REVISTA FACTO
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Jul-Ago 2008 • ANO II • ISSN 2623-1177
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A evolução recente do Sistema Internacional de Patentes
//Editorial

A evolução recente do Sistema Internacional de Patentes

A adoção do acordo TRIPS pela Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1995, mudou radicalmente a estrutura do sistema internacional de proteção à propriedade intelectual. O estabelecimento de um nível mínimo de proteção obrigatório para todos os países-membros da OMC e a adoção de sanções alcançando os países infratores alterou profundamente as regras a que os diversos países estavam submetidos sob o sistema da União da Convenção de Paris, administrado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). Os países em desenvolvimento viram sua liberdade de adotar legislações nacionais adequadas ao seu nível de desenvolvimento, severamente restringidas.

Até o advento de TRIPS, as discussões a respeito de propriedade intelectual estavam restritas a um seleto grupo de especialistas, raramente interessando a atores de outras áreas que não a jurídica e a das relações internacionais e muito menos ao público em geral.  Os problemas gerados pela adoção de TRIPS jogaram as questões relativas à propriedade intelectual para as primeiras páginas dos jornais e começaram a envolver na discussão não apenas juristas especializados, mas também sociólogos, economistas, cientistas sociais, sanitaristas e políticos dos mais diferentes matizes. Propriedade intelectual deixou de ser discutida em si mesma, na esfera restrita do incentivo à inovação, do prêmio ao inventor. Passou a ser discutida pelos efeitos que causa na saúde pública, na segurança alimentar, na disseminação do conhecimento, nas tensões com o meio ambiente e com a biodiversidade, na apropriação desigual de conhecimentos tradicionais e, sobretudo, nas perspectivas de desenvolvimento dos países mais pobres e mais atrasados.

Esta multiplicidade de efeitos trouxe para a arena de discussões sobre PI um leque diferenciado de atores. Até TRIPS, as discussões sobre a regulação internacional de direitos sobre propriedade intelectual ficavam centralizadas na OMPI, através das representações dos países-membros. Com TRIPS a OMC passa a ocupar um lugar central nas discussões, centralidade que cada vez mais vem sendo contestada por um número importante de outros atores, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), e inúmeras outras agências da ONU como a Unesco e a Unctad, por exemplo. Em todos estes foros de discussão é intensa a atuação de organizações não-governamentais e associações industriais dos mais diferentes ramos da indústria. Esta multiplicidade de atores, com objetivos nem sempre convergentes, tem gerado uma intensa polêmica sobre a adequação do sistema como hoje estabelecido e coloca sérias dúvidas sobre a possibilidade de uma evolução coerente do mesmo, capaz de garantir o desejado equilíbrio entre suas vantagens dinâmicas e desvantagens estáticas, para todos os parceiros.

Sob a égide da OMC e sob as regras de TRIPS, as questões de comércio ganharam relevo e os detentores de patentes ganharam um reforço considerável em seus direitos e nos meios para obrigar terceiros ao seu reconhecimento. As questões sociais perderam importância diante das questões econômicas e a possibilidade do desenvolvimento foi colocada em xeque. Vários estudos identificaram o problema, entre eles o relatório da Comissão sobre Direitos de Propriedade Intelectual (IPR Comission) encomendado pelo governo da Inglaterra e divulgado em setembro de 2002. A preocupação com a possibilidade do desenvolvimento não foi a única conseqüência negativa da adoção de TRIPS. O reforço dos direitos de propriedade intelectual é também motivo de preocupação em face de um possível desestímulo ao processo de inovação, como ficou evidenciado pelo relatório divulgado, em setembro de 2003, pela Federal Trade Comission (FTC) dos EUA e, mais ainda, pelo Relatório do National Research Council da National Academy of Sciences dos EUA, publicado em 2004.

A Declaração de Doha foi um marco na reação aos desequilíbrios causados por TRIPS. Com base nela, a OMS criou uma comissão para estudar os problemas na atenção à saúde causados por TRIPS e, em maio último, a Assembléia Geral da OMS aprovou um importante documento em que muda a forma de pensar sobre inovação e acesso a medicamentos.

Foi, provavelmente, a percepção destas mudanças e destas ameaças que levou um grupo de países em desenvolvimento, liderados por Brasil e Argentina, a apresentar na OMPI uma Agenda para o Desenvolvimento, numa tentativa, até aqui bem-sucedida, de reequilibrar os pratos da balança, trazendo a questão do desenvolvimento de volta ao centro das discussões.

Todas estas questões têm tornado a propriedade intelectual e sua regulação internacional num dos assuntos mais discutidos nos últimos anos e um dos campos mais dinâmicos da legislação internacional. Além dos grandes tratados multilaterais específicos, como a CUP e TRIPS, propriedade intelectual e sua aplicação são objeto de inúmeros tratados regionais e bilaterais. Estes últimos, em sua maioria assinados entre países desenvolvidos, sobretudo pelos EUA, e países em desenvolvimento, contêm cláusulas que vão muito além das condições mínimas exigidas por TRIPS e que, por isso mesmo, representam uma séria ameaça à viabilidade do desenvolvimento.

As tentativas de reforçar ainda mais os direitos de propriedade intelectual não se esgotam nos tratados bilaterais. Está em curso uma tentativa de envolver a Organização Aduaneira Mundial, WCO na sigla em inglês, na questão sob o argumento de combate à falsificação e à “pirataria”, tentando colocar a fiscalização aduaneira como mais um ponto de reforço aos direitos de propriedade intelectual. Além disso, sob os auspícios do United States Trade Representative cogita-se da criação de um novo tratado internacional, o Anti-Counterfeiting Trade Agreement, ACTA, que, sob o pretexto de combater a falsificação de produtos, que é um problema de marca, procura envolver a questão patentária.

Através da realização de seminários internacionais em que traz ao Brasil eminentes personalidades atuantes no cenário internacional da propriedade intelectual, a ABIFINA tem procurado colocar o grande público brasileiro a par da evolução mundial do sistema, seus problemas, ameaças e oportunidades. Neste terceiro seminário realizado com o tema geral da evolução recente do sistema internacional de patentes sob a perspectiva do desenvolvimento foram organizadas três sessões cobrindo respectivamente os aspectos econômicos, jurídicos e sociais do sistema de propriedade industrial.

O Brasil ocupa, no plano internacional, uma posição de destaque defendendo com firmeza e equilíbrio o direito dos países menos desenvolvidos a aspirarem um futuro melhor para seus povos. É preciso que no plano interno suas diretrizes não sigam caminho diverso, aceitando incluir no regime legal brasileiro de propriedade intelectual condições mais abrangentes de proteção do que aquelas que com que se comprometeu em seus compromissos internacionais e que possam se constituir em entraves ao processo de inovação e de desenvolvimento nacional. A Constituição brasileira prevê explicitamente a concessão de proteção aos inventores, mas a condiciona formalmente ao interesse social e ao desenvolvimento tecnológico do país, condicionantes que não se deve nunca perder de vista.

Marcos Oliveira
Marcos Oliveira
Membro do Conselho Consultivo da ABIFINA.
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