REVISTA FACTO
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Nov-Dez 2007 • ANO II • ISSN 2623-1177
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A indústria como protagonista
//Entrevista Márcio Pochman

A indústria como protagonista

Nas últimas décadas, a indústria foi relegada a um segundo plano como fator de desenvolvimento econômico do país? Há um processo de “desindustrialização” em curso?

Em termos de características macroeconômicas estruturais, por uma decisão autônoma, o Brasil na década de 30, optou por se inserir na economia mundial de forma diferenciada apoiada no desenvolvimento industrial e no crescimento do mercado interno de consumo. Foi a experiência de maior êxito dos países, digamos assim, periféricos, em termos de industrialização. Saímos da posição de 55ª economia do mundo para a 8ª posição no final da década de 70. Dos anos 80 para cá, tivemos uma outra realidade em curso, que não se compara com o ciclo industrial das décadas anteriores: é um período de baixa expansão e de perda de participação da indústria no Produto Interno Bruto e nas exportações. Nos anos 90, surgiram várias indicações de que a indústria não era mais importante. Era o momento da expansão da economia pós-industrial, de serviços e, portanto, a indústria não expandiria a ocupação e o emprego e estaria praticamente condenada a uma situação similar à experiência que se observou no setor agropecuário, que havia sido uma parte fundamental da produção e ocupação, mas depois se posicionara em uma dimensão bem menor. Neste sentido, nos anos 90, no meu modo de ver, o país abandonou de fato a produção industrial em termos de políticas públicas, se concentrando mais na especialização para produção de produtos primários exportadores. Isso é o retrato da nossa balança comercial hoje, que apresenta resultados positivos, mas que não é totalmente satisfatória, porque nós poderíamos ter garantido a evolução dos dois segmentos: o agropecuário e o industrial. Em verdade, nos especializamos em alguns segmentos do agronegócio. Esse caminho não se mostrou tão promissor ao longo do tempo, pois outras economias que fizeram uma inserção diferenciada, como Coréia, Irlanda, Índia, por exemplo, e outras que apostaram na industrialização estão hoje em melhor situação do que o Brasil. A boa notícia é que o país mudou e o governo hoje tem um comprometimento maior em fazer da indústria o mais importante agente de crescimento econômico. O projeto de país mudou. Tanto é assim que nos anos 90 não existia política industrial, o pensamento era que o mercado faria por si os ajustes necessários. Hoje é possível concluir que isso não é verdade, porque nos anos 90 a abertura comercial até atraiu mais investimentos externos, mas isso significou a redução do setor produtivo estatal e do setor privado nacional. Na verdade, o que cresceu foi a participação das transnacionais. Isso é um fato: neste período mudou a composição do cenário industrial. O Brasil, no entanto, apesar dos percalços vividos nas últimas décadas, tem um setor industrial complexo e diversificado, uma base que poucos países do mundo possuem. O desafio é ser capaz de trabalhar com os setores de ponta, as grandes empresas, mas também conseguir incluir as pequenas e médias empresas. A desindustrialização é relativa, porque outros países crescem mais rápido do que nós, mas não é uma desindustrialização em que se tenham perdido setores, os setores estão aí ainda em condições de serem ampliados e de se tornarem mais competitivos.

Estamos às vésperas do lançamento de um novo pacote de política industrial? Na sua opinião, quais serão as prioridades da agenda de desenvolvimento?

