REVISTA FACTO
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Nov-Dez 2008 • ANO II • ISSN 2623-1177
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//Matérias

A ausência de maturidade - o caso da reavaliação de agrotóxico

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa foi criada em 26 de janeiro de 1999 tendo como missão “proteger e promover a saúde da população garantindo a segurança sanitária de produtos e serviços e participando da construção de seu acesso”.

É indiscutível a importância da existência de uma Agência com as finalidades institucionais e organizacionais atribuídas à Anvisa. Seria em última análise a garantia de que a sociedade em seu conjunto teria um marco regulatório sanitário moderno e uma equipe de profissionais capacitada para seu exercício.

A ampliação das relações entre os países trouxe como conseqüência um intenso trânsito de pessoas e mercadorias que implicou na necessidade da harmonização das legislações nacionais e na aplicação de medidas respeitadas as características econômicas, sociais, ambientais e culturais de cada nação, significando em essência, que as recomendações de medidas sanitárias em fóruns ou organismos internacionais não são necessariamente auto-aplicáveis.

Esse entendimento demanda experiência e conhecimento que possam gerar a segurança necessária para expor ao país as razões pelas quais determinados procedimentos ou recomendações não foram adotados internamente, pois fatalmente as pressões oriundas de diferentes organizações públicas e privadas se farão sentir sob diversas formas, inclusive as judiciais.

A despeito do reconhecido valor e relevante significado das ações da Anvisa em matérias voltadas para fármacos e medicamentos, observa-se que na coordenação responsável pelos agrotóxicos, a temática é objeto de apaixonadas discussões com variadas abordagens, nem sempre a técnica. É aceitável, não recomendável, que em eventos conduzidos por organizações não-governamentais, objetivando discutir questões relacionadas aos agrotóxicos, o conteúdo dos debates seja desprovido de caráter científico. Porém, nunca dentro de uma Agência que tem sob sua responsabilidade, entre outras conseqüências, a correta informação à sociedade.

Ainda no contexto institucional, a Anvisa definiu os seguintes valores: (1) conhecimento como fonte da ação; (2) transparência; (3) cooperação; (4) responsabilização.

Em particular, mas não apenas referente a este assunto, a reavaliação de agrotóxicos no âmbito da respectiva área responsável dentro da Anvisa por sua realização assumiu um caráter desproporcional ao assunto e eivado de vieses dos mais diferentes matizes, mas todos em oposição à missão e aos valores da organização.

No dia 25 de fevereiro de 2008, a Anvisa publicou a Resolução de Diretoria Colegiada 10/2008, determinando a reavaliação dos aspectos toxicológicos de diferentes ingredientes ativos. O setor produtivo entendeu que a referida RDC não oferecia as condições para a aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Visando sanar essas irregularidades o setor privado solicitou à esfera judicial que fossem as reavaliações suspensas até o momento em que tais distorções estivessem sanadas. A justiça concedeu a proteção solicitada.

Inconformadas, as lideranças da área de toxicologia da Anvisa deram início a um perigoso e inconseqüente trabalho de mobilizar entidades e a imprensa com a mensagem caluniosa de que a indústria não desejava a reavaliação, pois tal prática significava a perda de produtos e em conseqüência de mercados e lucro.

Acrescentou a seus argumentos que vários países já haviam banido vários dos produtos que se encontravam na relação das substâncias que iriam ser reavaliadas e que esses produtos estavam sendo importados em volumes crescentes para aproveitar do fato de que seus preços estariam mais favoráveis em relação aos valores anteriormente praticados.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em uma atitude coerente com suas atribuições, e com amplo respaldo na realidade internacionalmente conhecida, se opôs ao comportamento da Anvisa, considerando, também, que a sistemática de reavaliação havia alijado este ministério e o Ibama do processo prévio do exame dos dossiês que seriam apresentados pelas empresas. Essa oposição do Mapa levou a discussão de um tema, cuja principal característica é o seu componente técnico, para a esfera de uma disputa entre um órgão público (Mapa) e uma agência governamental (Anvisa).

Fica evidente pela forma que a matéria foi tratada pela Coordenação Geral de Toxicologia da Anvisa que o objetivo era restringir ao máximo o uso dos produtos sob reavaliação ou mesmo seu banimento. Lamentável era o escopo do discurso e a falta de fundamentação científica para tratar esse complexo assunto.

Em matéria publicada em periódico de ampla circulação, a responsável pelo setor de Normatização e Avaliação da Coordenação Geral de Toxicologia da Anvisa afirma que “a falta de reavaliação é uma ameaça à saúde dos agricultores e dos consumidores. É uma situação que coloca a população em riscos inaceitáveis. São produtos que são usados em toneladas por agricultores. Alguns desses produtos são extremamente tóxicos e podem matar com pequenas quantidades. E é um risco coletivo que atinge muitas pessoas que você não consegue identificar quem são. A decisão da justiça é preocupante e nos torna impotentes”.

