REVISTA FACTO
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Jan-Fev 2009 • ANO III • ISSN 2623-1177
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União contra a crise

Preocupada com a persistência de antigos problemas estruturais e com os efeitos da alta do dólar nos custos de produção, a indústria de química fina reivindica apoio mais efetivo do governo e aposta nas vantagens comparativas do país.

O Brasil vem sendo considerado por analistas econômicos uma das nações com maior capacidade de resistir à crise financeira desencadeada nos EUA em outubro do ano passado. Essa tese é reforçada por um relatório recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), segundo o qual o país sofrerá apenas uma “leve desaceleração”. Até agora as expectativas vêm se confirmando e a solidez dos fundamentos da economia brasileira amorteceu o primeiro impacto da crise. O setor de química fina mostra-se empenhado em preservar investimentos apostando num futuro favorável. Porém, é urgente a contrapartida do governo por meio de medidas de incentivo e correção de antigos problemas e distorções em suas políticas naquilo que se refere à indústria nacional.

No início de 2009, as indústrias de defensivos agrícolas contabilizaram os prejuízos do último trimestre do ano passado. O resultado, porém, não foi reflexo da queda nas vendas e sim da alta cotação do dólar. Luiz Claudio Barone, presidente da Milenia Agrociências S.A, explica que, embora o faturamento do setor seja em reais, o preço dos defensivos é indexado ao câmbio seguindo o modelo do agronegócio, que é o seu cliente.

Assim, entre outubro e dezembro os produtores receberam em reais o valor relativo às vendas feitas nos meses anteriores, quando a cotação do dólar estava mais baixa (no primeiro mês da crise ela já chegou a superar os R$ 2). O resultado foi uma brusca redução da margem de lucro no período. “O mesmo pedido que havíamos faturado por R$ 100, com o dólar a R$ 1,60, acabou tendo seu valor reduzido no último trimestre”, explica Barone. “Tínhamos os pedidos em mãos e precisamos entregá-los com um câmbio extremamente desfavorável. A conversão resultou numa perda expressiva, que variou de empresa para empresa.”

Antigo alvo de críticas por parte do setor agroquímico, a dependência da indústria em relação às importações de princípios ativos acabou tendo seus efeitos atenuados com a crise. Se por um lado o câmbio está desfavorável, elevando o preço das importações, Barone lembra que por outro lado os preços de insumos do mercado internacional, em especial da China, caíram consideravelmente. No entanto, ainda que se mantenha tal situação, em princípio favorável ao agronegócio, ele defende o estímulo à produção nacional. “O governo só está facilitando a importação, principalmente a chinesa, enquanto a indústria de defensivos não tem qualquer incentivo para produzir localmente.”

Quanto às previsões para um ano que promete ser difícil, Barone garante que “o cenário não é pessimista”. Cautela é a palavra de ordem para a indústria atravessar o primeiro semestre, estabelecendo em seguida uma estratégia de negócios para a segunda metade do ano. A boa notícia para os produtores de defensivos é que nem todos os segmentos do agronegócio sofrerão igualmente com a crise mundial, pois, segundo Barone, as culturas mais diretamente ligadas à alimentação manterão o nível de vendas e os agricultores continuarão plantando. “As pessoas adiam a compra do carro, da geladeira, da roupa, mas existe uma coisa que não há como adiar: a alimentação”. Além disso, lembra o presidente da Milenia, a alta do dólar favorece as exportações.

Alguns números indicam o acerto dessa previsão. O preço da soja caiu 50% no momento mais grave da crise, em comparação aos valores negociados no auge de sua cotação em 2008. Posteriormente, no entanto, ele se recuperou em 35%. A commodity estava na ordem de US$ 15 o bushel, despencando para US$ 9. Em contrapartida, o dólar, antes cotado a R$ 1,60, subiu para R$ 2,30. Outro fator contribuiu para preservar o caixa dos clientes da indústria de defensivos. “Os preços despencaram na época do plantio, em que os negócios se retraem, então não foi tão grave para os agricultores”.

