumos a serem utilizados nos produtos. A perda de qualidade e a insegurança das relações comerciais são, afinal, efeitos inevitáveis quando se lida com fornecedores não qualificados.

Para o diretor da Nortec, Nicolau Lages, o alijamento da indústria local tem consequências mais graves, como por exemplo a estagnação tecnológica do País neste segmento. “De um lado temos a perda de competitividade das empresas nacionais, porque o processo compara produtos importados da China e/ou da Índia, fabricados sem a menor qualidade sanitária, com produtos que são fabricados no País atendendo a todas as exigências sanitárias da Avisa, além das exigências ambientais dos órgãos controladores do meio ambiente. De outro lado, temos o risco sanitário com o qual a população brasileira tem convivido pelo consumo de substâncias fabricadas sem o menor controle de boas práticas de fabricação”, esclarece Lages.

Registro sanitário: progressos e deficiências

Parece ser consenso na indústria de química fina a idéia de que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vem atuando de forma mais positiva nos últimos anos. Mas ainda há muito o que melhorar. Para Nicolau Lages, um estímulo mais claro ao desenvolvimento tecnológico e uma maior integração do segmento de fármacos e medicamentos poderiam ser contribuições da Anvisa para dar sustentabilidade ao setor. Alcebiades Athayde, presidente da Libbs, acrescenta que, embora a agência tenha muita competência para avançarmos é necessário uma maior agilidade. Não quero dizer que não haja necessidade de rigor técnico, mas acho que a Anvisa deveria ter um ritmo em consonância com o momento de desenvolvimento do setor farmacêutico brasileiro”.

Dante Alario Junior, presidente da Biolab Sanus, também reconhece que a agência deu um salto qualitativo nos últimos anos e afirma que “o setor se enquadrou nessa nova normativa e a qualidade cresceu”. Por outro lado, ele tem a mesma percepção de Athayde sobre a demora no andamento dos processos e atribui esse fato a uma falta de organicidade na estrutura da Anvisa. “Aquilo que muitas vezes discutimos ao nível de diretoria da agência e que, de alguma forma, produz concordância, infelizmente não encontra eco nos escalões inferiores. Isto faz com que a Anvisa se torne lenta nas decisões, o que é muito ruim para os setores farmacêutico e agroquímico, pois já se gasta um tempo enorme para desenvolver os produtos. Depois, temos que ficar aguardando por vários meses, ou até mesmo anos, para recebermos o registro e somente então colocarmos o produto no mercado. É isso que tem que ser melhorado, e urgentemente”.

Na opinião de Odilon Costa, diretor da Cristália, as dificuldades de relacionamento da indústria com a Anvisa podem desaparecer na medida em que a agência ajuste suas práticas à política industrial definida pelo governo. “Existe uma distância entre a atuação e a regulação. Esta é muito bem estruturada em relação a outros países, mas precisa haver um cuidado especial com a política industrial. A EMEA (European Medicines Agency) e a FDA (Food and Drug Administration), por exemplo, desenvolvem o sistema regulatório a partir de uma política industrial e de acordo com os interesses estratégicos dos respectivos países”.

Para Luis Henrique Rahmeier, diretor da Nufarm, a melhoria do diálogo entre os órgãos reguladores e as empresas reguladas é o que falta para aperfeiçoar o sistema de registro. No caso dos agroquímicos a questão é mais complexa, porque o registro é tripartite, compartilhado pela Anvisa, o Ibama e o Ministério da Agricultura. “Temos exemplos de interpretações diferentes desses órgãos sobre o mesmo assunto, o que retarda o andamento dos processos”.

Inovação tecnológica: um desafio constante

Como suportar os custos e os riscos envolvidos no processo de inovação tecnológica é um assunto sobre o qual o setor de química fina não tem consenso formado. Para Jaime Rabi, a atual política de incentivos fiscais e subvenção econômica à inovação “pode estar excluindo muitas pequenas empresas de grande conteúdo tecnológico, que deveriam ser estimuladas com incentivos fiscais adequados”. De forma geral, embora ele acredite que a forma como a subvenção vem sendo aplicada atende em parte às necessidades da indústria, sua aposta é a de que o sistema de encomendas tecnológicas funcionaria melhor. “Considero o exercício do poder de compra do Estado a melhor forma de subvenção econômica. O foco neste caso é no produto, e não num projeto. A produção é uma atividade estruturante que pode, quando adequadamente orientada e desenvolvida, constituir-se em fonte de inovação”.

