REVISTA FACTO
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Jul-Ago 2009 • ANO III • ISSN 2623-1177
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O Comperj e a química fina: O desafio de ousar um pouco mais

O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em fase de implantação pela Petrobras, irá beneficiar uma ampla gama de indústrias nacionais que utilizam insumos petroquímicos. Com um pequeno passo adiante na cadeia produtiva da química fina, o Comperj poderia também dar um impulso decisivo à competitividade de dois outros segmentos industriais, social e economicamente estratégicos para o Brasil: o de fármacos e medicamentos e o de defensivos agrícolas. A Petrobras ainda não deu sinal verde para a inclusão no projeto de uma unidade multipropósito destinada à fabricação, pelo sistema de bateladas, de alguns intermediários de síntese para a química fina. Ouvida pela editoria desta revista, sobre o projeto Comperj, a Petrobras se pronunciou na forma em destaque no box das páginas 8 e 9.

O desenho atual do Complexo prevê, além de uma unidade de refino para petroquímicos básicos – que irá produzir eteno, propeno, benzeno, butadieno e paraxileno, um conjunto de unidades de segunda geração projetado para produzir estireno, etileno-glicol, polietilenos, polipropileno e PTA/PET. Os produtos de segunda geração servem a uma ampla gama de indústrias de transformação. Algumas das matérias-primas disponibilizadas na primeira geração podem ser direcionadas, ou não, também para a cadeia produtiva da química fina, dependendo da demanda do mercado. O desenho definido para o Comperj reflete um saudável pragmatismo, na medida em que privilegia o retorno comercial, mas é pouco ambicioso do ponto de vista estratégico no longo prazo para o país. Ele agrega valor ao petróleo produzido no País, sem dúvida, porém não ultrapassa o instável patamar das commodities da indústria química.

Estudo de viabilidade prossegue
O Assistente da Presidência da Petrobras, Vivaldo Barbosa, assegura que a empresa continua considerando seriamente a possibilidade de avançar na cadeia produtiva da química fina, tanto que estabeleceu grupos de estudo para analisar o assunto mais a fundo. Segundo ele, a Petrobras busca uma maneira mais objetiva de viabilizar, como empreendimento anexo ao Complexo, “uma unidade petroquímica que aproveite as matérias-primas do Comperj e avance no processo industrial, operando em cadeias de síntese química e purificação dos intermediários químicos, que o Brasil precisa para a produção de agroquímicos e farmoquímicos”.
A Petrobras age com a cautela que seria de esperar, tendo em vista que seu envolvimento direto na cadeia da química fina seria uma decisão radicalmente nova. Mas, segundo Barbosa, “o fato é que está se chegando a uma conclusão sobre a viabilidade técnica, tecnológica e financeira da montagem de uma unidade multipropósito, voltada para a fabricação de intermediários químicos para os setores industriais farmoquímico e agroquímico. Esperamos que esse processo possa caminhar junto com a montagem e entrada em operação do Comperj, tão logo seja aprovado e definido o processo para a implantação das etapas subsequentes”.

Barbosa entende que o objetivo de explorar segmentos estratégicos das cadeias produtivas formadas a partir do petróleo não deve se restringir ao Comperj e precisa ganhar dimensão nacional. “Não apenas o Comperj, mas todas as centrais petroquímicas do País deveriam tomar medidas para ampliar a produção da química fina no País. Nossa produção é muito modesta e o Brasil tem muitas necessidades. Além disso, em torno de nós existe um mercado que poderia ser atendido. Temos a África, que poderia ser abastecida com produtos da química fina brasileira”.

O interesse público está diretamente implicado no desenvolvimento da química fina nacional, assinala o Assistente da Presidência da Petrobras. “A agricultura brasileira está sufocada pela dependência da importação de herbicidas, inseticidas e acaricidas, muitas vezes produzidos por multinacionais a preços monopolísticos”, afirma Barbosa, reiterando que precisamos mudar esse quadro. Da mesma forma, o Brasil precisa ampliar sua capacitação industrial na indústria farmacêutica, “especialmente nos medicamentos destinados à saúde pública, produzidos pelos laboratórios oficiais. Isto se consegue propiciando mais matéria-prima a preços acessíveis, com mais produtos farmoquímicos para abastecer os laboratórios”.
Embora o projeto atual do Comperj contemple apenas as áreas de primeira e segunda geração (destinadas às resinas e plásticos), afirma Barbosa, o projeto ainda não está finalizado e ainda há chance de ele incorporar adicionalmente uma nova geração voltada para a farmoquímica e a agroquímica. “Quando se criar, anexa ao Comperj, a cadeia de intermediários de síntese para fármacos e agroquímicos, com certeza isto irá atrair a outra geração, representada pelas cadeias produtivas das  indústrias agroquímicas e farmoquímicas. Será um impulso grande à química fina nacional”.

