REVISTA FACTO
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Jul-Ago 2007 • ANO II • ISSN 2623-1177
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O domínio pelo conhecimento
//Editorial

O domínio pelo conhecimento

Diferentes tipos de dominação das comunidades, com origem interna ou externa, verificaram-se desde o surgimento das primitivas formas de organização humana. Nesse contexto, apropriação de terras consideradas mais produtivas, busca de saída para o mar ou visando a autodefesa constituíram os principais objetivos políticos perseguidos pelos povos então dominantes. A via militar de forma organizada para o exercício da dominação política foi magnificamente retratada por Maquiavel na origem da história moderna, a partir da qual foram construídos impérios e começaram a surgir as nações no mundo.

A busca do poder hegemônico pela via militar persistiu até a Primeira Guerra Mundial do século XX, quando surgiu uma nova forma de dominação entre as nações – a econômica, efetivada através do acesso privilegiado a mercados que se aproximavam com a invenção de novos meios de comunicação e transportes. A Primeira Guerra Mundial, com objetivos claramente econômicos e comerciais, eclodiu vinte anos após o término da primeira e, devido à terrível devastação resultante, propiciou o amadurecimento de um novo entendimento entre as nações para evitar o recurso à via militar.

Assim surgiu o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (em inglês, General Agreement on Tariffs and Trade – GATT), cujos entendimentos internacionais foram iniciados logo depois da Primeira Guerra Mundial, mais precisamente em 1947. Essas negociações foram concluídas somente em 1994, através do termo de adesão internacional assinado em Marraqueche, ao final da denominada Rodada do Uruguai, iniciada em 1986. Contribuiu fortemente para a conclusão desse acordo a queda do muro de Berlim ocorrida em 1989 – ato inicial da reunificação das duas Alemanhas, ao acabar com a bipolaridade política então existente no mundo, e que deu início a um único mercado realmente global.

O Acordo GATT, além de criar a Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995, incorporou matérias distintas das simples concessões ou preferências tarifárias que eram negociadas no intercâmbio comercial. Assim, foi mantida a vigência do Acordo GATT-47 e acrescidos diversos outros acordos – sobre serviços (GATS), sobre investimentos (TRIMS), sobre direitos de propriedade intelectual (TRIPS), procedimentos diversos (solução de controvérsias, antidumping, salvaguardas, medidas compensatórias etc.), perfazendo um total de doze acordos complementares.

No âmbito de tais acordos denominados “de comércio” surgiram novas disciplinas de aplicações bem mais complexas, como políticas de propriedade intelectual, compras governamentais e investimentos, que podem ser e efetivamente são usadas pelas nações mais desenvolvidas em acordos negociados na forma bi, pluri ou multilateral, visando inibir a ação promotora do desenvolvimento econômico-social em países com menor desenvolvimento relativo e evitar que neles surjam empresas concorrentes.

Esse novo enfoque conferido a tais negociações no comércio internacional abalou radicalmente o equilíbrio do relacionamento entre as nações, na medida em que compromete profundamente os projetos de países emergentes para promover sua industrialização interna visando reduzir a dependência em áreas estratégicas e, conseqüentemente, sua própria soberania nacional.

É compreensível que países com menores dimensões territoriais, escassez de recursos naturais e humanos, abdiquem da participação no mundo industrializado em troca de alguma forma de acesso privilegiado ao mercado de commodities do mundo desenvolvido, ou em troca de subsídios diretos para sua sobrevivência. Mas esta não é, certamente, a situação de países continentais como a China, a Índia, o Brasil e até mesmo a Argentina, que apresentam enormes potencialidades e nítida vocação para se tornarem fortes nações industrializadas, à semelhança daquelas do primeiro mundo.