Odilon Costa relativiza a idéia de que as pequenas empresas estão sendo excluídas do sistema de apoio à inovação. “Essa exclusão, em tese, não é definitiva. Depende de como a empresa se qualifica e como ela negocia dentro do sistema”. O diretor da Cristália reconhece que no modelo atual as grandes empresas têm maior retorno, no que tange à utilização dos mecanismos de incentivo à inovação, e sugere que seja feita uma reclassificação para resolver isso. Quanto à baixa expressividade dos indicadores de P&D e inovação, ele entende que a única maneira de o País reverter esse quadro é instaurar um processo em nível nacional de formação de uma cultura da inovação, inclusive entre o empresariado.

No segmento dos insumos da química fina para a indústria do petróleo, as pressões para inovação tecnológica são crescentes, segundo Rodrigo Pinto, diretor da FCC. A forte participação da Petrobras em todos os segmentos da cadeia petroquímica é um extraordinário incentivo, mas ainda assim os desafios tecnológicos gerados pelos novos processos e demandas da área de refino exigem esforço e investimentos em P&D numa dimensão que poucas empresas no mundo têm condições de suportar, afirma Pinto. A FCC pretende se tornar um grande player no promissor segmento dos catalisadores para hidrotratamento de combustíveis, que está ligado à necessidade das refinarias de produzirem combustíveis cada vez mais limpos. Para galgar posições nesse mercado, os investimentos não são pequenos e o custo do financiamento no Brasil é alto. “Mas essas dificuldades devem ser vistas por nós como mais uma motivação para continuar a eterna luta para manter nosso país na vanguarda tecnológica da química fina em geral e da catálise em particular”.

Investir nos elos estratégicos da cadeia produtiva também é uma preocupação constante do segmento fármaco-farmacêutico, e que afeta diretamente o seu ímpeto inovador. Para Alcebíades Athayde, “a verticalização da cadeia de medicamentos é fundamental para o desenvolvimento da base farmacêutica brasileira, uma vez que a tecnologia e o conhecimento envolvidos na produção de fármacos podem ser diretamente aplicados no desenvolvimento de novos produtos, além de proporcionar ao Brasil maior independência de ação em momentos de crise”. Em sua opinião, “um país que não detém tecnologia de síntese de farmoquímicos fica refém da produção internacional, o que pode significar altos preços, baixa qualidade e outras limitações”.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social é hoje, indiscutivelmente, o grande agente financeiro comprometido com a política industrial e de desenvolvimento tecnológico. Mas o setor de química fina ainda se ressente da falta de uma atenção mais específica, que permita recuperar o terreno perdido na década de 1990 a partir do sucateamento da produção doméstica provocado pela indiscriminada abertura do mercado brasileiro às importações.

Hayne Felipe, diretor de Farmanguinhos, acredita que, se as linhas de financiamento do BNDES fossem compatíveis com a condição financeira da indústria farmoquímica brasileira, “este seria o caminho ideal para reconstituir o parque nacional, principalmente na produção de insumos relacionados a doenças de maior prevalência na nossa população”. Mario França, consultor da ABL, vai mais longe e comenta que a atuação do banco é muito comercial e pouco desenvolvimentista. “O BNDES é uma instituição que hoje compete com Itaú, Bradesco etc, quando na verdade deveria ter uma visão mais promotora do desenvolvimento. Em vez de agir como um banco de fomento, ele cria dificuldades em função da rigidez de suas normas e do modo como trata as negociações com empresas privadas”.

Nessa mesma linha de argumentação, Rodrigo Pinto acrescenta que a classificação do porte das empresas adotada pelo BNDES gera dificuldades adicionais. “Por exemplo, ele considera grande empresa aquela com faturamento anual acima de 60 milhões de reais, nível que hoje em dia é alcançado facilmente por uma cadeia de lanchonetes. Isto significa que uma empresa que fatura 100 milhões por ano é tratada do mesmo jeito que a Volkswagen, por exemplo, que fatura bilhões por ano”.