Barbosa manda um recado às áreas do governo interessadas direta ou indiretamente no desenvolvimento da produção nacional farmoquímica e agroquímica. “É preciso entrar numa fase de envolvimento dos órgãos que necessitam opinar, neste caso os laboratórios, o Ministério da Agricultura, o Ministério da Saúde. Eles precisam se envolver mais diretamente. Os empresários produtores de fármacos e agroquímicos que necessitam dessa matéria-prima também serão chamados a se envolver mais diretamente. Esta será a fase subsequente”.

A torcida da indústria nacional
A indústria nacional de fármacos acompanha com grande interesse o desenvolvimento dessa discussão. Segundo Lélio Maçaira, presidente da Laborvida, “o fortalecimento do mercado nacional de química fina orgânica e biotecnologia depende de fomento governamental, dada a baixa concentração de empresas e, em alguns casos, o perfil embrionário de outras que convergem para esse mercado”.
Para o presidente da Laborvida, na medida em que contemple a produção de intermediários de síntese, o Comperj poderá ser decisivo para a consolidação do programa brasileiro de medicamentos genéricos. Esse programa será sustentável na medida em que sofra uma “reengenharia, desta feita não privilegiando apenas a ponta comercial-produtiva de fabricação de medicamentos ditos genéricos, porém contemplando toda a cadeia produtiva, desde a fabricação do insumo bioativo, dotado de propriedades terapêuticas, quer seja de origem de síntese orgânica quer de biotecnológica, até a do medicamento em suas diferentes formas e apresentações farmacêuticas”.

Isto porque, lembra Maçaira, internacionalmente a rastreabilidade da cadeia produtiva é um requisito fundamental para a confiabilidade do produto genérico, e a única forma de assegurar a rastreabilidade dos medicamentos é acompanhar a fabricação no País dos insumos bioativos de forma verticalizada, consequentemente garantindo a segurança e eficácia do medicamento. “Para isso é preciso partir das etapas básicas de construção químio-estrutural da molécula, dependentes das matérias-primas petroquímicas básicas a serem fornecidas pelo Comperj, que antecedem as fases quimio-terapêuticas”.

“A cadeia do plástico no Brasil já se encontra consolidada na primeira, segunda e terceira gerações, com a liderança e a participação da Petrobras junto a seus parceiros Brasken e Unipar, através dos Complexos Petroquímicos do Sudeste e Sul”, afirma o empresário. Quanto à cadeia da química fina, diretamente ligada ao suprimento de itens de primeira necessidade para a população, como remédios e alimentos, esta ficou por construir. A grande expectativa das empresas nacionais desse setor, frente ao projeto do Comperj, é poder contar em futuro próximo com os elos estratégicos que ainda faltam.

Segundo Maçaira, a construção da cadeia da química fina no País representará, além de uma conquista econômica e social, a quitação de uma dívida histórica. “Como as crises do petróleo (1973/79) e dos juros (1981) interromperam a execução dos grandes programas nacionais de desenvolvimento, restaria à Petrobras, através do Comperj, resgatar esse processo. Fomos suplantados por desenvolvimentos extra fronteiras, como as economias da China e da Índia, enquanto o Brasil se satisfazia com a posição de espectador, de importador de produtos acabados e matérias-primas de alto valor agregado”.

O presidente da Laborvida está convencido de que um maior comprometimento da Petrobras com a integração vertical da cadeia petroquímica, com reflexos na indústria de química fina orgânica aplicada à saúde humana, terá impacto social muito maior do que a quantidade de empregos gerados. É de empregos qualificados que o País precisa. A verticalização, segundo ele, “propiciará ao estado do Rio de Janeiro inúmeras oportunidades de crescimento econômico, projeção nacional e internacional, geração de renda, impostos, ciência, tecnologia e recursos humanos com formação qualificada garantida pelo comprometimento com projetos de longo prazo”.

