A industrialização no Brasil, como um processo orientado pelo poder público, somente foi iniciada em meados do século passado com a implantação de uma indústria de base pelo Estado, em especial na área siderúrgica nos anos 40 e na área do petróleo com a criação de Petrobras na primeira metade da década de 50.
Na segunda metade da década de 50 ocorreu a internacionalização de nossa economia com a implantação de uma indústria automobilística multinacional, geradora de relevantes empreendimentos nacionais voltados para a fabricação de componentes para essa indústria montadora. Depois de uma década politicamente conturbada nos anos 60, sob uma forte vontade política de Estado, ao longo dos anos 70, ocorreu a retomada do processo de industrialização no país que atingiu seu ápice com as ações de uma agência reguladora (Conselho de Desenvolvimento Industrial – CDI) dessas políticas públicas, assegurando a implantação da indústria petroquímica segundo o modelo tripartite: o investidor externo aportou a tecnologia, o investidor nacional, apoiado pelo BNDES, criou a competência empresarial e a PETROQUISA, como empresa estatal subsidiária da PETROBRAS, conferiu segurança e liderança efetivamente nacional ao modelo.
Nos anos 80, com a edição da Portaria Interministerial n° 04/84, foram instituídas as bases de uma política industrial para o desenvolvimento da química fina no Brasil. O modelo utilizado pelo governo federal para desenvolver a indústria de fármacos e medicamentos no contexto da química fina nacional foi centrado em uma reserva temporal do mercado nacional (criada através do CDI), no uso do poder de compra do Estado (efetivado através de operações da Central de Medicamentos – CEME) e no financiamento para investimentos (via BNDES/BNDESPAR). Em decorrência dessa política industrial, entre os anos de 1984 e 1990 foram investidos mais de US$1 bilhão em novas unidades produtivas nessa área. O retrocesso na política industrial vigente, com a irresponsável e abrupta abertura comercial realizada ao longo dos anos 90, resultou no fechamento de mais de mil unidades produtivas de uma emergente indústria de alta densidade tecnológica criada no país, além de fragilizar amplos setores da indústria de base e de levar ao encerramento cerca de quinhentos projetos que se encontravam em plena execução. Embora a década dos anos 80 seja denominada pelos economistas simploriamente como a “década perdida” – devido aos altos índices de inflação atingidos, sendo por eles exaltado o retorno à estabilidade monetária atingido nos anos 90, em realidade a contenção do processo inflacionário foi realizada via um longo, doloroso e desnecessário período de desindustrialização do Brasil. Isso se deveu à idéia fixa de nossos economistas neoliberais no sentido de controlar a inflação sem considerar qualquer outro objetivo, em especial no período 1995/1999 quando, embalados pelos cânticos do Consenso de Washington, criaram uma taxa cambial artificialmente elevada e deixaram o mercado operar totalmente desregulado, baseados na equivocada premissa de que “a melhor política industrial é não ter política industrial”.
Com a eleição de Lula em 2002, formularam-se as bases para uma política industrial, tecnológica e de comércio exterior (PITCE), democraticamente construída em fóruns de competitividade de cadeias produtivas definidas como prioritárias para o soberano desenvolvimento nacional. Infelizmente o primeiro mandato de Lula foi encerrado apenas com a realização dos diagnósticos setoriais, sem uma clara definição sobre os mecanismos para a implantação dessa política pública.
No segundo mandato de Lula, sob a liderança de Temporão no Ministério da Saúde, começou a ser examinada uma orientação política do governo federal, mais corretamente focada nos instrumentos específicos para viabilizar a implantação do complexo industrial da saúde. O marco regulatório nessa área foi definido em 2008, através da edição de Portarias e pela implantação de um Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (GECIS), criado para gerir as ações que deverão transformar em realidade o que já foi detalhadamente planejado.
Economistas desenvolvimentistas, no entanto, atualmente têm alertado que a recuperação da atividade industrial, que começou a se visualizar a partir de 2006 e atingiu seu ápice em meados de 2008, frustrou-se devido à enorme apreciação cambial. A manutenção da política monetária exclusivamente focada em metas inflacionárias – que requerem o uso de elevadas taxas de juros domésticos – e, ultimamente, também o ingresso de capitais externos para a bolsa de valores seriam as causas dessa enorme apreciação do real, criando-se um ambiente econômico desestimulador das exportações de produtos manufaturados pelo Brasil. Ainda porque nessa área não ocorrem as grandes vantagens comparativas que existem para commodities agrícolas, bem como são incentivadas as importações. Em decorrência desses fatos foi inibido o crescimento do país que seria alcançado pela expressiva retomada de investimentos privados no setor industrial.