Ulrich Meier, diretor-presidente da Servatis, reforça esse tópico e pleiteia que o BNDES melhore sua agilidade na concessão de financiamentos para pequenas e médias empresas, não só revendo seus critérios de classificação do porte das empresas como também organizando núcleos dentro da área industrial para atendimento específico a pequenas e médias empresas; estabelecendo um procedimento simples baseado em cronograma para a análise dos pedidos de financiamento, e adaptando a documentação de requerimento de forma a tornar o processo mais acessível às pequenas e médias empresas.

Especificamente no que concerne ao Programa Profarma, Josimar Henrique, diretor-presidente do Hebron, entende que o BNDES precisa ainda atentar para alguns aspectos relevantes que têm passado despercebidos. Um deles é que “a pesquisa ou inovação tecnológica necessariamente não se dá no âmbito da academia, mas sim da indústria. É a indústria e não a academia que consegue enxergar a necessidade e a dinâmica do mercado”. Outro aspecto é o fato de que tanto a inovação quanto a pesquisa podem ser desenvolvidas por pequenas e médias empresas, ou mesmo por pesquisadores isoladamente, e não necessariamente dentro de mega-corporações”.

O BNDES não conseguiu, segundo o presidente do Hebron, enxergar pequenas e médias empresas que têm poder de alavancagem tecnológica. “O fato de estar ‘fissurado’ apenas na criação da ‘Big Farma’ o impede de entender que este caminho não atende aos anseios de um país com 200 milhões de habitantes que nunca desenvolveu um antibiótico, um hormônio ou coisa parecida”.

Patentes industriais: como calibraro sistema

Patente, sim; abuso, não. Assim se resume a opinião, unânime entre as empresas nacionais de química fina, sobre como o Brasil deve tratar a proteção aos direitos de propriedade industrial. Rahmeier comenta porque a patente é um instrumento a ser preservado, porém com limites. “Ela é um prêmio para aquele que investe, que arrisca na tecnologia e merece um retorno por isso. Mas realmente o abuso, a extensão dos prazos ou a concessão de patentes que realmente são inócuas do ponto de vista da evolução tecnológica, isto deve ser evitado ao máximo porque, em lugar de promover a evolução e a competição, só desestimula quem quer inovar em benefício do consumidor e da sociedade em geral. Este é um grande problema não só no Brasil, mas no mundo todo: patentes que apenas são figuras de linguagem e novos remendos de algo já existente, que atravancam a competição”.

Ciro Mortella, diretor de Propriedade Intelectual da ABIFINA, também reitera que o sistema de patentes é fundamental para garantir o retorno dos investimentos aplicados na inovação, funcionando, além disso, como um mecanismo de incentivo à transformação do conhecimento em tecnologia nas empresas. Ele entende, por outro lado, que é essencial o cuidado e a excelência técnica na aplicação das normas, e que é preciso garantir que os avanços científicos alcancem o domínio público, gerando mais inovação. “Os abusos do marco regulatório constituem por si só um impedimento à livre iniciativa e à concorrência. No caso específico das patentes de medicamentos, o uso indevido da proteção não é só uma barreira à entrada de novos concorrentes, mas acaba por onerar o sistema de saúde e prejudicar o acesso dos pacientes ao tratamento”. Mortella pondera que a aplicação adequada do marco regulatório em propriedade intelectual pressupõe celeridade e qualidade na concessão da patente, bem como atuação do poder judiciário na rejeição das ações temerárias.