Confiante na sensibilidade da Petrobras para a dimensão estratégica da integração ao Comperj da unidade destinada a produzir intermediários químicos, Maçaira vislumbra um futuro promissor para a química fina nacional. “O Comperj irá alavancar a necessária integração vertical, desde o petróleo até as especialidades petroquímicas, fato incontestável em qualquer lugar do mundo onde se queira ter indústrias petroquímicas e químicas fortes e competitivas, permitindo o aparecimento de novos atores no palco da química fina orgânica aplicada à saúde humana, de forma a criar valor em toda a cadeia, desembocando no medicamento de qualidade que preserve a saúde da população”.

O setor privado está otimista, como se pode ver, e confia na força do mercado para completar o processo de verticalização a partir do impulso do Comperj. O presidente da Globe Química, Jean Peter, também enfatiza a relevância do apoio da Petrobras e a disposição da indústria nacional de trabalhar em parceria pelo fortalecimento dessa cadeia. “A indústria farmoquímica depende de intermediários químicos em vários níveis, do produto químico básico ao intermediário mais avançado. Como o Brasil não tem produção de matérias-primas básicas para a fabricação dos intermediários iniciais, sua indústria farmoquímica fica extremamente fragilizada, dependente de intermediários de outros países, principalmente da China e da Índia”, afirma o empresário.

Por enquanto o Brasil não tem infraestrutura para estabelecer a ligação entre o setor petroquímico e a indústria farmoquímica. “Até hoje, a despeito de tudo o que percebemos como intenções do governo, a realidade é que muito pouco foi investido em favor dessa indústria. Quase nada” – lamenta Jean Peter. São poucas empresas atuando nessa cadeia, a maioria delas trabalhando com intermediários avançados, mais próximos dos princípios ativos farmacêuticos. Como não há produção local de intermediários básicos, fica muito fácil perdermos mercado para a China e a Índia, que investiram nas etapas iniciais e podem nos tirar do mercado simplesmente elevando o preço desses insumos.

Isto já ocorre com frequência. Segundo o presidente da Globe, o intermediário básico é vendido hoje a preço excessivamente alto, pois os países fornecedores não têm interesse em que se produza o princípio ativo aqui no Brasil. Eles preferem vender diretamente o produto com maior valor agregado. “Então, ficamos na mão dos fornecedores. Se tivermos no Brasil uma indústria de base para a produção farmoquímica, sairemos dessa posição de fragilidade e ganharemos independência estratégica na produção de princípios ativos para medicamentos” – garante Jean Peter.

Embora a indústria demonstre confiança numa evolução do projeto do Comperj nessa direção, o presidente da Globe compartilha a preocupação de Vivaldo Barbosa com a falta de engajamento do governo como um todo. Ele afirma que há um desconforto, porque de um lado o Estado, embora tenha um discurso pró-ativo e até desempenhe ações pró-ativas, ainda enfrenta certa omissão de setores que não estariam contribuindo o suficiente para reforçar essa iniciativa da Petrobras, como os laboratórios oficiais, que evitam assumir compromissos com cronogramas de desenvolvimento dos produtos. Uma honrosa exceção nesse cenário é o laboratório Farmanguinhos, que tem liderado na área da saúde pública os esforços para a construção da cadeia produtiva de medicamentos. Se outros laboratórios públicos fizessem o mesmo, seria uma grande contribuição para a concretização do projeto.
Jean Peter assegura que, em condições favoráveis de aquisição de insumos, a iniciativa privada mostrará seu potencial no segmento farmoquímico, na medida em que ficará menos vulnerável à volatilidade do mercado internacional e poderá contar com mais constância no abastecimento. “No momento em que o Brasil, através da Petrobras, investe no Comperj e passa a considerar a possibilidade de apoiar a produção de intermediários de síntese para a química fina, fica muito claramente estabelecida a prioridade conferida e a disposição do governo de investir no crescimento da indústria química e suas especialidades integrantes da cadeia farmacêutica. Isto vai fazer com que os agentes privados se sintam muito mais confortáveis para investir nessa indústria”.