Essa situação, pela forma terrorista como foi relatada e divulgada, impunha a adoção de uma série de medidas emergenciais sob pena de ocasionar um dano irreparável, a não ser pelo fato de expressar um ponto de vista carente de qualquer respaldo técnico, ou falso.

Inicialmente vale mencionar que a decisão da justiça suspende a reavaliação de substâncias que estavam programadas para ocorrer durante o ano de 2008. A RDC que determina a efetivação das reavaliações a serem realizadas foi publicada em fevereiro e o ato da justiça suspendendo seus efeitos foi proclamado em agosto. Os produtos objetos da reavaliação têm registros e alguns deles já foram reavaliados em anos recentes. Em geral são produtos antigos, conhecidos quanto às suas respectivas periculosidades e sem que novos dados tenham sido acrescentados quanto aos seus aspectos toxicológicos.

A grande questão que se impõe discutir é porque, repentinamente, os produtos agroquímicos indicados para a reavaliação tornaram-se tão perniciosos para os agricultores e os consumidores. Que informação nova a Anvisa dispõe para indicar que os referidos produtos representam um risco coletivo? Por que a Anvisa, conhecendo a importância e o significado dessa ameaça, não adotou procedimentos anteriores, deixando a sociedade exposta e contrariando a própria missão da organização?

São duas as considerações e ambas gravíssimas: (1) a Anvisa detém informações toxicológicas que implicam risco e não adotou as medidas necessárias para eliminar seus efeitos; (2) a Anvisa adotou um discurso exacerbado e contraproducente, desinformando a sociedade, contrariando seus valores, com o fito único de denunciar um direito adquirido pelo setor privado junto a uma instância judicial.

Fica agravada essa situação quando se observa que vários dos produtos agroquímicos suspeitos de causar danos têm, junto ao segmento da pesquisa agrícola, uma avaliação muito positiva não apenas em decorrência da eficácia agronômica que expressam, mas basicamente porque têm demonstrado baixo índice de resíduos e auxiliado na implantação dos programas de Manejo Integrado de Pragas.

Após todo o debate que se verificou através da imprensa a Anvisa entendeu que a nova RDC atenderia à exigência para a revisão da decisão do judiciário e assim publicou um novo ato que foi considerado satisfatório pela instância judicial, mas ainda não atendeu aos reclamos do setor privado. Significa dizer que a Agência está capacitada a retornar as reavaliações.

Novamente a direção da Agência surpreende o mercado ao publicar nova RDC em 14 de novembro suspendendo todos os procedimentos administrativos que visem à concessão de informe de avaliação toxicológica, registro de agrotóxicos e de outros produtos e afins dos ingredientes ativos em reavaliação.

Surpreende essa decisão, pois está assentada em recomendação da Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal e no Princípio da Precaução como forma de justificar a adoção de postura cautelosa, mesmo que a extensão total do possível dano ainda não tenha sido determinada cientificamente, quando uma atividade apresente possibilidade de prejudicar a saúde humana e/ou o meio ambiente.

Sustentado por duas razões obviamente discutíveis, tanto do ponto de vista legal quanto do técnico, a Anvisa cerceou o direito de diferentes empresas poderem produzir, formular, importar, exportar e comercializar diferentes produtos com danos econômicos diretos para as empresas e para os agricultores.

O Ministério Público deveria ser informado que sua Recomendação não tem amparo na legislação, pois não existe na lei de agrotóxico e nos decretos que a regulamentam a figura de suspensão do ato de conceder o informe toxicológico enquanto o produto estiver sob processo de reavaliação ou sob qualquer outra circunstância a não ser quando comprovadamente o produto não preencha os requisitos toxicológicos para receber o respectivo registro.

O Princípio da Precaução, conceito adotado para questões ambientais, não deveria de forma alguma ser aplicada a esse caso, pois os produtos com os mesmos ingredientes ativos continuam no mercado sem nenhuma restrição. Significa dizer que somente o produto que pretende entrar no mercado causa dano à saúde humana e/ou ao meio ambiente, mesmo que a extensão total do possível dano ainda não tenha sido determinada cientificamente, e aquele que se encontra no mercado pode continuar sendo comercializado. Nesse caso estaria a Anvisa patrocinando uma reserva de mercado, sem prazo.

Esse quadro de absurdos chegou a esse ponto fundamentalmente em razão do tratamento destituído de elementos técnico-científicos, de desprezo ao entendimento e da arrogância institucional desenvolvida pela área de toxicologia da Agência. E isso se torna ainda mais chocante quando se verifica o trabalho altamente qualificado desenvolvido pela presidência da Anvisa junto aos diretores que cuidam da regulação sanitária de fármacos e medicamentos, conforme a ABIFINA vem reconhecendo, inclusive em edições de sua revista FACTO ABIFINA.

Luiz Cesar A. Guedes
Luiz Cesar A. Guedes
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