A clara percepção de seu papel no cenário internacional levou o governo brasileiro, em passado recente, a rejeitar fórmulas de maus acordos que lhe foram propostos no âmbito da Alca e de Doha, prevendo exageradas concessões em matérias relacionadas ao desenvolvimento industrial do País. Nesse contexto o Brasil emitiu uma cristalina mensagem de que não irá abdicar de seu desenvolvimento econômico e da industrialização local em troca de uma melhoria em seu acesso ao mercado de commodities.

Pode-se afirmar que o Brasil, até o presente momento, em seus acordos externos incorporou regras de comércio internacional no limite da preservação de sua soberania e tem respeitado rigorosamente os compromissos externos que foram assumidos.

Na área de propriedade intelectual, no entanto, as pressões das nações hegemônicas para fazer prevalecer os interesses de suas empresas são persistentes, e continuamente mais abrangentes no ímpeto de garantir a dominação dos mercados globais. Diante disso, faz-se necessária uma redobrada atenção a essa matéria pela sociedade brasileira, por meio de suas entidades de classe e dos poderes legitimamente constituídos. Em realidade, está sendo iniciada uma nova era de dominação da sociedade, não mais diretamente fundamentada em bens econômicos tangíveis, e sim no conhecimento.

Através dos mencionados acordos de comércio internacional, as nações mais avançadas buscam dominar o mercado global impedindo o surgimento de iniciativas locais que resultem em negócios competitivos com os produtos e serviços importados de suas matrizes no exterior. Esse fato pode ser observado na difusa área da propriedade intelectual, onde são estabelecidos direitos de comercialização exclusiva, às vezes de produtos fabricados por uma empresa localizada em um dado país, e que são válidos nos mercados dos demais países por longos períodos de tempo e sem contrapartidas. Não raramente, os “acordos” desse tipo configuram abuso do poder econômico ou prejuízo para o interesse público local.

Mais do que isso, através de medidas infraconstitucionais, interpretações distorcidas de textos legais e outros artifícios jurídicos, corporações transnacionais privadas, com apoio de seus governos de origem, procuram ampliar o prazo e/ou a abrangência do monopólio de mercado que lhes foi conferido pelo título
patentário.

A ABIFINA entende que a propriedade intelectual não constitui um direito natural ao qual todos os indivíduos e nações devem automaticamente obedecer. Em realidade, trata-se de um direito que deve ser construído dentro de cada sociedade, pois implica concessões e obrigações a serem aceitas pelas partes, e, posteriormente, negociadas entre as nações. Os benefícios da propriedade intelectual, tais como o estímulo à inovação tecnológica focada na empresa produtiva, devem ser reconhecidos e seu exercício incentivado, mas dentro dos limites de sua legitimidade, efetivamente servindo como instrumento para o desenvolvimento nacional e atendendo o interesse público.

Além disso, é oportuno destacar que no contexto da propriedade intelectual são abarcados direitos de natureza muito diversa e com características próprias, devendo assim ser tratados de maneira bastante diferenciada. Esse aspecto foi recentemente comentado de forma muito apropriada por um ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 2a Região, ao ressaltar que não se pode esquecer o significado de cada patente para a população: um celular patenteado com uma nova função poderá ser adquirido, ou não, dependendo do preço e a critério do consumidor, mas o acesso a um novo medicamento pode significar a diferença entre a vida e a morte de uma pessoa.

Visando contribuir para o conhecimento e a divulgação do significado das patentes industriais no contexto da propriedade intelectual, sua importância socioeconômica para a população (acesso a medicamentos) e, em decorrência, o interesse público nele envolvido, bem como seu grande valor como mecanismo promotor do desenvolvimento tecnológico e industrial do Brasil, a ABIFINA realizou o II SIPID – Seminário Internacional sobre Patentes, Inovação e Desenvolvimento, cujos resultados são analisados na presente edição.

Estamos certos de que o registro dos principais conceitos apresentados neste seminário servirá para uma melhor e mais isenta discussão do tema, bem como para a sensibilização de todos quanto ao significado estratégico dessa matéria no contexto do desenvolvimento socioeconômico do País.

Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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