Atualmente os problemas de abastecimento são frequentes. Além da manipulação de preços já mencionada, para se comprar um produto fabricado na Índia ou na China são necessários, no mínimo, 45 ou 60 dias de antecedência, segundo o presidente da Globe. “O produto nacional poderá ser adquirido imediatamente e, em função disso, o capital de giro investido vai diminuir muito. Hoje a empresa perde muito tempo na logística do suprimento”.

Antônio Berdge Kessedjian, diretor da Alfa Rio Química Ltda., destaca que a implantação do polo Petroquímico na região de Itaboraí será de vital importância econômica para o Brasil e para as indústrias químicas, farmoquímica e petroquímica nacionais, em especial para aquelas localizadas do Rio de Janeiro, pois a produção de algumas matérias-primas especificas permitirá a redução de importações desses produtos, significativamente, livrando os produtores nacionais da dependência dos fornecedores externos, bem  como resultará numa redução relevante de nossa pauta de importação nessa estratégica área e, certamente, permitirá a  exportação de muitos produtos da cadeia, além da criação de muitos empregos que obrigará a formação de pessoal para atender a demanda  desse investimento. Deve-se considerar, também, que essa cadeia produtiva partirá de um petróleo de baixa qualidade extraído na bacia de Campos, que atualmente é exportado a preços muito baixos.

Déficit cresce sem parar
Enquanto o Brasil reluta, outros países calibram suas políticas industriais para ocupar espaços estratégicos no setor químico. A China já alardeou sua intenção de ocupar espaço no mercado brasileiro de defensivos agrícolas, usando como ponta-de-lança produtos genéricos como o glifosato. A indústria chinesa já é hoje a principal produtora dos intermediários químicos utilizados nas cadeias de defensivos e fármacos, enquanto que a Índia cresce continuamente no segmento de fármacos, apostando numa política de verticalização. Países do Oriente Médio implantam novas unidades petroquímicas para agregar valor ao petróleo abundante e de baixo custo de que dispõem, capacitando-se assim para disputar fatias das cadeias produtivas que se desdobram a partir dessa matéria-prima.

Fala-se muito em desenvolvimento sustentável no Brasil, mas na prática ainda estamos longe de seguir esse caminho. Na crise, ficamos acuados e nos ajustamos facilmente ao discurso da “sobrevivência em primeiro lugar”. O genuíno desenvolvimento sustentável é aquele que visa o longo prazo. Os países economicamente fortes sabem que resultados comerciais de curto prazo não garantem sustentabilidade e mesmo na crise – ou até aproveitando as oportunidades que ela oferece – não perdem o norte do desenvolvimento. O dilema entre o curto prazo associado à idéia de sobrevivência e o longo prazo identificado com o desenvolvimento é, na realidade, é um falso dilema.
A viabilização comercial de um polo de intermediários químicos no Brasil dependeria justamente de uma decisão em nível de política industrial. Trata-se de uma aposta, sem dúvida, mas nem de longe seria apostar no escuro.

Equacionando-se o problema da produção local dos intermediários básicos, haverá grande probabilidade de que as empresas hoje importadoras de produtos semiavançados realizem investimentos para completar o ciclo de verticalização.
A indústria farmoquímica, isoladamente, adquire apenas intermediários avançados ou semiavançados que, embora de valor estratégico para o País, expressam uma reduzida escala produtiva. Faz-se necessário, então realizar uma composição harmonizada entre a demanda desse setor e aquela apresentada pelo setor agroquímico, orientação que deverá permitir, pela economia de escala então atingida, viabilizar comercialmente a unidade de intermediários de síntese para a química fina do Comperj. Somando esses segmentos, o mercado doméstico brasileiro não é nada desprezível. O de fármacos e medicamentos movimenta hoje, anualmente, mais de US$ 15 bilhões e o de defensivos agrícolas movimenta mais de US$ 6 bilhões. “O custo do registro no Brasil é alto, mas os lucros são proporcionais” – afirmou recentemente o executivo Steven Lu, diretor do Fuhua Group, organização chinesa do setor agroquímico, em visita ao País.
Muitos fármacos e defensivos são derivados de produtos aromáticos como o benzeno e o tolueno. O Brasil já produziu alguns desses derivados na década de 80, mas a predatória abertura comercial empreendida pelo governo Collor nos anos 90 liquidou com esse segmento, e hoje o País é totalmente dependente de importações. Embora nas estatísticas oficiais de comércio exterior esses produtos apareçam como matérias-primas, eles estão longe de ser produtos primários e em nenhuma hipótese podem ser enquadrados na categoria de commodities. Ao contrário, têm alto valor agregado. Enquanto uma tonelada de petróleo pode custar algo em torno de US$ 400, uma tonelada de qualquer intermediário de síntese para a química fina custa, no mínimo, cinco vezes mais. Vejamos o exemplo dos clorobenzenos e seus derivados, que constituem um grupo importante de intermediários para fármacos e defensivos agrícolas, com demanda crescente no Brasil:

Em 2007 o Brasil importou 280 toneladas de clorobenzeno ao preço médio (FOB) de US$ 1.553,00 por tonelada; 32 toneladas de p-aminofenol ao preço médio de US$ 4.427/t; 1.045 toneladas de acetaminofeno (ou paracetamol) ao preço médio de US$ 3.623,00/t; 600 toneladas de o-fenilenodiamina (insumo para fabricação dos princípios ativos tiabendazol e omeprazol) ao preço médio de US$ 4.856,00/t; 108 toneladas de bromo-ciclohexano ao preço médio de US$ 120.896,00/t. Segundo estudo recente, a demanda brasileira de clorobenzeno deve crescer 3,4% ao ano nos próximos vinte anos, e a dos seus derivados crescerá a taxas superiores a 6%. De 2007 para 2008 os preços da o-fenilenodiamina e do bromo-ciclohexano subiram, respectivamente, 13% e 17,5%.

No que diz respeito aos derivados da cadeia do tolueno e do xileno, o quadro não é muito diferente e, em certos casos a elevação recente de preços é inacreditável. Em 2007 o Brasil importou 63 toneladas de 2,6-diclorotolueno e outras tantas de o-clorotolueno ao preço médio de US$ 5.947,00/t. Em 2008 o preço desses intermediários estava na faixa de US$ 13.615,00/t. O benzaldeído, importado em 2007 (64 toneladas) ao preço médio de US$ 2.824,00/t, estava custando em 2008 US$ 4.062,00/t. A 2,4-Xilidina, importada em 2007 (112 toneladas) ao preço médio de US$ 2.995,00/t, já não estava acessível em 2008 por menos de US$ 3.800,00/t. A 2,6, Xilidina, que em 2007 pôde ser adquirida por US$ 11.735,00/t, em 2008 estava custando US$ 19.594,00/t.

Os números da balança comercial brasileira mostram que, na área química e fora dela, as exportações brasileiras se concentram em setores de baixa e média-baixa intensidade tecnológica, enquanto nas importações é o contrário: mais de 70% das compras externas envolvem produtos de alta e média-alta intensidade tecnológica. Produtos farmacêuticos e demais produtos da indústria química estão, respectivamente, nos grupos de produtos de alta e média-alta intensidade tecnológica. Em ambos a balança comercial brasileira apresenta déficit persistente e crescente.

A partir de 2005, quando a economia brasileira voltou a crescer em ritmo mais acelerado, o déficit comercial vem aumentando dramaticamente. No ano passado, as importações de medicamentos ultrapassaram US$ 4 bilhões, as de defensivos agrícolas prontos alcançaram US$ 1,2 bilhão, e as de produtos da química fina – intermediários de síntese e princípios ativos – atingiram a marca recorde de US$ 5,3 bilhões. No conjunto, o déficit comercial brasileiro em produtos químicos atingiu a cifra recorde de US$ 23,6 bilhões – o que representa um crescimento de nada menos que 79% em relação a 2007.

Commodity e comodismo
A implantação no Brasil de uma indústria de intermediários químicos e princípios ativos para fármacos e defensivos agrícolas não ocorrerá por geração espontânea. É preciso muita vontade, obstinação e razoável dose de estímulo. Trata-se, afinal, de um mercado dominado por poderosas corporações multinacionais, apoiadas pelos governos de seus países de origem, e onde as barreiras contra a entrada de novos competidores são continuamente reforçadas. Isto é natural, pois os países desenvolvidos e emergentes que direcionaram suas políticas industriais para a química fina têm consciência da importância estratégica desse setor e não hesitam em verticalizar suas cadeias produtivas, assegurando-se do controle de abastecimento e de preços em todos os seus elos estratégicos. Ficam de fora apenas os insumos classificáveis como commodities, que podem ser controlados por outros instrumentos que não o da produção local. Esses países sabem que, na falta de um elo estratégico, toda a cadeia fica frágil e facilmente se rompe.