Nesse cenário é inegável que em alguns setores da indústria brasileira ocorre uma pérfida substituição da produção doméstica por produtos importados, criando-se assim uma indesejada e não anunciada política anti-industrial. A intervenção do Estado, via criação de um fundo estabilizador para o câmbio, tendo por objetivo permitir que o governo possa atuar como comprador no mercado de dólares para evitar uma sobrevalorização do real, tem sido sugerida por economistas que alertam para os problemas causados por tal apreciação cambial. O nosso Banco Central precisaria atuar como o Federal Reserve norte-americano que alia o controle da inflação a metas de crescimento e geração de empregos.
A contribuição da indústria para a geração de riquezas no Brasil, em especial em setores de alto valor agregado, tem caído assustadoramente nos últimos anos. Para ilustrar essa afirmativa pode ser lembrado que, a despeito dos esforços do governo federal para reduzir o déficit no comércio externo de produtos para a área da saúde, esse indicador elevou-se 50% nos últimos três anos somente na área de fármacos e medicamentos, passando de US$3.172.264 para US$4.753.600.
Situações desse tipo podem se verificar em áreas não estratégicas nas economias maduras, onde o crescimento econômico proporcionalmente faz-se mais representativo na área de serviços com maior valor agregado. Ocorre que no Brasil o processo de desindustrialização tem ocorrido em áreas de elevado significado econômico e social, ou seja, com estratégico valor para o soberano crescimento do país, como na área de fármacos e medicamentos – resultando em desemprego qualificado e sem absorção da mão-de-obra ociosa por setor de serviços com maior valor agregado.
A pujança de uma economia nacional reflete o seu dinamismo industrial que permite a fabricação e a exportação de produtos com alta tecnologia, resultando em indicadores favoráveis no balanço comercial. Essa não é, certamente, a situação brasileira que se caracteriza por uma sistemática queda nas exportações de produtos industrializados com alto valor agregado e com significado estratégico para o país.
Saldos comerciais estão sendo obtidos devido a uma aquecida demanda na área de commodities agrícolas, mas o Brasil não pode retornar ao início do século passado quando era definido, com equivocado ufanismo, como um país essencialmente agrícola.
Os setores industriais que atuam diretamente junto ao mercado, em especial aqueles que gozam de algum tipo de barreira ao ingresso de players provenientes do exterior – onde existem regulamentos para proteger determinadas áreas como a defesa nacional, o meio ambiente e a saúde da população – ainda conseguem uma sobrevida a despeito das condições anti-competitivas a que são submetidos no mercado nacional.
Mas as fabricações domésticas de produtos intermediários de natureza química, mecânica ou eletrônica, componentes das diversas cadeias produtivas nacionais, certamente sumirão do mercado se não forem criados mecanismos específicos de sua proteção mercadológica para contrabalançar a iniquidade dessa apreciação cambial. Mecanismos desse tipo constituem instrumentos de proteção ao mercado doméstico, largamente utilizados pelas economias do primeiro mundo, e permanecem vivas até hoje a despeito da globalização das economias, como é o caso do Buy American Act, instituído pelo presidente Hoover em 1933, com o objetivo de conferir preferência nas compras públicas ao produto fabricado em território norte-americano.
As taxas de juros praticadas no Brasil pelo BNDES são bastante adequadas às necessidades do complexo industrial da saúde, mas a apreciação do real face ao dólar e, muito especialmente, devido à inexistência de um sistema que se utilize do poder de compra do Estado para promover a fabricação local, inviabilizam totalmente a retomada de investimentos na área de fármacos, como estratégica e corretamente é buscado pelo PAC Saúde.
A despeito de restar pouco mais de doze meses de governo Lula, ainda há tempo suficiente para efetivamente implantar o marco legal requerido para viabilizar o uso do poder de compra do Estado como um mecanismo promocional indispensável para o desenvolvimento do complexo industrial da saúde no país, nos moldes concebidos pelo Ministério da Saúde através das Portarias editadas em 2008.
Certamente a retomada do processo de industrialização do país é o caminho único e correto para a criação de empregos no Brasil, que somente surgirão em ambiente político propício para a realização de investimentos públicos e privados – inclusive através de parcerias público-privadas.