Apostando na persistência desses fatores favoráveis, Barone afirma que os próximos plantios estão garantidos – a safrinha de milho, por exemplo, já está sendo plantada -, o que sustenta as expectativas de faturamento da indústria de defensivos para os próximos meses. Mas o presidente da Milenia alerta para um problema que pode mudar completamente essa previsão: a falta de crédito. “A decisão sobre como será o plantio da safra 2009/2010 ainda está longe de acontecer, mas não há nada no cenário que aponte para uma catástrofe. No entanto, ninguém sabe como será a disponibilidade de crédito. O governo está sempre muito otimista, dizendo que a situação não passa de uma marola, mas na verdade há um represamento do crédito para a agricultura nos bancos. O governo disponibiliza o dinheiro, porém os bancos não emprestam e impõem exigências absurdas, como fazer seguro ou comprar título de capitalização. A gente já sente a dificuldade da falta de crédito hoje”, alerta Barone.

É grande a expectativa em relação à próxima safra de verão, que começa em agosto e setembro. “Se o crédito que o governo diz estar disponível vai realmente chegar à ponta é a grande incógnita no momento. Se o crédito fluir, haverá o plantio normal”, afirma Barone. Alguns setores da agricultura, segundo ele, provavelmente não passarão incólumes pela crise. É o caso do algodão, que pode sofrer por estar ligado mais à indústria têxtil do que à alimentícia, e da cana-de-açúcar, que já enfrenta hoje um estrangulamento de crédito. Na previsão de Barone, este segmento deverá ser o mais prejudicado em 2009: “O setor estava investindo forte nos últimos anos na construção de usinas e na expansão de áreas de plantio por conta do etanol. De repente, os bancos simplesmente puxaram o trem de pouso e o agricultor ficou sem capital de giro.”

Fármacos e medicamentos: desafios estruturais

No setor farmoquímico, antigos problemas de base vividos por essa indústria no país somam-se aos efeitos da crise. Esta é a opinião de Jean Peter, diretor superintendente da Globe Química Ltda. O principal entrave é a restrição de crédito para a indústria, em especial a de pequeno porte. “A empresa que está capitalizada e sem dívidas seguirá bem. Mas como a maioria das companhias vive de descontos de títulos e recorre aos bancos para garantir capital de giro, essas ficam em situação difícil.”

Segundo Jean Peter, além de os bancos terem diminuído as linhas de crédito, aumentaram os juros e as exigências, por exemplo com relação a valores de duplicatas. Essa situação impactou o caixa da Globe, que teve dificuldades para quitar o 13o salário dos funcionários. Ele conta que a empresa, com um faturamento de R$ 30 a 35 milhões ao ano, chega a pagar aproximadamente 200 mil reais por mês de juros.

“O governo deve, por meio do BNDES, do Banco do Brasil ou outra instituição, abrir linhas de crédito a juros razoáveis, o que é diferente de juros subsidiados. Não queremos favores e sim acesso ao crédito”, afirma o executivo. Ele assinala que esse recurso é fundamental para a indústria farmoquímica se manter, uma vez que o retorno dos investimentos no setor se dá no longo prazo. “Todo produto que criarmos hoje será realidade no mercado apenas daqui a três anos”,  lembra o diretor da Globe. “Levamos um ano e meio para desenvolver a etapa inicial de um produto em laboratório. Há ainda o período de desenvolvimento junto ao cliente. Não é como chiclete, por exemplo, que precisa apenas de um anúncio na televisão.”

Outro problema, para Jean Peter, é a falta de isonomia regulatória que permite às empresas estrangeiras auferirem vantagens competitivas sobre a indústria nacional. Já com relação aos efeitos diretos da crise, ele faz coro com os empresários do setor agroquímico ao apontar como um problema importante a alta cotação do dólar, que elevou os custos das empresas. As pequenas, sem crédito nem capital de giro, enfrentam um quadro ameaçador: “Quando você vende, fecha o contrato em reais, mas a reposição do estoque é em dólar. Então, para cada quilo de produto em real pagamos 40% a mais”, explica. No entanto, ele considera que o pior irá passar quando as empresas tiverem se reestruturado para lidar com a nova situação.

Ainda em concordância com a indústria de defensivos, o setor farmoquímico teme que a dependência de insumos externos deixe o Brasil mais vulnerável aos efeitos de crises mundiais como a que atravessamos agora. Na opinião de Jean Peter, essa é uma situação inaceitável para um país soberano e em crescimento como o nosso. Ele explica que, no caso de uma crise interna na China ou na Índia, a indústria nacional de medicamentos corre o risco de ter suas atividades interrompidas. Esse risco não é imediato uma vez que há um acúmulo de estoques, mas os efeitos da crise nesses países já se fizeram sentir por aqui. Os fornecedores de matéria-prima estão apertando os prazos para pagamento e a China, que antes concedia 90 dias, agora impõe 30 dias.

