REVISTA FACTO
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Nov-Dez 2009 • ANO IV • ISSN 2623-1177
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Do impulso à inovação
//Editorial

Do impulso à inovação

Inovação está definitivamente na moda, e não é só no Brasil. O Congresso dos EUA, em sua 110a sessão, estabeleceu uma “agenda para a inovação” como única alternativa para a manutenção de sua liderança tecnológica e econômica no mundo. Curiosamente, quase ao mesmo tempo, foram encomendados estudos a várias agências e entidades para melhor conhecer o fenômeno da inovação e suas motivações, o que parece indicar que lá como aqui, inovação é mais badalada do que suficientemente conhecida.

A agenda para inovação americana elegeu cinco prioridades de ação:
» Criar uma nova geração de inovadores, uma força de trabalho altamente qualificada em áreas essenciais como matemática, ciências, engenharia e tecnologia da informação;

» Aumentar a colaboração federal para a promoção da inovação no setor privado;

» Prover acesso a banda larga para todos;

» Alcançar independência energética com geração limpa e sustentável;

» Melhorar as condições para que pequenas e médias empresas participem mais ativamente do esforço inovador.

A tônica do documento é o incentivo à inovação via competição e há boas razões para isto. Nas sociedades que adotam a economia de mercado os ganhos de produtividade da economia são alcançados pela inovação, seja em processos e produtos, seja ainda em métodos gerenciais.

O sucesso do empreendedor está diretamente ligado à sua capacidade de atender às necessidades do mercado e fazer com que o seu produto seja o escolhido entre várias opções possíveis. Para ser o escolhido, seu produto deve apresentar a melhor relação custo-benefício para o consumidor e ainda deixar uma boa rentabilidade para o produtor. Como os demais concorrentes podem também introduzir inovações em seus produtos e ganhar a preferência dos consumidores, segue-se que a inovação continuada é o caminho natural para competir com sucesso nas economias de mercado, pelo menos do ponto de vista do produtor.

Do ponto de vista dos consumidores o mecanismo da competição pela inovação pode não atender a todas as suas necessidades em função da questão da procura pela rentabilidade máxima pelos produtores. Essa procura pode deixar algumas necessidades básicas, mas menos rentáveis ou de alto risco, não atendidas. É aí que entra a ação dos governos para sanar esta falha de mercado, adotando ações comumente rotuladas como de política industrial.

A tônica dessas ações é induzir os produtores a entrar em setores que não entrariam, induzidos apenas pela livre competição. Tipicamente essas ações envolvem a concessão de incentivos fiscais e creditícios, subvenções para P&D, encomendas governamentais, restrições regulatórias e, no limite, concessão de privilégios de exclusiva, isto é, monopólios temporários concedidos ao amparo de leis de propriedade intelectual.

A concessão de monopólios, ainda que temporários, é uma condição limite de incentivo nas economias de mercado porque ela se contrapõe ao mecanismo natural de progresso dessas economias, que é a competição. Assim, conceder um monopólio só se justifica em casos excepcionais, onde uma necessidade de mercado, uma necessidade social, não consegue ser atendida por falharem os demais mecanismos de incentivo, naturais ou políticos, acima elencados.
Nas sociedades de economia de mercado a concessão de monopólios é uma excepcionalidade e só excepcionalmente deve ser concedida. A prevalência da competição sobre todas as outras formas de incentivo nessas sociedades fica bem caracterizada na prática dos EUA, por exemplo, onde as leis que garantem a competitividade têm prevalência sobre todas as outras. Se a existência de direitos de exclusiva está impedindo a competição em qualquer nicho de mercado, as leis de competição entram em ação e cancelam os direitos de exclusiva.

É por este motivo que os EUA são os campeões mundiais em emissão de licenças compulsórias: toda vez que uma empresa alcança posição monopolista ou quase em um nicho de mercado, por força das patentes que possui, ela é forçada pelo governo a licenciar para terceiros as suas patentes, até que um nível de competição satisfatório seja restabelecido.

Vários estudos realizados sobre o universo empresarial americano demonstraram que para a maioria dos setores industriais a concessão de patentes não é determinante para incentivar a inovação. Apenas em alguns setores é que a proteção por patentes se mostra como uma opção de política industrial de maior importância para promover a inovação.

Entretanto, obter direitos de exclusiva é uma tentação muito forte para as empresas, pois através deles é possível praticar preços de monopólio e, portanto, alcançar a rentabilidade máxima das operações. Os resultados financeiros das grandes farmacêuticas mundiais são um exemplo claro disto.

