REVISTA FACTO
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Nov-Dez 2007 • ANO II • ISSN 2623-1177
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//Editorial

Desenvolvimento econômico: duas épocas, dois estilos

Os resultados obtidos no processo de desenvolvimento científico e tecnológico da Coréia do Sul são freqüentemente utilizados como termo de comparação com seus equivalentes brasileiros. Os indicadores mais usados, recentemente, têm sido o número de artigos publicados e o número de patentes obtidas por nacionais coreanos, indivíduos ou organizações. Entre 1980 e 2006 a produção brasileira em artigos científicos cresceu 7,6 vezes e nosso registro de patentes no escritório americano multiplicou-se por cinco. No mesmo período, os artigos científicos da Coréia cresceram 133 vezes e o registro de patentes no mesmo escritório multiplicou-se por um fator de 738. A comparação é acachapante e se torna mais surpreendente ainda se considerarmos que há meros 50 anos atrás a Coréia do Sul era um dos mais atrasados países do mundo, com uma economia agrária rudimentar, uma população com taxa de analfabetismo superior a 70%, praticamente sem recursos naturais dignos de registro e um PIB per capita de apenas US$ 100,00.

Hoje, além de produção significativa de C&T, a Coréia é um país rico, com um PIB per capita de US$ 27 mil, uma produção industrial invejável, taxa de desemprego na ordem de 3%, inflação pouco acima de 2% e com o PIB crescendo em taxas próximas dos 5%.

A análise do desenvolvimento coreano costuma ser dividida em duas fases, a da industrialização, ocorrida do fim dos anos 50 até meados da década de 80, e a da economia do conhecimento que se estende do fim dos anos 80 até o presente. É importante comparar os desempenhos de Brasil e Coréia nestas duas fases e tentar tirar lições das políticas usadas pelos dois países.

Ao término da guerra que dividiu seu antigo território, em 1953, a Coréia do Sul, com o auxílio dos EUA, realizou um amplo programa de reforma agrária e de alfabetização. A taxa de analfabetismo que era de 78% caiu para menos de 20% cinco anos depois, e a produção agrícola garantiu emprego para quase todos e segurança alimentar. Em 1961, após um golpe de Estado, o país passou a viver sob a ditadura militar do general Park-Chung-Hee, regime que se estendeu até 1979. Hee iniciou um programa de desenvolvimento baseado em planos qüinqüenais, com forte liderança governamental. Os dois primeiros planos, cobrindo o decênio 1962-1971 foram dedicados ao desenvolvimento da produção industrial leve, fortemente intensiva em mão-de-obra, como tecelagem, calçados etc. O terceiro plano qüinqüenal, que vigorou de 1972 a 1976, foi montado já sob a influência do primeiro choque do petróleo. Tanto este quanto o plano que se seguiu, o de 1977 a 1981, foi dedicado ao desenvolvimento da indústria pesada: aço, construção naval, equipamentos de transporte e indústria química.

 O sucesso do desenvolvimento coreano deveu-se a uma inteligente mistura de controle governamental e incentivo à atividade privada, dentro de parâmetros e objetivos rigidamente definidos pelo planejamento central. Os capitais necessários aos investimentos provieram basicamente de poupança interna e de empréstimos internacionais cuja captação era orientada pelo governo que detinha o controle do sistema bancário e orientava os empréstimos. A participação de investimento direto estrangeiro (IDE) foi mínima: a entrada de IDE era rigidamente controlada pelo governo, havendo setores da economia em que eles eram totalmente proibidos. Além de dar suporte a empresas focadas em um único segmento de atuação, o governo coreano fomentou a criação de grandes conglomerados industriais (Chaebols) de atividade diversificada, cujo porte oferecia condições para a entrada em setores capital-intensivos. O foco do desenvolvimento era a exportação para conseguir os dólares necessários à importação de tecnologia, máquinas e equipamentos. A importação de bens de consumo supérfluos era fortemente desencorajada. Medidas protecionistas foram amplamente utilizadas para resguardar da competição externa as indústrias nascentes, durante o prazo necessário para sua maturação. O governo exerceu um permanente controle do câmbio mantendo a moeda nacional desvalorizada como forma de subsidiar as exportações e proteger a indústria local da concorrência externa. A proteção à propriedade intelectual era fraca, como convinha ao seu nível de desenvolvimento e a engenharia reversa e a compra de fábricas prontas no exterior eram os modelos mais adotados para absorver tecnologia. O governo participava ativamente da seleção das tecnologias que deveriam ser importadas.

A admiração mundial pelo sucesso coreano em áreas de maior sofisticação tecnológica é relativamente recente, mas as raízes deste sucesso estão plantadas firmemente no passado e não fogem ao modelo de estreita colaboração público-privada sob planejamento governamental que caracteriza todo o desenvolvimento coreano.

Já em 1967 a Coréia criava seu Ministério da Ciência e Tecnologia e colocava ênfase na preparação de mão-de-obra especializada. Paralelamente ao MCT coreano foram criados 15 institutos de pesquisa governamentais, posteriormente reagrupados em apenas nove. Estes institutos são responsáveis pela criação ou aperfeiçoamento de tecnologias e posterior repasse ao setor privado. Funcionaram a princípio apenas com recursos estatais, mas hoje boa parte de suas receitas provêem do setor privado.