Os resultados recentes da balança comercial brasileira mostraram que nosso país, ao contrário, vem se caracterizando cada vez mais como produtor e exportador de commodities, o que ameaça em médio prazo a posição brasileira como economia emergente. Da AEB às entidades setoriais da indústria, diversas lideranças empresariais já manifestaram publicamente essa preocupação. Entre os setores que concorrem para o déficit da nossa balança comercial, o setor químico se destaca como um dos três mais importantes, com participação ponderável da química fina e especialidades. Esse quadro não será revertido sem uma forte intervenção governamental, não apenas em nível de política industrial, mas também em nível de atuação econômica direta.

A Petrobras poderá ser um aliado de peso na luta contra o déficit do setor químico. Com um investimento que, no âmbito do Comperj, seria talvez pouco expressivo, mas que para a indústria nacional de química fina teria o valor de uma alforria, a Petrobras pode mudar o futuro de todo um setor industrial, com reflexos na produção de tecnologia, na qualidade do emprego e na geração de mais renda para o trabalhador brasileiro. Há algumas décadas a participação direta dessa empresa foi fundamental para a criação de um parque petroquímico no País e para a agregação de valor ao petróleo nacional. Infelizmente o neoliberalismo ditado a partir do Consenso de Washington (1989) – a título de desestatização a qualquer custo e sem critérios – obrigou a Petrobras a abandonar relevantes posições que já assumira na indústria petroquímica, especialmente em parcerias com empresas privandas, suportando empreendimentos nacionais. Agora é hora de dar um basta ao passado, dar mais um passo à frente, investindo em produtos da química que façam uma ponte com os segmentos da química fina, social e economicamente estratégicos para o País.

Na comemoração dos seus cinquenta anos a Petrobras escolheu o slogan “O desafio é a nossa energia” para expressar o estágio atual da cultura da empresa. A área de marketing da Petrobras procurou enfatizar, em suas próprias palavras, “a história de uma empresa construída a partir de um sonho do povo brasileiro, feita por brasileiros capazes de vencer desafios. O binômio sonho/desafio é explorado para a transposição entre passado e presente, com a visão do futuro que conduz a Petrobras a uma empresa de energia. A maneira de transmitir essa idéia, nos comerciais, é mostrando que energia é a força que move as pessoas para realizarem sonhos: são cinquenta anos de um Brasil que dá certo, completados exatamente quando o país vive um momento de esperança, reconstrução e resgate do sentimento de brasilidade”.

Pois bem: inovar é um ato de ousadia, de criação e superação de desafios. A inovação rompe, por definição, com atitudes conservadoras e comodistas. Nesse sentido, o Comperj somente será uma inovação se a concepção do seu projeto industrial efetivamente contribuir para tirar o Brasil do círculo vicioso da exportação de commodities.

Saúde e alimentos são itens de primeira necessidade, e as indústrias de fármacos e agroquímicos estão diretamente ligadas ao atendimento dessas necessidades. Isto é o que justifica o envolvimento direto do governo e de suas empresas na viabilização da produção nacional de medicamentos para a população e de defensivos químicos para garantir a produção do agronegócio. Não se pretende que a Petrobras vá longe na cadeia da química fina, mas tão somente que insira, apoiando no projeto do Comperj, duas ou três linhas de reação química para vencer uma etapa da cadeia produtiva desse setor que hoje é altamente problemática em termos comerciais. A unidade de intermediários químicos pode ser concretizada com a participação e o aporte societário de indústrias químicas privadas, mas é preciso que a Petrobras manifeste disposição de implantá-la. Com uma pequena agregação de valor na sua produção, o Comperj poderá abrir uma possibilidade de grande importância estratégica para o desenvolvimento econômico e social do País em bases sustentáveis.

As respostas da Petrobras ao questionário que lhe foi submetida

O déficit da balança comercial brasileira de produtos químicos é o maior dentre os setores industriais e mostra uma tendência acentuada de crescimento, nos últimos anos. Matérias-primas para fertilizantes e intermediários de síntese química têm um destaque especial neste déficit. A produção de insumos para fertilizantes como amônia/uréia foram cogitadas no desenho do Comperj?
Petrobras: Não. A Petrobras já possui duas plantas de produção de amônia/uréia. Uma em Camaçari na Bahia e outra em Laranjeiras em Sergipe. Além disso, está estudando a possibilidade de uma terceira fábrica de fertilizantes, com local a ser definido.

