REVISTA FACTO
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Mai-Jun 2008 • ANO II • ISSN 2623-1177
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//Editorial

Crise dos alimentos: papel da agricultura

É necessário, neste momento, em que o mundo enfrenta um sério problema de alta persistente nos preços dos produtos agrícolas, compreender o efetivo papel que o Brasil pode desempenhar neste contexto.

Diferentes analistas têm explicado esse crescimento de preços pelo forte aumento da demanda por produtos agrícolas associado a alguns choques de oferta em determinados países, com conseqüências sobre os estoques.

Outra vertente reconhece que a humanidade está comendo mais e melhor há alguns anos, porém que a entrada de milhões de consumidores no mercado não produziu alta de preços. Jamais a taxa de crescimento do consumo de alimentos superou o crescimento da oferta de alimentos. O grande salto nos preços ocorreu quando o Congresso americano aprovou em 2005 a Lei de Bionergia, cujo ambicioso programa prevê, num prazo muito curto, até 2012, produzir 28 bilhões de litros de etanol de milho.

No ano de 2007, o uso de milho para etanol nos Estados Unidos foi de 81 milhões de toneladas, que não vieram do aumento da produção, mas dos estoques. Para se entender o significado daquele número o Brasil prevê para a safra 2007/8 a produção de 53,4 milhões de toneladas de milho.

Com a disparada dos preços do milho a área dessa cultura, naquele país, aumentou com reflexos na redução da área plantada de soja e algodão. Como decorrência os preços da soja e do milho sofrem grandes variações em suas cotações, em tonelada. A primeira estava custando
US$ 223 em 2005, passou para US$ 316, em 2007 e a projeção para 2008 é de US$ 479. A segunda saltou de US$ 82, em 2006 para US$ 212, em 2008.

O trigo, que na Europa é álcool, passou de US$ 117, em 2005 para expectativas, em 2008, da ordem de US$ 389. A canola e o girassol apresentam o mesmo comportamento no mercado internacional.

Obviamente que esse quadro é preocupante em razão de seus efeitos sobre os países e populações mais pobres, principalmente quando associado ao grave aumento do preço do petróleo. No entanto, não é possível desconhecer seu significado como oportunidade para a agricultura do país, com impactos em toda a
cadeia produtiva.

Por outro lado é necessário ressaltar que nesse ambiente é perigoso que o Brasil assuma uma postura política na questão da oferta de alimentos, considerando que sua capacidade relativa de participar do mercado mundial é pequena e nossa agricultura não determina preços no mercado internacional. Deve ser lembrado que nos países ricos o custo dos alimentos é muito marginal em termos de renda, tornando inócuas propostas que impliquem redução dos programas de biodiesel sustentados em grãos e de subsídios que distorcem as regras de mercado. Outros serão os caminhos a serem trilhados.

A oportunidade que agora se revela deve ser aproveitada na adoção de medidas de curto e médio prazos cujos efeitos tenham por objeto aumentar a produtividade do setor e a eficiência da cadeia produtiva antes e depois da porteira, com impactos diretos sobre a renda e a competitividade dos produtores.

É necessário lembrar que o desenvolvimento da agricultura brasileira nas últimas décadas esteve fortemente relacionado aos ganhos de produtividade num contexto de fortes mudanças no ambiente institucional. Entre eles a abertura comercial, o Tratado de Assunção, a valorização do real frente ao dólar, particularmente após a adoção do câmbio flutuante, e as mudanças no sistema nacional de crédito rural tiveram fortes impactos no setor e obrigaram aos produtores que permaneceram na atividade a investir em tecnologia e escala de produção. Estudos realizados deixam evidentes que durante um longo período, 1975 a 2002, por exemplo, o índice de produtos cresceu 160,66% enquanto o índice de insumos aumentou 21,22%, demonstrando o relevante trabalho feito pelos agricultores dentro
da porteira.

Quanto ao papel da produção interna de alimentos, frente à crise que se estabeleceu no cenário internacional, é necessário lembrar que as políticas para produtos non-tradables e tradables devem ser tratadas considerando suas especificidades relacionadas à balança comercial e à inflação.

Do mesmo modo, questões próprias às diferenças regionais devem incluir propostas de políticas públicas que levem em consideração a necessidade de alocação de recursos frente ao potencial de resultado esperado. Para determinadas áreas de produção o problema dos meios de transporte é crítico e fator que poderá determinar a viabilidade das atividades agrícolas ali desenvolvidas. Investimentos que privilegiem soluções de transportes intermodais deveriam ser realizados com absoluta prioridade, pois os gargalos existentes nesse segmento da atividade econômica têm se constituído em elevados custos que impõem severas perdas
aos agricultores.

Outro item relevante do componente estrutural está relacionado à disponibilidade de capacidade de armazenagem diretamente vinculada ao agricultor. Esse elemento da cadeia de negócio agrícola tem sido um importante fator restritivo à manutenção de estoques em mãos de quem produz com conseqüências diretas sobre sua capacidade de negociação pela impossibilidade de definir a melhor época de venda de seu produto.

A questão recorrente do crédito agrícola é outro dos vetores que impõe restrições à atividade, seja pelo lado de aumento da oferta quanto na própria manutenção do agricultor na atividade. Deixar a cargo do mercado essa tarefa de conceder o crédito deveria ser revisto inclusive mudando a lógica fiscal pela lógica setorial.

Outro ponto que assumiu proporções muito importantes para o aumento da oferta de alimentos diz respeito aos fertilizantes. Em determinadas regiões produtoras, particularmente nos cerrados, o peso desse insumo nos custos variáveis pode atingir níveis insuportáveis e comprometer a rentabilidade do produtor. Somente em 2008, até o mês de abril, seus preços cresceram 40%, de acordo com o Índice de Preços por Atacado (IPA). Aumentar a produção de nitrogênio, fósforo e potássio deve fazer parte de uma ação estratégica por parte do governo, sabendo de antemão que seus resultados demorarão a aparecer.

Nesse ambiente de forte pressão sobre os alimentos e a concorrência dos alimentos com os programas de biodiesel, será fundamental assegurar recursos regulares e suficientes para que os sistemas de pesquisa agropecuária e de extensão rural possam contribuir para que os ganhos de produção estejam fortemente sustentados na produtividade dos fatores, beneficiando indistintamente todos os segmentos de produtores, com o menor impacto possível sobre o bioma. A condição de financiamento da pesquisa tem que ser assumida com alto grau de prioridade garantindo que as dotações orçamentárias sejam garantidas por longos períodos e sua liberação obedeça a um calendário coerente com as necessidades da atividade e sem contingenciamentos.

O papel que o agronegócio desempenha na economia brasileira tem apresentado várias facetas positivas e sistematicamente homenageadas. O reconhecimento é um importante passo, mas o fundamental é que ela se traduza no estabelecimento de prioridades que assegurem ao produtor a menor variabilidade de sua renda e a manutenção de sua competitividade em um mercado globalizado composto de forte protecionismo que impõe injustas condições de oferta e demanda.

Somente através de políticas públicas consistentes e de longo prazo poderá de fato o país determinar o papel que irá exercer no novo cenário mundial que se impõe com a crise dos alimentos. Participar nos fóruns internacionais protestando a respeito das práticas deletérias praticadas contra nossos agricultores é obrigação do governo, mas não basta, é necessário que essa indignação redunde em ações efetivas internamente senão estaremos condenados a assistir a passagem de mais uma oportunidade.

Luiz Barone
Luiz Barone
Presidente da ABIFINA.
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