O somatório de todos os fatores descritos por Jean Peter resulta em rentabilidade limitada e baixa escala de produção no setor farmoquímico. Ainda assim, ele considera que o país já avançou. “Éramos uma indústria terminal e passamos a emergentes”, afirma, recordando o ressurgimento da indústria após um período em que chegou a ser “dizimada”. As políticas públicas, mesmo que incipientes, prosperam – “uma mudança que veio para ficar”, na opinião do empresário. Para ele, o país está bem posicionado economicamente no cenário internacional, o governo reconhece a necessidade de romper a dependência externa na área de medicamentos e, mediante o uso do poder de compras do Estado, estimula o apetite da indústria doméstica. Para o diretor da Globe, é fundamental que o governo leve essa política mais adiante, pois no setor farmoquímico é necessário “ser muito maior que o mercado brasileiro.”

Por outro lado, apesar de reconhecer os benefícios do plano concebido pelo Ministério da Saúde para desenvolver uma cadeia produtiva de medicamentos no país, Jean Peter afirma que é difícil para os fabricantes de famoquímicos investir em inovação enquanto ainda enfrentam problemas estruturais. “Até hoje nossa empresa sobreviveu com recursos próprios. Estamos fazendo a primeira tentativa de conseguir algum financiamento junto ao BNDES, mas não para inovação e sim para equipar laboratórios. Precisamos de equipamentos modernos, pois nossa meta mais urgente é nos tornarmos mais competitivos. Se não for assim, não adianta inovar.”

Akira Homma, diretor de Bio-Manguinhos – Instituto de Tecnologia em Imunológicos, entende que a indústria farmoquímica nacional já está no caminho do crescimento. Os projetos definidos pelo governo como prioritários antes da crise foram mantidos, com ênfase em estímulos à indústria que tornem possível ampliar o acesso da população a itens essenciais na área da saúde. A incorporação de novas tecnologias e produtos de alto conteúdo tecnológico pelo setor tem permitido ao governo ampliar os programas de imunização para diversas doenças.

Segundo o diretor de Bio-Manguinhos, estudos comprovam que o país tem economizado com a atual política de saúde. Vacinação regular, ampliação do acesso ao tratamento de doenças crônicas de alto custo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e fortalecimento da confiabilidade do sistema de vigilância epidemiológica são alguns dos resultados positivos. Além de garantir a saúde da população, essa recente orientação do governo federal funciona, em sua opinião, como um sinalizador para a indústria farmoquímica privada investir no mercado interno e assim reunir forças para sobreviver à crise.

Numa análise mais ampla da economia mundial, Homma aponta a tendência à retração dos investimentos e à transferência de capital para ativos fixos, além da redução da taxa de crescimento em nível global, especialmente nos países com economia baseada em commodities. O Brasil, para ele, seria uma exceção na América Latina, pois inspira confiança no mercado internacional: “Temos fé em que o Brasil atravesse esta crise com êxito e com menores sobressaltos do que outros países têm vivido, apesar dos ajustes que venham a se fazer necessários. Este momento, como na maioria das crises financeiras, está relacionado à expectativa sobre o futuro da economia mundial. Portanto, o momento não é de retrair, mas de investir no futuro com responsabilidade.”

Homma ressalta que todas as estratégias de desenvolvimento nacionais devem se pautar, cada vez mais, na sustentabilidade: “Precisamos tornar o mundo mais igualitário, com condições de desenvolvimento diante de recursos naturais escassos e problemas ambientais que se agravam de forma acelerada. Independentemente da crise financeira mundial, as necessidades da sociedade têm que ser atendidas, em especial na área da saúde.”

É justamente para buscar o crescimento em meio à crise de maneira sustentável que a EMS, empresa do ramo farmacêutico, está reavaliando suas estratégias, decisões e ações tendo como norte a inovação e a pró-atividade. “Colocamos em prática uma regra: o estímulo às boas idéias e alternativas. A crise não deixa de ser uma oportunidade para buscar o inusitado, o diferente, o incomum, e para concretizar conquistas”, diz a diretora de Relações Externas, Telma Salles. Segundo ela, o objetivo da EMS este ano é “trabalhar sério para manter a liderança do mercado, alcançada com o exercício diário dos valores da empresa: ousadia, simplicidade, excelência e responsabilidade.”