“O sistema deve ser em primeiro lugar eficiente e cuidadoso na análise e na concessão das patentes” – acrescenta o diretor da Eurofarma. “Por outro lado, normas pouco claras abrem espaço para contestação, inclusive judicial, o que acaba se transformando numa fonte geradora de indefinição e de abusos. Portanto, o sistema deve garantir a eficiência, a transparência e a clareza das normas”. Cabe ao poder público, segundo Mortella, zelar pelo equilíbrio no uso dos direitos de propriedade industrial. “As empresas naturalmente vão fazer o possível para extrair de qualquer situação de mercado a otimização de seus resultados. A proteção do ambiente concorrencial passa por um marco de regulação econômica bem definido, e também pela eliminação de barreiras à entrada de novos participantes. Nesse sentido, considerando que na atualidade os mercados adquirem relevância global, é fundamental também que o País faça opções estratégicas orientadas à proteção da concorrência no mercado interno e à garantia dos interesses nacionais”.

Na opinião de Mortella, a atuação do INPI melhorou muito nos últimos anos. Entretanto, ainda há um longo caminho a percorrer para que as agências e institutos de regulação brasileiros atendam plenamente às necessidades, não só do setor produtivo como também do próprio interesse público. “É um processo de construção que passa pelo aparelhamento adequado, a discussão e a definição das normas, e também por diretrizes de política industrial e de saúde, atuais e avançadas”.

Política cambial: faca de dois gumes

A estabilidade macroeconômica alcançada pelo Brasil nos últimos quinze anos se fundamentou numa política de câmbio e juros que, sabidamente, corrói a competitividade do produto fabricado no Brasil. Esse efeito deletério é percebido com maior ou menor intensidade pelas empresas conforme o segmento da química fina em que elas se localizam. Dante Alario acha complicado analisar a taxa de câmbio, pois “quando ela varia para baixo é ótimo para o setor, mas quando varia para cima é uma loucura. Eu diria que até agora ela foi benéfica para o setor porque, nos últimos anos, variou para baixo, e isto fez com que os preços dos genéricos não subissem tanto”. Porém, ele reconhece que a instabilidade cambial é por si só um problema e lembra que “basta o euro se valorizar, ou o dólar, e imediatamente isto irá se refletir no setor farmacêutico”.

Hayne Felipe enxerga a política cambial como uma faca de dois gumes. “Por um lado ela atrapalha o processo de exportação, pois o mercado internacional é um mercado a se buscar; mas por outro lado cria dificuldades a partir de uma facilidade, no caso da taxa negativa para as exportações aqui. É uma área que sofre desequilíbrio, dependendo do momento e da economia global”. Rodrigo Pinto também relativiza os efeitos negativos da apreciação do real. “Sendo a nossa despesa em dólares e a nossa receita em reais, quando o dólar cai é muito bom para nós, porém para outras empresas creio que não tenha sido tão bom assim. Mas quando a taxa fica estável acredito que seja bom para todos, pois se tem tempo para planejar”.

Na opinião de Ulrich Meier a taxa cambial deve permanecer livre e sujeita apenas a intervenções estratégicas do Banco Central. “Em compensação, os custos do hedge devem ser bastante reduzidos e se for necessário subsidiados pelo governo”. Entre os empresários e executivos ouvidos, Mário França, como empresário atuante em segmento produtivo que compete diretamente com produtores chineses que sabidamente mantêm o yen desvalorizado em relação ao dólar, é veemente ao enfatizar o problema do desestímulo à produção local. “Para o nosso setor a atual taxa de câmbio é prejudicial. Quanto mais baixo o dólar, mais difícil segurar a competitividade”, afirma.

Por outro lado, na questão dos juros é unânime a opinião de que a indústria brasileira tem sido profundamente desfavorecida. Dante Alario comenta que juros de 1,5% ou 2% ao mês ainda são muito altos se comparados com os de fora. “Temos recebido ofertas no exterior para compra de equipamentos e os juros estipulados andam na casa de 2% a 3% ao ano. Portanto ainda estamos muito longe de um equilíbrio e com isso a nossa competitividade cai, pois a taxa de juros é um dos fatores que pesam na composição do custo do produto”.

Para Hayne Felipe, “é incômoda a posição que o Brasil ocupa, a de maior taxa de juros do mundo”. Embora, no seu entender, a política de juros deva estar a serviço do controle da inflação, ele pondera que hoje há “uma necessidade de acreditar que nossa economia já tem fundamentos sólidos e talvez o temor da inflação possa ser substituído por uma aposta no crescimento do País”.

