Como é sabido, empresas internacionais detentoras de patentes vêm buscando, em nível mundial, ampliar os direitos proprietários que possuem para além daqueles fixados pela lei nacional de cada país. Com esse enfoque, seus objetivos no Brasil passaram a ser alterar decisões administrativas corretamente dadas pelo INPI, contando com uma falta de especialização do Poder Judiciário nessa área.
Inicialmente, o Poder Judiciário, ainda não devidamente alertado para o significado econômico-social de uma patente industrial, passou a proferir decisões sob o enfoque exclusivo do direito privado – desatendendo em muitas situações relevantes interesses do consumidor – por exclusiva falta de informações.
Nesse cenário, em março de 2006, a ABIFINA decidiu levar seu suporte técnico às ações judiciais promovidas pelos titulares de patentes, aportando informações de natureza técnica, econômica e comercial, fazendo-as chegar, caso a caso, em processos nos quais a ABIFINA solicitava ingresso na qualidade de amicus curiae.
No início encontramos algumas dificuldades para a aceitação da posição pleiteada pela ABIFINA, visto que ela é uma entidade de caráter empresarial. Com o passar do tempo, no entanto, a ABIFINA passou a ser vista e apreciada como uma entidade séria, eticamente correta, desejosa tão-somente de contribuir para o alcance de decisões mais justas para o consumidor, levando em conta os interesses da sociedade brasileira e sem ferir a lei nacional.
Em síntese, podemos registrar com orgulho que, das treze decisões acerca da participação da ABIFINA na qualidade de amicus curiae ocorridas nestes dois anos em que vimos atuando nessa área judicial, 11 delas foram pela admissibilidade, conforme pode ser observado no gráfico a seguir.
Deve-se destacar, ainda, que nas duas decisões que a ABIFINA não foi plenamente admitida, a tese da participação da ABIFINA foi acolhida em parte nos pleitos autorais julgados improcedentes. É interessante ressaltar que antes do projeto com intervenções da ABIFINA nos processos judiciais como amicus curiae, não temos notícia de qualquer outra admissão de amicus curiae espontâneo no TRF-2.
A ABIFINA foi admitida a se manifestar em feitos tangenciando “abandono simples”, “SPC”, “Continuation”, “Patentes Anteriores a 1995” e casos tratando da aplicação do parágrafo único do artigo 40 da LPI.
Para ilustrar tais procedimentos, podemos destacar no contesto dessas decisões um conceito emitido por magistrada da 37a Vara Federal: “assim, dentro de uma perspectiva democrática, plural e aberta da interpretação constitucional, e sendo a ABIFINA uma entidade classista de âmbito nacional, representante de grandes e médias indústrias que atuam na área da química fina, em especial farmoquímica, farmacêutica e agroquímica, trazendo ao juízo elementos fáticos de suma importância para o deslinde da causa, entendo plenamente possível a sua intervenção como amicus curiae no feito, pelo que ora a admito”.
Em outra recente decisão nesse sentido, magistrado da 38ª Vara Federal, registrou nos autos do processo: “Por conseguinte, não se pode deixar de ter em mente que as necessidades sociais (…) devem ser sempre levadas em consideração quando da interpretação da lei, até porque os direitos originados das patentes têm natureza de bem móvel (art. 5o da Lei 9.279/96), apresentando-se como direito de propriedade, tendo, assim, sua legitimidade mitigada pela função social, conforme expressa determinação constitucional (art. 5o, XXIII, CF/88) (…) Defiro, portanto, o ingresso da ABIFINA como amicus curiae.”
Convergindo para esse entendimento, nos autos da Apelação em Mandado de Segurança perante a 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal – 2ª Região, a ABIFINA também foi admitida – monocraticamente – a se manifestar como amicus curiae, pela seguinte razão: “Entendo que a admissão da ABIFINA na qualidade de terceiro interessado contribui para a discussão de interesse público posta nos autos (…).”