Ao traçar uma análise das questões primordiais a serem equacionadas pelo setor, a diretora da EMS menciona as patentes, as barreiras comerciais, o avanço das pesquisas e dos investimentos internacionais. São antigas dificuldades, cujas soluções ganharão um superior sentido de urgência em 2009, exigindo a aliança entre os setores público e privado. “Esses temas demandam intenso trabalho de nossa parte, além de critério e envolvimento do governo brasileiro.”

Salles tem convicção de que a crise é influenciada por fatores psicológicos, em que pesem os efeitos concretos sobre os negócios. “Percebemos tensão e incerteza em relação ao futuro e ao real impacto dos recentes acontecimentos econômicos. Entretanto, não deixamos de lado o otimismo e a esperança de crescimento da economia brasileira em 2009. Preferimos também acreditar em um bom desempenho do mercado de medicamentos, em especial o de genéricos”, reforça.
Na opinião de Dante Alario Jr., diretor técnico e científico da Biolab Sanus Farmacêutica Ltda, o governo brasileiro deve perder o receio de aplicar medidas que podem ser interpretadas como protecionistas: “Todos os países com clara visão de futuro protegerão ou já estão protegendo seus mercados, população e empresas durante a crise”. Em sua avaliação, embora o governo Lula tenha realizado avanços significativos para o país, ainda há muito a fazer. “A política de inovação não deveria ser um plano de governo e sim de Estado. Não deveríamos ter juros, por mais baixos que fossem. Como a saúde é uma área de risco, o melhor seria estabelecer o pagamento de acordo com o sucesso do projeto.”

Assim como Barone, da Milenia, e Salles, da EMS, Alario se mantém otimista em meio à crise, considerando que o mais importante no momento é confiar na estabilidade econômica alcançada pelo Brasil nos últimos anos. “Se baixarmos a cabeça e não tomarmos as providências necessárias, sem dúvida nos tornaremos mais vulneráveis”, exorta. “Não estamos imunes, mas certamente nos encontramos em melhor posição do que nos governos passados”. Apesar das dificuldades momentâneas, o mercado não se fechou e há espaço para crescimento no futuro se as empresas se adequarem ao novo cenário. A crise será também, para Alario, “o demarcador de uma nova era, em que o posicionamento das nações se norteará ainda mais fortemente pela inovação tecnológica.”

No setor de fitoterápicos, a vice-presidente do Laboratório Simões Ltda, Poliana Silva, indica que o principal entrave está no alto custo e no longo tempo de duração dos testes exigidos para a obtenção do registro de medicamentos novos e revalidações, o que gera uma barreira para muitas companhias do setor. “Empresas de pequeno e médio portes, atuantes há mais de 30 anos, têm se deparado com essa dificuldade e vêem suas possibilidades se restringirem à revalidação dos registros de apenas 30% ou 35% do total de seu mix de produtos”. Além disso, segundo ela, a necessidade de elevadas somas de capital para a promoção desses produtos inibe as pequenas empresas e abre espaço para as grandes transnacionais dominarem o mercado.

Parcerias público-privadas em prol da indústria

O assessor especial do presidente da Petrobras S.A., Vivaldo Barbosa, confirma que a empresa, junto com outras do setor petroquímico e os Ministérios da Saúde e da Agricultura, prossegue em seus estudos para a produção de intermediários de síntese da cadeia que vai dos petroquímicos básicos aos farmoquímicos e agroquímicos. Segundo ele, mesmo com a crise, o projeto será mantido por seu caráter estratégico e pelo apoio de diferentes áreas do governo, o que “certamente dará importante impulso à química fina, que poderá se tornar em pujante setor da indústria química nacional.”

A Fábrica Carioca de Catalisadores (FCCSA) é um bom exemplo do sucesso e dos benefícios da parceria mencionada por Barbosa. Segundo o diretor superintendente da empresa, Edson Kleiber de Castilho, a FCCSA foi pouco afetada pela crise. Único fabricante de catalisadores para craqueamento de petróleo na América do Sul, tem como principais clientes as refinarias da Petrobras, mas também conta em seu portifólio com a maioria das refinarias do continente e de Cuba.