Sem dúvida. Há uma clara visão de que a política industrial é importante. Ela não vai substituir o mercado, as variáveis que são da natureza do capitalismo, mas é parte integrante de uma estratégia consistente de desenvolvimento, e existe em todos os países que têm uma visão de longo prazo. Temos um campo aberto pela frente, no que diz respeito desde a implantação de segmentos novos do ponto da indústria, o reforço às indústrias tradicionais e a valorização de uma série de cadeias produtivas estratégicas, fazendo a interligação do agronegócio com a manufatura. Entende-se que a indústria tem um papel fundamental no futuro do país. O Brasil é um país em construção. Nós temos ainda que complementar o setor industrial e avançar, eu diria, em duas direções: a primeira, ampliar o valor agregado do ponto de vista da indústria existente e do setor primário exportador, e a segunda é, simultaneamente, complementar o parque industrial com setores novos de ponta e de maior inovação tecnológica.
Em breve será apresentada uma nova política industrial que tem continuidade com a do início do governo do presidente Lula. Ao mesmo tempo, nossa preocupação é ter uma visão mais clara do futuro da indústria no Brasil e no mundo, exatamente para poder contribuir para este redesenho da inserção do Brasil na economia mundial. A atividade industrial no país é suficientemente madura para ganhar competitividade mundial. Precisamos unir a pesquisa, o sistema de formação e qualificação de mão-de-obra, de produção e difusão de tecnologia ao setor produtivo.

Alguns aspectos preocupam na composição de cenários macroeconômicos para 2008, como a previsão de que algumas variáveis que pressionam a inflação se apresentem, como taxa de juros mais baixas e um câmbio mais desvalorizado, além da diminuição da ociosidade dos produtores. Como se pretende controlar esta perspectiva de avanço inflacionário?

Praticamente desde a década de 80 não temos um ciclo de expansão sustentado. Atualmente, praticamente há 15 trimestres a taxa de investimento cresce acima do Produto Interno Bruto. Este é um indicador importante para debater melhor a questão da inflação. Toda vez que a taxa de investimento cresce acima do PIB, o país tende a não ter problemas de inflação de demanda. Porque se a capacidade produtiva aumenta mais que o consumo, você está em condições de sustentabilidade do ponto de vista da formação de preço. O preocupante seria se nós estivéssemos ampliando o consumo sem o crescimento dos investimentos. Isso certamente redundaria em inflação. O que nós temos hoje é um evidente crescimento da demanda interna, mas com um crescimento dos investimentos em um ritmo maior. A indústria está reagindo rapidamente e correspondendo a este novo momento. Neste sentido, o próprio PAC tem um papel importantíssimo. O empresário tem dificuldades de tomar decisões de investimento privado toda vez que ele não vê garantias de que terá condições de infra-estrutura para a produção: energia, estradas, porto, etc. O PAC não determina o crescimento, mas ele se propõe a viabilizá-lo. Os investimentos de hoje demonstram senso de oportunidade do empresariado e maior confiança nas estratégias de crescimento econômico propostas pelo governo.
É claro que a situação é muito mais complexa e implica considerarmos o papel do câmbio e dos juros, determinantes importantes na conjuntura macroeconômica. Evidentemente, que o câmbio nas condições que nós temos hoje tem efeitos positivos e efeitos negativos. Os efeitos positivos: o câmbio valorizado é agente antiinflação, estimula a importação de bens de capitais e, portanto, a modernização da indústria. Efeitos negativos: se o país começa a atender à demanda interna com produtos importados, certamente substitui a capacidade produtiva e isso significa desestímulo à geração de emprego, além disso, o câmbio valorizado dificulta as exportações. A resposta a isso é o que está sendo discutido no novo pacote de política industrial: redução de juros, desoneração de impostos, incentivo financeiro no fomento à inovação tecnológica, priorizando setores considerados estratégicos para o país.
Do ponto de vista da decisão do empresário, do capitalista, ele deve considerar os quatro macropreços: o câmbio é importante, os juros são importantes, os tributos são importantes, os preços de infra-estrutura são importantes. Então, é uma equação, que pode ter sinais negativos, compensados por outros positivos. Não pode ser uma visão centrada em um macropreço somente. Há um compromisso governamental em relação ao crescimento econômico. Esta é uma indicação importante do atual governo do presidente Lula em relação ao primeiro mandato: já foi apresentado um conjunto de medidas voltadas para sustentar este crescimento e está sendo desenhado um planejamento de médio e longo prazos em que o papel da indústria é central.

O enfoque em inovação visa à competitividade no mercado externo? O Brasil de fato fará a opção por competir com vantagens absolutas e não comparativas no mercado internacional?