Nesse mesmo diapasão, a ABIFINA foi também admitida nos autos de processo de apelação, por decisão do Colegiado votante da 2ª Turma Especializada, na qual restou destacado: “é inegável que a ABIFINA (…) é entidade classista de âmbito nacional, representante de grandes e médias indústrias instaladas no Brasil, que atuam na área de química fina, em especial farmoquímica, farmacêutica e agroquímica, dedicadas à fabricação de produtos e compostos para esse setor por síntese química ou por via biotecnológica, motivo porque é evidente a sua representatividade em classe profissional que suportará, indubitavelmente, as conseqüências da solução dada à causa. Também é incontestável a relevância social da matéria versada nos autos, pois, além de se tratar de revalidação no Brasil de patente estrangeira referente a medicamento, não se pode ignorar o interesse público inerente às criações industriais (inciso XXIX do artigo 5º da Constituição da República), cuja proteção, como se sabe, é exceção à regra de que permaneçam em domínio público, pois tal privilégio é sempre deferido por prazo limitado e se submete à observância de diversos requisitos”.
A 1ª Turma Especializada também admitiu a ABIFINA como amicus curiae, nos autos de diversas apelações. Aliás, como bem consignou a Desembargadora Relatora em um desses processos: “Assim, em face das peculiaridades da hipótese e tendo em vista a douta exposição do patrono da ABIFINA, demonstrando o interesse público envolvido, pontualmente e se os demais componentes da Turma concordarem com tal posição da permanência da ABIFINA no feito, como ‘amicus curiae’, não apresento obstáculo, por ter havido efetiva contribuição de fato e de direito, para o julgamento da causa”.
Em decisão oriunda da 1ª Seção Especializada do TRF-2, nos autos de Ação Rescisória de dezembro de 2007, foi consignado: “admito o pronunciamento dessa associação no feito como amicus curiae, por entender que é entidade apta a cumprir com o principal objetivo da presença dessa figura no processo que é o de informar ao Tribunal os efeitos econômicos e sociais da solução que será dada à causa”.
Em Apelação Civil nessa mesma época foi registrado: “Nesse sentido, entendo que a admissão da ABIFINA na qualidade de terceiro interessado contribui para a discussão de interesse público posta nos autos, qual seja, a possibilidade de extensão de prazo das patentes pipeline.”
Deve ser especialmente destacado que o próprio Ministério Público Federal, antes avesso à presença de terceiros em processos com entes públicos, vem opinando pela admissão da ABIFINA, como ilustrado pela Procuradora Regional da República, Mônica Ré, nos autos da Apelação em Mandado de Segurança (caso: produto agroquímico Bifentrina): “Desta forma, admissível a intervenção da entidade classista de âmbito nacional neste feito na qualidade de amicus curiae, tendo em vista o seu comprovado caráter de representante do setor produtivo em questão, tornando-se imperiosa sua contribuição na proteção de interesses coletivos relevantes, em analogia ao estabelecido no artigo 7º, §2º, da Lei nº 9.868/99…”
Conforme o exposto nos gráficos a seguir apresentados, como regra, tínhamos um quadro extremamente desfavorável nas decisões sobre prazo de patentes (TRIPS e pipeline) até 2006. A atuação do INPI quase sempre resultava sucumbência, e as empresas estrangeiras conseguiam ampliar o prazo final de vigência de suas patentes. A partir de 2006, ano em que a ABIFINA implantou o projeto de atuação no judiciário, tivemos 84,6% (das 13 decisões tomadas, 11 delas admitiram e elogiaram a ABIFINA) de aceitação direta da participação da ABIFINA nos processos, estivemos presentes em 100% das sessões de julgamentos no Tribunal Regional Federal (despachando com magistrados, oralmente e entregando memoriais), de modo a garantir a voz da indústria farmoquímica, farmacêutica e agroquímica.
Como se vê nos gráficos apresentados, houve uma franca recuperação dos interesses nacionais que vinham sendo desconhecidos em decisões anteriores ao ingresso da ABIFINA como amicus curiae. Hoje, em cerca de 90% das vezes as decisões são a favor do domínio público e não concedem maiores dilatações dos prazos de patente.