A empresa dispõe de uma equipe técnica de alto nível que desenvolve produtos em conjunto com pesquisadores da Petrobras e recebe consultoria permanente dos técnicos da acionista Albemarle Corporation – um dos principais players mundiais na tecnologia de catalisadores. “Nossa equipe interage continuamente com a Petrobras e os clientes da América do Sul, testando e desenvolvendo novas alternativas de catalisadores que atendam às demandas de mercado em termos de qualidade, rentabilidade e vantagens ambientais”, afirma Castilho.

Os intermediários químicos, por constituírem a base para a produção de medicamentos, defensivos e outros insumos agrícolas, entre suas inúmeras aplicações industriais, na opinião de Vivaldo Barbosa merecem tratamento diferenciado por parte do governo, até porque podem contribuir para minimizar o impacto da crise mundial. “Os recursos financeiros que o governo brasileiro demonstra dispor e que pretende utilizar devem ser alocados prioritariamente em setores estratégicos como o da química fina. O país não pode prescindir do desenvolvimento deste segmento nem permitir que ele seja limitado pelos reflexos desta crise mundial”.

Para Barbosa, a pior conseqüência da crise em todos os setores da economia é o desemprego, que, por implicar também em retração do consumo, cria um círculo vicioso: as empresas sofrem redução de faturamento devido à queda do poder aquisitivo da população, que é um reflexo do desemprego, e acabam demitindo mais gente para compensar as perdas decorrentes da queda das vendas. O assessor da Petrobras destaca que, além das demissões, observa-se hoje uma tendência a restrições de direitos trabalhistas e achatamento salarial, o que diminuirá ainda mais o poder de compra da população, aumentando ou prolongando a crise.
Barbosa ressalta que as empresas também têm um papel social no esforço do país para contornar os efeitos da crise. “Se mantiverem o quadro de empregos a crise será enfrentada e superada. Serão necessários ajuda e recursos para manter o capital de giro, mas as empresas estarão assegurando o que é fundamental nesta hora: o poder aquisitivo da população. Certamente terão o apoio do governo e o indispensável respaldo moral de toda a nação.”

No setor de química fina, de maneira geral, a crise serviu para confirmar que medidas governamentais adotadas recentemente estavam no caminho certo, na opinião de Richard Kessedjian, diretor da Alfa Rio Química Ltda. Para ele, são pontos positivos e representam um avanço para o setor a mudança na política de importação, que proporcionou isonomia tributária aos fornecedores nacionais, os programas de incentivo à inovação tecnológica e os estudos para viabilizar a verticalização da produção de insumos farmoquímicos, entre outros.

“A indústria nacional voltou a ser valorizada e a reestruturação atual incentivará investimentos no parque fabril, nos laboratórios e em tecnologia”. Para que a economia não retroceda com a crise, Kessedjian sugere, a exemplo de outros empresários e executivos, que o setor mantenha o ânimo, apostando na superação desta fase. “É importante estarmos atentos para não nos deixar contagiar pelo pessimismo das expectativas relacionadas à crise internacional e evitar que elas produzam efeitos locais.”

Segundo o diretor da Alfa Rio, parte do mercado pode preferir a percepção do lado negativo da crise, enxergando somente as demissões em massa, restrições ao crédito, encolhimento das economias exportadoras, queda do consumo em geral e quebra de grandes corporações no mundo. Os mais pessimistas podem se restringir a considerar medidas como a flexibilização das leis trabalhistas e a redução de carga horária e de salários. Mas, apesar de não negar a existência de tal cenário, Kessedjian evita uma visão alarmista dos fatos e aposta no futuro. Ele acredita que o país conseguirá reverter os problemas gerados pela crise em um novo modelo econômico mais benéfico. Para enfrentar as dificuldades do momento, ele destaca a necessidade da redução dos juros e da ampliação dos prazos de pagamento.

A crise não afetou os planos de investimentos da Oxiteno S.A. Indústria e Comércio. Segundo seu coordenador de Assuntos Corporativos, Fábio Tescari, no segundo semestre de 2008 a empresa concluiu importantes projetos de expansão, incluindo o início da operação de uma unidade oleoquímica com capacidade para produzir aproximadamente 95 mil toneladas de álcoois graxos, ácidos graxos e glicerina. Além disso, a Oxiteno ampliou sua unidade de óxido de eteno em Mauá, acrescentando 38 mil toneladas à capacidade produtiva, e as unidades de etoxilados e etanolaminas em Camaçari, aumentando a produção em 120 mil toneladas. “Estas ampliações tiveram o objetivo de atender à indústria brasileira, que vinha apresentando crescimento sustentável nos últimos anos”, explica.

