Medicamentos são produtos que contêm substâncias químicas que, em diminutas quantidades, provocam reações importantes no organismo humano. Se a quantidade do ingrediente farmaceuticamente ativo for menor do que a indicada, o medicamento não provocará os resultados esperados, se for maior pode provocar efeitos indesejáveis. Pior, um medicamento pode conter impurezas resultantes de seu processo químico de produção ou do uso de uma matéria-prima de baixa qualidade. Por estas razões a indústria farmacêutica trabalha sob severas exigências no que diz respeito a seus padrões de qualidade.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, desde a sua criação, vem realizando um excelente trabalho de monitoramento da qualidade da nossa produção de medicamentos, não só através da criação de um corpo de regulamentos sanitários de alto padrão, mas também com a fiscalização local das instalações de produção de nossas empresas farmacêuticas. Todo medicamento produzido no Brasil precisa de uma autorização prévia para ser comercializado, que só é concedida após terem sido cumpridas todas as exigências legais, que não são poucas, e depois que a Anvisa inspecionou e aprovou as instalações do produtor. Para cada um de seus produtos, a indústria farmacêutica nacional tem que preparar um dossiê completo do processo de produção indicando inclusive a origem dos insumos que usará. Após a fabricação, os medicamentos colocados à venda são fiscalizados pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde – INCQS, uma garantia adicional da qualidade do produto que chega ao consumidor.
Todo este esforço, porém, não é suficiente para garantir a qualidade dos produtos disponíveis nas prateleiras das farmácias porque, hoje, quase metade dos medicamentos, suas matérias-primas e insumos diversos são importados e entram no Brasil sem fiscalização adequada. Com o sistema atual de importação, a Anvisa não tem a menor possibilidade de garantir a qualidade dos produtos que estão entrando no país.
Em 2007, segundo dados do sistema ALICE do Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior – MDIC, estarão entrando no Brasil mais de US$ 2 bilhões em medicamentos a granel ou em doses, e bem mais de que US$ 500 milhões em matérias-primas. Toda esta imensa quantidade de produtos está alcançando o mercado brasileiro sob um precaríssimo sistema de controle sanitário.
O elevado preço dos produtos farmacêuticos é um atrativo para fraudes e contrafações de todo tipo o que se está tornando um problema mundial, em face da multiplicação de novos produtores por todos os continentes. Somente na China há mais de 8 mil fabricantes de produtos químicos que, por não se identificarem como produtores de medicamentos ou insumos farmacêuticos, não sofrem qualquer tipo especial de qualificação e fiscalização. No entanto, boa parte de seus produtos entra na cadeia de produção de medicamentos como matéria-prima.
Não é só a China, é claro, o mercado mundial está abarrotado de novos produtores tentando comercializar produtos de boa ou má qualidade. Os produtos de boa qualidade são orientados para os mercados que têm sistemas adequados de fiscalização enquanto que os de má qualidade são direcionados aos países descuram do controle de qualidade na importação.
Não faz muito tempo que um simples xarope contra tosse matou cerca de 100 crianças no Haiti porque estava usando etilenoglicol na sua composição. O mesmo aconteceu no Panamá onde pelo menos 138 pessoas morreram pela ingestão de um remédio falsificado contendo o mesmo produto químico. No Brasil, vários laboratórios farmacêuticos oficiais já se queixaram da baixa qualidade de inúmeras matérias-primas importadas e que chegam com especificações técnicas inteiramente divergentes das originalmente oferecidas.
A qualidade dos medicamentos e insumos farmacêuticos que circula pelos mercados mundiais já é parte da agenda de preocupações de agências internacionais e ONGs voltadas para as questões de saúde. A Organização Mundial da Saúde – OMS, em recente encontro internacional realizado em Buenos Aires, informou que estima que pelo menos 10% de todos os medicamentos comercializados internacionalmente sejam falsificados e esta cifra pode dobrar nos países mais pobres, com inadequada fiscalização sanitária.
Garantir a qualidade das importações de medicamentos e seus insumos pode não ser tarefa simples, mas é rigorosamente essencial. Os fabricantes estrangeiros de medicamentos e insumos farmacêuticos devem ser levados a atender aos mesmos padrões de qualidade que as empresas brasileiras do setor estão praticando, devem registrar previamente seus produtos e terem suas instalações fiscalizadas. O Ministério da Saúde e a Anvisa precisam agir rapidamente para evitar que a próxima tragédia causada por medicamento falsificado ocorra no Brasil.