Ulrich Meier considera que a taxa de juros para o setor produtivo continua alta demais e sugere, pragmaticamente, que o governo institua uma selic diferenciada para créditos produtivos. Mário França também idealiza uma taxa de juros mais favorável à produção local – mais compatível, por exemplo, com as da China e da Índia – lembrando que os níveis atuais no Brasil dificultam o investidor nacional no seu planejamento de investimentos. “A taxa de juros praticada no Brasil é ultrajante”, resume.

Abifina: unindo forças pela indústria nacional

A capacidade de unir segmentos heterogêneos em sua natureza, porém todos de alto valor agregado na indústria química dedicada à fabricação de intermediários químicos de uso (produtos de perfomance) e espacialidades da química fina, em torno de objetivos comuns e também de entrelaçar suas propostas em comum sobre questões mais relevantes do ponto de vista econômico e social, fazem da ABIFINA, na opinião dos entrevistados, uma das entidades mais respeitadas do País no setor químico. Richard Kessedjian, diretor da Alfa Rio Química, acredita que a ABIFINA se distingue, efetivamente, pela união de diferentes segmentos, “coisa que não acontece em outras associações, e essa união é fundamental”. “Existem várias empresas aqui dentro, nacionais ou não, mas todas elas produzem e investem aqui no País. Esse é o componente de grande convergência das empresas nesta entidade”, afirma Dante Alario.

Odilon Costa também observa que, enquanto outras entidades estão muito segmentadas e não têm uma representatividade nacional, “a ABIFINA é uma associação multissetorial focada na industrialização do País”. Para Rodrigo Pinto, a entidade está ganhando cada vez mais peso com o passar dos anos e isto se deve à sua enorme capacidade de agregar, de reunir todos em torno de objetivos comuns”.

Alcebíades Athayde destaca a importância da ABIFINA na aproximação entre as empresas e o governo. Hayne Felipe reforça esse ponto de vista e aponta a ABIFINA como “a peça fundamental para a busca de um caminho favorável ao fortalecimento do setor farmoquímico nacional. Ela hoje tem toda a representatividade e legitimidade para lutar pelos nossos interesses”. Mário França atribui o prestígio da ABIFINA ao fato de ser uma das poucas entidades que têm trabalhado firme nas questões relacionadas ao desenvolvimento do País, e destaca como um elemento-chave desse trabalho a valorização do conceito de Poder de Compra do Estado. Kessedjian também privilegia esse aspecto da atuação da ABIFINA e sublinha que “o certo é comprar no Brasil”.

Na opinião de Ciro Mortella, a importância crescente adquirida pela ABIFINA é resultado de “suas posições coerentes e firmes, que vêm ao longo dos anos se constituindo numa referência para o setor produtivo nacional. É a entidade que apresenta o conteúdo programático mais consistente e definido. E o tem defendido com clareza e competência ímpares”. Josimar Henrique sintetiza: “A ABIFINA é hoje a mais respeitada associação nacional da classe farmacêutica e química, por isso tem interlocução direta com os poderes constituídos”. Luis Henrique Rahmeier acrescenta que a atuação da ABIFINA na questão das patentes é essencial. “Sua participação no último seminário promovido pela Anvisa sobre dados proprietários no setor de agroquímicos, mostrou realmente o conhecimento de causa da entidade e o seu compromisso com uma defesa não só do segmento, mas da sociedade”.

Para Ciro Mortella, o grande desafio à frente está no campo parlamentar e na regulação sanitária. “Em 2010, particularmente, vamos ter muito trabalho e debates importantes. Creio que a ABIFINA está à altura da pauta que se apresenta ao setor”. Josimar Henrique também aposta numa atuação consistente e próativa junto ao Congresso Nacional, “no sentido de mostrar aos senhores parlamentares a importância estratégica desses setores para o país”. E Nicolau Lages lembra que, por ser este um ano de eleições, a ABIFINA deve trabalhar também na sensibilização dos candidatos para a necessidade de uma política industrial que mereça este nome. No mais, deve manter sua tradicional linha de atuação, “porque tem dado certo e ainda há muito o que fazer”

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