No atual cenário, Tescari recomenda que o governo fique em alerta para evitar o descontrole da balança comercial do setor químico. Em 2008, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) as importações brasileiras de produtos químicos registraram a marca recorde de US$ 35,1 bilhões, um crescimento de 46,6% em relação a 2007. Enquanto isso as exportações cresceram apenas 11,3%, somando US$ 11,9 bilhões. O executivo da Oxiteno adverte para o risco de aumento desse desequilíbrio: “É de fundamental importância que o governo federal seja ágil na identificação dos problemas e na tomada de medidas eficientes no combate a práticas desleais de comércio exterior, já que a forte retração da demanda nos mercados internacionais expõe a indústria brasileira a um maior risco de sofrer concorrência acirrada de produtos excedentes”.

Ao contrário de Barone, da Milenia, o diretor presidente da Inpal S.A. Indústrias Químicas, Manoel Zauberman, acredita que a indústria têxtil, compradora de produtos da química fina, não sofrerá com a crise. Segundo ele, “o forte desse segmento é o mercado interno”, que absorve 95% da produção nacional. Há alguns anos, desde o Plano Collor, a China começou a invadir o mercado mundial com seus tecidos e a indústria brasileira, antes referência internacional, não teve condições de competir, comprometida que já estava pelo peso dos encargos tributário e trabalhista e pela sobrevalorização do real. Assim, direcionou sua estratégia para “dentro de casa”. Zauberman conta que grandes marcas exportadoras tiveram suas vendas externas drasticamente reduzidas em função da política cambial.

O presidente da Inpal garante que a empresa está preparada para a eventualidade de um crescimento da demanda do setor têxtil e, principalmente, para dar conta da tendência de diferenciação dos tecidos de acordo com o que se convencionou chamar de “acabamentos performáticos”. Pioneira no segmento, a Inpal mantém parceria com o Senai/Cetiqt para inovar constantemente em seus produtos, oferecendo à indústria têxtil soluções tecnológicas que atendam às novas necessidades e demandas, tais como os tecidos sintéticos que oferecem o conforto do algodão graças a produtos que dão maior porosidade às fibras sintéticas.

Há 50 anos no mercado, a Inpal é, segundo Zauberman, a única sobrevivente do seu segmento no estado do Rio de Janeiro e exporta para países da América Latina como Argentina e Equador. “O peso das exportações ainda é pequeno, principalmente por causa do câmbio. Mas algumas oportunidades devem surgir brevemente para outros países, agora que o dólar está 20% ou 30% acima dos patamares dos últimos anos. Então, temos a chance de nos tornar competitivos no mercado externo”. O país já tem vantagens nessa corrida pela conquista do mercado. Com uma indústria têxtil reconhecida pelo seu padrão de qualidade internacional e consolidada no mercado doméstico, fica comprovada, por extensão, a qualidade da indústria química que a abastece.

O diretor presidente da Inpal afirma que, independentemente de cenários positivos ou negativos, o segmento está se movimentando, com o apoio da ABIFINA, para defender de forma mais agressiva junto ao governo a preferência para a indústria nacional. Ele lembra que no ano passado as fardas das Forças Armadas brasileiras foram todas feitas com tecidos chineses e se mostra disposto a trabalhar pela mudança desse quadro. “Já estamos em contato com o Exército para que nas próximas concorrências considere a isonomia tributária”, um fator que, quando negligenciado, favorece os fornecedores estrangeiros em detrimento dos nacionais.
Se as expectativas de revitalização do setor da indústria de química fina se concretizarem, o país terá virado uma importante página de sua história econômica, deixando para trás um ciclo de sucateamento de indústrias de alto valor agregado que, se tivessem sido adequadamente estimuladas em vez de sucateadas por uma irresponsável liberalização de importações, hoje estariam contribuindo decisivamente para o equilíbrio da balança comercial. Agora é que iremos ver se o governo brasileiro aprendeu com os erros cometidos nas duas últimas décadas.

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