Sem dúvida. No entanto, é bom lembrar que a globalização não diferencia mais o mercado interno e externo. É claro que você tem especificidades e, principalmente, o Brasil que tem um grande mercado interno sempre esteve voltado para o potencial de demanda ainda não explorado; diferentemente do Chile, por exemplo, que tem um mercado interno pequeno e, por isso, sempre teve suas preocupações muito mais voltadas para o mercado exterior. A verdade, é que devemos e podemos considerar igualmente os dois contextos – até torná-los um só. O empresariado brasileiro está sendo desafiado a responder ao novo cenário global em que está inserido. A indústria está fazendo sua parte e o governo está procurando se preparar para contribuir neste esforço empresarial.
O recente lançamento do Observatório da Inovação e Competitividade, ligado à Diretoria de Estudos Setoriais do Ipea, é uma medida que visa ao acompanhamento e orientação sobre o que está em curso no nosso país e em outros países no que diz respeito especialmente à inovação, que é um fator importante de competitividade e modernização do setor produtivo. As pesquisas desenvolvidas pelo Ipea sobre as estratégias competitivas das empresas brasileiras, com foco na inovação e na diferenciação de produtos, vêm permitindo o conhecimento de dados relevantes sobre os processos de inovações tecnológicas. É fato que empresas que inovam e diferenciam produtos representam numericamente 1,7% do setor industrial brasileiro, mas são responsáveis por 26% do faturamento industrial, obtendo preços superiores nas exportações e pagando salários 23% maiores em média que as empresas não-inovadoras. O Ipea e outras instituições têm se empenhado em acompanhar a situação atual dos investimentos em inovação na estrutura produtiva. O Observatório é de vital importância para a continuidade dos estudos e diagnósticos seguindo a linha do Ipea no sentido de avaliar o impacto da inovação no desenvolvimento econômico do país. Nós estamos trabalhando na perspectiva da gestão pública do conhecimento. O Ipea tem uma capacidade enorme de produção de conhecimento e difusão, mas não está isolado. Ele precisa ter ações de cooperação com outras instituições de pesquisa no país, instituições estaduais e universidades. Este Observatório é um exemplo disso, pois é uma iniciativa que ocorre em parceria com o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).
A experiência mostra que também precisamos diminuir a distância que separa o sistema nacional de inovação do setor produtivo nacional. Há um esforço do governo, inclusive do ponto de vista da Capes, da Finep, do CNPq e de todas as instituições tradicionais do financiamento de pesquisa para a integração com o setor produtivo.


Observatório da Inovação e Competitividade

O Observatório da Inovação e Competitividade tem por objetivo disseminar análises, diagnósticos, estatísticas, conceitos e informações sobre o estado da inovação produtiva no Brasil e no mundo, com vistas a estimular a adoção e o aprofundamento de processos de modernização e o aumento da competitividade das empresas.

A iniciativa é o resultado de uma ação articulada entre o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).

Entre as missões do Observatório estão a avaliação da implementação da política industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) e o acompanhamento dos processos de inovação no Brasil, oferecendo informação qualificada para subsidiar a formulação e execução de políticas públicas voltadas à capacidade do sistema produtivo e ao desenvolvimento do país, além de informações sobre incentivos e instrumentos de apoio à pesquisa e inovação disponíveis às empresas.

O Observatório fará o acompanhamento das tendências internacionais de inovação, permitindo a avaliação da realidade do Brasil em comparação com as melhores práticas inovadoras adotadas em países  avançados e em desenvolvimento.

O Observatório desenvolve o Programa de Estudos de Produção, Tecnologia e Inovação, com o objetivo de pesquisar os processos de inovação no setor empresarial no Brasil e estabelecer as bases para a construção de um sistema de métricas de inovação, que possibilite às empresas avaliar sua capacidade de inovar, realizar comparações com as melhores práticas do mercado e definir  metas de inovação e competitividade.

Márcio Pochman
Márcio Pochman
Presidente do Ipea.
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