REVISTA FACTO
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Nov-Dez 2009 • ANO IV • ISSN 2623-1177
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A dimensão social exige respeito
//Entrevista Rita Camata

A dimensão social exige respeito

Como relatora do PL 2.511/07 na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, a deputada Rita Camata propõe o veto à concessão de patentes para segundo uso médico e para novas formas polimórficas pela legislação brasileira. Na entrevista a seguir ela explica porque essas patentes são prejudiciais ao Brasil.

Como a Sra. avalia o envolvimento atual do Congresso Nacional nas questões relativas à propriedade intelectual e suas relações com as necessidades do atendimento à saúde?

O Congresso Nacional sempre teve uma atuação destacada nesta área. Todos os comandos constitucionais que garantiram ao inventor o direito a privilégio de exploração de seu invento existem desde a Constituição de 1824, só estando ausentes na de 1937. Esta estabeleceu sobre a matéria, apenas, a competência da União para legislar sobre privilégios de invento e proteção de modelos e de marcas e outras designações de mercadorias. Em abril de 1991, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional projeto de lei com vistas a regular os direitos e obrigações da propriedade industrial. A proposta tramitou durante cinco anos no Legislativo e foram introduzidas numerosas modificações no texto original, apresentadas nas reuniões, encontros, sessões ocorridas no âmbito da Comissão Especial criada para examinar a matéria. Hoje, ao mesmo tempo em que vemos matérias que representam um avanço na atual legislação, como a proibição de concessão de patentes para segundo uso de medicamentos, temos projetos que pretendem acabar com a anuência da Anvisa no caso de patentes de medicamentos, o que entendo como um retrocesso. O Congresso, portanto, tem dado destaque para o tema e promovido importantes debates nesse sentido.

A produção de medicamentos genéricos no País reduziu substancialmente os preços para o consumidor, colocando produtos essenciais ao alcance de uma larga faixa populacional. O aumento da produção de genéricos no País deveria continuar a ser estimulado?

O programa de medicamentos genéricos, criado no Brasil em 1999, com a promulgação da Lei 9.787, foi um dos grandes avanços promovidos pelo então ministro da Saúde, José Serra, que entendeu que uma política voltada para ampliar o acesso a um produto diretamente relacionado à vida das pessoas devia ser prioridade. Em dez anos da Lei, são inegáveis os avanços, tanto na ampliação do acesso da população a medicamentos com preços reduzidos quanto no aumento do número de registros de genéricos no mercado, que já soma 2.600 produtos. Esse número, porém, representa apenas 17% do mercado, atendendo a 40% da população, patamar que merece ser ampliado. Para tanto acredito que o governo deve, sim, estimular a produção de genéricos no País. O Brasil precisa adotar mecanismos claros para evitar a perpetuação de monopólios mediante a proteção das patentes. A intenção dos produtores será a de manter tais monopólios indefinidamente, se puderem, para facilitar sua exploração econômica exclusiva e impedirem que terceiros venham a produzir e comercializar genéricos ou similares, por exemplo. A prática tem mostrado que o melhor para a saúde coletiva e individual e para o sistema público de saúde é a ampliação da assistência farmacêutica e a melhoria no acesso aos medicamentos, obtidos com a introdução de genéricos e similares no mercado.

Em dezembro de 2008 o Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual- GIPI – recomendou a não concessão de patentes para segundo uso médico e para novas formas polimórficas de substâncias conhecidas, por não atenderem a critérios rígidos de novidade e atividade inventiva. Estes tipos de patente vêm sendo usados para retardar a entrada de medicamentos genéricos no mercado. Entretanto, o INPI parece inclinado a não atender a tal recomendação. Como a Sra. encara o posicionamento do INPI?

Considero natural que o INPI tenha posicionamento próprio, o que não significa que compartilhe da mesma opinião. Fui relatora do PL 2511/07 na Comissão de Seguridade Social e Família e aprovamos meu parecer vedando a concessão de patentes para segundo uso médico e para novas formas polimórficas. À época realizamos reunião de audiência pública e ouvimos a Anvisa, o INPI e o GIPI. Já ficava clara a divergência de opiniões. A Anvisa e o GIPI defendiam a matéria por entender que tal concessão seria um prejuízo para a política de saúde pública. Já o INPI fundamentava sua posição destacando que a patente de segundo uso poderia ser um caminho importante para incentivar a inovação em nosso país. Não desconsidero este argumento, mas no caso brasileiro a ausência de patente é que tem sido o principal motor do desenvolvimento setorial farmacêutico. As indústrias nacionais se ocupam, principalmente, em produzir substitutos para os produtos de marca. Dessa forma, o interesse social e o desenvolvimento nacional no campo tecnológico e econômico – fatores que devem ser mirados pela proteção ao direito autoral – têm sido promovidos exatamente após a expiração das patentes, ao menos no setor farmacêutico. Estou certa, portanto, de que ao ser impedida a concessão de patente para um produto com formas cristalinas diferentes ou para novas indicações terapêuticas de remédios existentes no mercado, o interesse social, a saúde pública e o direito à saúde serão beneficiados.

Tramitam atualmente na Câmara os projetos nº 3995 e 2511, ambos visando proibir o patenteamento de segundo uso médico de substâncias já conhecidas. Qual a sua expectativa sobre a aprovação destes projetos?

Fui relatora das matérias na Comissão de Seguridade Social e Família e meu parecer pela aprovação foi acolhido na forma de um texto substitutivo. Minha avaliação está expressa em meu voto. A manutenção de monopólios restringe de modo negativo a ampliação da assistência farmacêutica e o acesso aos medicamentos. Isto não é bom para a saúde pública. Há prejuízos, ainda, para a proteção do direito à saúde, tanto individual quanto coletivo. Seria incoerente buscar nesse momento, a partir da concessão de patentes para novos usos e substâncias polimórficas, privilegiar ainda mais os detentores dessa proteção estatal, com prolongamentos inadequados do prazo da patente, em detrimento do interesse social e do desenvolvimento nacional. No meu entender a descoberta de novos usos terapêuticos e a ocorrência de polimorfismo não devem, portanto, constituir razões para a concessão da patente. Considero que a aprovação dos projetos representou, portanto, um avanço. Espero que a matéria receba das outras comissões a mesma atenção para que, rapidamente, seja convertida em lei.

Rita Camata
Rita Camata
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