Desde sua codificação legal, nos séculos XVI e XVII, a concessão de patentes teve, claramente, um caráter de política industrial e sua concessão se revestia de um nítido caráter de excepcionalidade. O atrativo do preço de monopólio, entretanto, motivou as empresas a promover a idéia da propriedade industrial como um direito que, respeitadas certas condições, não lhes seria negado.

Inicialmente, sob a égide da Convenção da União de Paris, de 1883, cada país tinha liberdade de estabelecer as condições sob as quais concederia patentes. O arranjo funcionou até a década de 70 do século passado, quando a globalização do comércio e a internacionalização da produção levaram grupos de empresas de setores, para os quais a patente é o mecanismo mais importante de proteção, a lutar por condições ainda mais favoráveis de obtenção de direitos de exclusiva em todos os países.

Através da Organização Mundial de Comércio (OMC), essas empresas conseguiram a assinatura de um acordo, o acordo TRIPS, de seu título em inglês, pelo qual todos os países membros daquela organização se comprometeriam com condições similares para a concessão de patentes, sem discriminação de origem do produto ou setor industrial.

No Brasil ainda não temos sedimentada uma cultura da inovação, fruto do nosso muito recente desenvolvimento industrial e de nossa ainda baixa inserção internacional em setores de maior conteúdo e dinamismo tecnológicos.
Em boa hora o governo Lula abandonou os caminhos do desenvolvimento dependente e resgatou a idéia da política industrial como alavanca de desenvolvimento. Melhor ainda, lançou uma política industrial calcada na inovação, algo inédito em nossa história econômica.

Nossa cultura de inovação ainda precisa amadurecer e se disseminar. Inovação é um fenômeno cultural complexo e multifacetado que tem características diferenciadas entre os diversos setores da economia. O fato auspicioso é que despertamos para sua importância na economia de mercado. E não apenas na esfera de governo, através da Iniciativa Nacional pela Inovação, mas, o que é mais importante, também na esfera empresarial onde se encontram os agentes da inovação.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) vem, há algum tempo, se dedicando ao assunto e em 2008 lançou a Mobilização Empresarial pela Inovação, um movimento que pretende aprofundar e disseminar a cultura da inovação como ferramenta primordial de desenvolvimento.

É nesse contexto de busca de desenvolvimento através da inovação competitiva que precisamos inserir a propriedade industrial. Em função do nível de desenvolvimento tecnológico de um país, a política de concessão de patentes pode ser um incentivo ou um óbice ao processo inovador.

TRIPS cometeu o pecado capital de nivelar todos os países, independentemente de seu grau de desenvolvimento, a um conjunto uniforme de condições modeladas pela situação prevalente nos países tecnologicamente mais avançados. Tais condições, empregadas sem maior cuidado, podem se mostrar por demais restritivas para o desenvolvimento de países de menor desenvolvimento tecnológico relativo, na medida em que, através da concessão de patentes predominantemente a inventores estrangeiros, o espaço da inovação para os nacionais fica extremamente limitado. Este pode ser um problema para o Brasil se não cuidarmos de usar de forma inteligente as flexibilidades que TRIPS oferece.

TRIPS deixou aos países inúmeras formas de adequar seus termos às necessidades peculiares de cada um. Há alguma flexibilidade na fixação dos limites da matéria patenteável e nas condições de patenteabilidade- novidade, atividade inventiva, aplicação industrial, suficiência descritiva – as quais podem ser livremente definidas pelos países individualmente.

Critérios rígidos de atividade inventiva e suficiência descritiva podem ser fixados para evitar patenteamento de invenções supérfluas, inclusive fazendo-se uso de uma definição clara e abrangente do que é uma pessoa conhecedora do assunto. Da mesma forma, uma fixação inteligente dos custos de obtenção e manutenção de patentes pode ser um freio ao patenteamento de trivialidades. Enfim, TRIPS é restritivo, mas suas restrições não são absolutas e o exemplo da Índia no uso inteligente das flexibilidades é, talvez, o mais conspícuo.

O Brasil pode e deve ajustar sua legislação e suas diretrizes de concessão de patentes usando as flexibilidades de TRIPS a seu favor, se quiser realmente fazer da inovação e da competição a mola mestra de seu desenvolvimento. Não é difícil, mas é preciso querer.

Marcos Oliveira
Marcos Oliveira
Membro do Conselho Consultivo da ABIFINA.
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