O segundo choque do petróleo e a posterior crise financeira mundial de 1981 parecem ter sido catalisadores de mudanças no planejamento governamental coreano. A heterodoxia dos instrumentos básicos de política industrial – planejamento central, orientação para exportações, controle cambial, incentivos e subsídios etc., continuou a mesma, mas a partir do 5º plano qüinqüenal, de 1982 a 1987, o foco muda: a ferramenta básica passa a ser o conhecimento tecnológico e os objetivos são a microeletrônica e a indústria da informação.

Em 1988 entra em vigor o 6º Plano Qüinqüenal que adiciona novos materiais, biotecnologia e indústria aeronáutica às prioridades. A ênfase em ciência e tecnologia é marcante nas metas fixadas: elevar o número de cientistas e engenheiros de 10 para 30, por cada 10 mil habitantes, em 1991; aumentar os gastos em P&D para 3% do PIB em 1991 e para 5% do PIB em 2001.

Em 1995, ao final da Rodada Uruguay, o PIB per capita da Coréia atinge US$ 10 mil, limiar do desenvolvimento. Em 1996, a Coréia entra para o clube dos países desenvolvidos, a Organização para o Desenvolvimento e Cooperação Econômica – OCDE de sua sigla em inglês, e começa, paulatinamente, a mudar seus objetivos estratégicos e forma de atuação. Suas empresas passam a ser orientadas não apenas a exportar, mas para investir também além fronteiras, com atuação multinacional. O foco do desenvolvimento volta-se decididamente para a alta tecnologia agora sob a orientação da Creative Research Initiative (CRI), lançada em 1997 e cujo mote é “da imitação para a inovação”. O Projeto Han, de Highly Advanced National, é um projeto interministerial de desenvolvimento científico e tecnológico que almeja tornar a Coréia um gerador de novas e sofisticadas tecnologias, com um foco em produtos e outro em desenvolvimento de conhecimentos básicos. Em 2001, a biotecnologia se incorpora aos alvos estratégicos prioritários, ao lado da robótica, da nanotecnologia e do programa espacial e aeronáutico o qual prevê o lançamento de nada menos que 17 satélites até o ano de 2015.

Ao longo de seu caminho para o desenvolvimento, a Coréia, assim como o Brasil, sofreu os impactos de todas as crises – de energia e financeiras – que abalaram o mundo, mas as mesmas não foram suficientes para esviá-la do caminho escolhido, o que nos leva a pensar que as maiores dificuldades ao desenvolvimento brasileiro se situam no plano interno. O forte sentimento nacional coreano foi sempre capaz de manter a nação voltada para seus interesses próprios, a despeito das críticas de terceiros, enquanto no Brasil, estamos eternamente preocupados com nossa imagem.

É possível vislumbrar algumas semelhanças entre os desenvolvimentos, brasileiro e coreano, sobretudo nas décadas de 60 e 70 quando ambos os países vivenciaram programas de desenvolvimento gestados e geridos sob a égide de seus respectivos governos. Aqui como lá houve proteção a indústrias locais nascentes, incentivos e subsídios à produção local, algum controle sobre o câmbio, alguma preocupação com o fomento à C&T. Mas as analogias se esgotam por aí e, sobretudo a partir da década de 80, as diferenças são mais acentuadas que as semelhanças.

Na primeira fase de desenvolvimento uma primeira diferença digna de registro é a que a Coréia adotou um modelo exportador enquanto o Brasil, embora sem descurar totalmente do mercado externo, baseou sua estratégia de crescimento em um modelo de substituição de importações. Outra diferença essencial consiste no modelo de capitalização: a Coréia baseou-se em poupança interna e empréstimos enquanto o Brasil optou por atração de IDEs e empréstimos, relegando a poupança interna a um papel marginal. Como resultado desta opção, a Coréia saiu da primeira fase com uma indústria nacional controlada por coreanos – Hyunday, LG, Sansung, Daewoo – apta a entrar com objetivos próprios no jogo da globalização. No Brasil, ao contrário, a maior parte da indústria de ponta está sob o controle de capitais externos e o Brasil entra na era da globalização numa posição de dependência estratégica em relação a objetivos industriais traçados fora de suas fronteiras.

Na fase seguinte, a Coréia muda o foco, mas não sua orientação heterodoxa no manejo dos instrumentos econômicos, e aí a diferença para o comportamento brasileiro é abissal. Desde o início dos anos 90, o Brasil abandona o planejamento e sucumbe à cantilena neoliberal do estado mínimo, das privatizações, da liberdade cambial, do equilíbrio orçamentário e resvala para uma posição de desenvolvimento retrógrado em que os alicerces de sua economia estão lastreados em seus recursos naturais e em que suas vantagens comparativas para o comércio internacional repousam apenas em “commodities” agrícolas e minerais, os aviões da Embraer sendo apenas a exceção que confirma a regra.

Dos resultados auferidos pelas nações utilizando-se desses dois estilos, certamente leva-nos a concluir que o modelo brasileiro de desenvolvimento deva ser repensado.

Marcos Oliveira
Marcos Oliveira
Membro do Conselho Consultivo da ABIFINA.
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