“O INPI tem claramente adotado posições e medidas para implementar no Brasil a agenda de interesses da grande indústria farmacêutica internacional”. Esta é a opinião do deputado Dr. Rosinha, que defende na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara o veto às patentes de uso. Na entrevista a seguir, concedida com exclusividade à revista Acesso Brasil, ele explica que não há necessidade de mudar a legislação para sustentar esse veto.
Em audiência pública na Comissão de Seguridade Social e Família, o posicionamento do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) sobre o tema Patentes de segundo uso despertou críticas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em entrevista exclusiva à ACESSO Brasil, o deputado Dr. Rosinha, um dos presentes na audiência pública da comissão, analisou o posicionamento do INPI ao não acatar a determinação do Gipi. Ele também ressalta que não há lacunas na atual legislação, que menciona de forma implícita o patenteamento de segundo uso de medicamentos. Para o deputado, a patente de segundo uso encarece os preços dos medicamentos, provoca perdas ao Tesouro da União e gera encargos à saúde pública.
Por que o posicionamento do INPI em relação a patentes de segundo uso tem despertado tanta polêmica de outros órgãos governamentais e de parlamentares?
O comportamento do INPI tem causado estranheza a todos os setores da sociedade preocupados com o interesse público, sobretudo, mas não exclusivamente, na área da saúde. O INPI tem claramente adotado posições e medidas para implementar no Brasil a agenda de interesses da grande indústria farmacêutica internacional, como no caso das patentes de segundo uso. As motivações do INPI e de seus dirigentes, principalmente de seu presidente, deveriam ser investigadas em profundidade. As patentes de segundo uso nada mais são do que um estratagema jurídico para prolongar indevidamente o monopólio temporário de vinte anos conferido pelas patentes, em detrimento da produção de medicamentos genéricos e em claro prejuízo para a saúde da população. A polêmica com outros órgãos do governo está no fato de que o INPI nada fez para implementar uma decisão de dezembro de 2008 do Gipi, integrado por mais de dez Ministérios, no sentido da não concessão de patentes de segundo uso e outras patentes para passos tecnológicos triviais, como as moléculas polimórficas. Já se passou praticamente um ano e o INPI continua desconhecendo a decisão do governo. Trata-se de uma autarquia que não respeita a autoridade sequer do próprio ministro ao qual está vinculada, visto que o Gipi é presidido pelo ministro Miguel Jorge. Tampouco respeita a Casa Civil, que também integra o grupo interministerial. O Congresso Nacional não pode ficar indiferente a essa situação.
De acordo com a Lei de Patentes (9.279/96), há uma lacuna na legislação que não proíbe expressamente a patente de segundo uso. Como o Sr. avalia essa questão?
Não há qualquer lacuna a esse respeito na atual legislação. Em primeiro lugar, a Lei de Patentes só prevê patentes para “produtos” e para “processos”, e não para “usos”. Em segundo lugar, a lei estabelece que o objeto da patente deve obedecer a três critérios: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. O segundo uso não cumpre com os requisitos de novidade nem de inventividade.
É de responsabilidade do Congresso Nacional modificar a lei para coibir a patente de segundo uso? De que forma outros órgãos governamentais podem se posicionar acerca do assunto?
Não vejo necessidade de se modificar a Lei de Patentes a esse respeito, pois a atual legislação já estabelece, como visto anteriormente, que só podem ser patenteados os produtos ou processos que sejam novos e inventivos. O segundo uso não é produto, não é processo, não é novo, nem é inventivo. Basta o INPI aplicar corretamente a lei e cumprir a decisão governamental mediante ato administrativo interno, como, por exemplo, com a adoção de diretrizes para os examinadores de patentes, para que sejam negadas as patentes de segundo uso. Por outro lado, não consta que o Congresso Nacional venha a aprovar emendas à Lei de Patentes que teriam por objetivo simplesmente esclarecer essa situação. Mas, insisto que a correta aplicação da atual legislação deve conduzir necessariamente à negação de patentes para segundo uso e para outros passos tecnológicos triviais.
Que interesses públicos e privados estão em jogo na questão das patentes de segundo uso?
Na área de propriedade industrial há historicamente um claro conflito entre o interesse público e o interesse privado. No sistema de patentes, esse conflito foi solucionado da seguinte forma: o inventor revela integralmente o conhecimento relacionado à sua invenção e o Estado lhe confere, em compensação, um monopólio temporário de mercado. A patente de segundo uso é apenas um dos diversos estratagemas jurídicos utilizados pelo setor privado no sentido de estender indevidamente o prazo de monopólio de mercado, desequilibrando o pacto entre o Estado e a iniciativa privada, em benefício somente desta.
Quais as possíveis consequências para a saúde pública da concessão de patentes de segundo uso?
Ao estender indevidamente o monopólio de uma patente anterior, a patente de segundo uso impede a produção de medicamentos genéricos, que por lei devem ser 30% mais baratos. Isso traz enormes prejuízos para a população e para os órgãos públicos federais, estaduais e municipais responsáveis pela distribuição gratuita desses remédios. Além disso, há prejuízo para as demais empresas que aguardavam o fim da vigência da patente para entrar no mercado de genéricos daquele medicamento. Isso tudo ocorre em detrimento da saúde pública e das leis de concorrência. Talvez, o melhor caminho para acabar com o abuso na concessão de patentes seja passar a responsabilizar os dirigentes e funcionários do INPI, com seu patrimônio pessoal, pelos enormes prejuízos econômicos causados ao país. Quanto aos prejuízos à saúde pública, esses são incomensuráveis e irreparáveis.