E a produção de intermediários de síntese e princípios ativos para as industrias de especialidades químicas, como farmacêutica, defensivos agrícolas, aditivos antioxidantes etc, cuja importação foi da ordem de 5 bilhões de dólares em 2008, cerca de 15% das importações totais do País?
Petrobras: Os intermediários de síntese e especialidades químicas não são a vocação da PETROBRAS, devido ao nosso porte e experiência, pois somos mais afetos a produção de commodities. Entretanto, o Comperj é um empreendimento estruturante que vem justamente criar o ambiente de negócio propício e incentivar a implantação deste tipo de indústria em seu entorno.

A Petrobrás criou seis empresas para cuidar de cada um dos segmentos que compõe o complexo petroquímico, mas a área química que se liga à petroquímica através de insumos como benzeno, tolueno, xilenos, propeno etc, ficou de fora. Não há previsão para avançar nesta área da qual o Brasil é tão dependente do setor externo e que é a que mais agrega valor na cadeia química?
Petrobras: A Petrobras criou seis empresas, sendo uma empresa holding Comperj Participações SA que gerenciará inicialmente a estruturação societária do complexo petroquímico e a participação da Petrobras neste negócio. As cinco outras empresas, nas quais a Petrobras terá participação em níveis diferenciados são:
Comperj Petroquímicos Básicos SA,
Comperj Poliolefinas SA(PE e PP),
Comperj MEG SA,
Comperj Estirênicos SA e
Comperj PET SA
A Empresa Comperj Petroquímicos Básicos SA é a responsável pela produção dos petroquímicos básicos que suprirão as unidades de segunda geração. Esta empresa gerará os insumos petroquímicos citados: propeno, benzeno e xilenos, além de eteno. Não será produzido tolueno, pois este produto será consumido até a sua exaustão no ciclo de aromáticos, objetivando a produção dos outros aromáticos, os quais estarão disponíveis para as unidades de segunda geração já existentes e outras unidades petroquímicas que desejarem se instalar junto ao nosso complexo.
 
Qual a margem de flexibilidade do complexo petroquímico na produção de eteno/propeno? Será possível maximizar a produção de propeno em relação ao eteno caso as condições de mercado assim recomendem?
Petrobras: O Comperj já foi concebido visando à maximização de propeno, pois temos como unidade para conversão em olefinas leves um FCC Petroquímico, que é uma unidade que prioriza a produção de propeno. Nosso complexo já tem uma relação Propeno x Eteno mais alta que os complexos convencionais que são baseados somente nos Steam Crackers. Além disto, esta relação sempre pode ser ajustada, tanto através da severidade do Steam Cracker quanto do sistema catalítico aplicado no FCC Petroquímico, objetivando adequar a produção destas olefinas às futuras condições de mercado.  

A Petrobrás vem fazendo importantes investimentos em pesquisa e desenvolvimento da produção de álcool a partir de cana, inclusive de segunda geração (bagaço) e há tempos dispõe de tecnologia para produção de eteno a partir de álcool. Esta possibilidade foi levada em conta quando do planejamento do esquema de produção do Comperj?
Petrobras: É verdade que a Petrobras desenvolve projetos de P&D para maximizar a produção de etanol e matérias-primas renováveis, quer seja para aplicação com combustível, quer seja como matéria-prima petroquímica. A princípio como havia, no País, uma falta de disponibilidade de matérias-primas petroquímicas competitivas e queríamos produzir uma gama ampla de produtos petroquímicos básicos, optou-se fazer petroquímica partindo do petróleo cru nacional e a produção de eteno a partir de álcool não foi contemplada na configuração do complexo. Outro aspecto importante, que norteou esta opção, foi agregação de valor ao nosso petróleo que por ser pesado, é atualmente vendido no mercado internacional com deságio. Entretanto, nada impede que no futuro se coprocesse, no Comperj, matérias-primas renováveis como álcool e óleos vegetais, objetivando maximizar o rendimento de olefinas leves, sempre que o preço desses insumos for competitivo. A Petrobras dispõe de patentes sobre essas rotas.

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