REVISTA FACTO
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Mai-Jun 2007 • ANO I • ISSN 2623-1177
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//Matérias

Sobre o licenciamento compulsório da patente de Efavirenz

Através do Decreto n0 6107, do dia 4 de maio, o governo federal, com simplicidade, deu uma demonstração inequívoca de soberania e, ao mesmo tempo, de respeito às leis, aos acordos internacionais e aos superiores interesses nacionais.

Ao licenciar compulsoriamente patentes relacionadas à fabricação do produto Efavirenz – maior medicamento usado contra a Aids, o governo federal concluiu um longo processo de negociação com a empresa detentora desse título proprietário, que se estendeu por vários meses, ao longo dos quais buscou uma expressiva redução no preço dessa droga visando torná-la acessível a um maior número de pacientes dessa terrível enfermidade.

Não tendo obtido sucesso nessas tentativas de negociação, bem como face aos constrangimentos que Farmanguinhos sofreu quando se dispôs a realizar pesquisas e desenvolvimento de tecnologias com suporte em amostras comerciais desse produto – o governo federal não fugiu ao seu dever constitucional de assegurar o acesso universal e gratuito às ações e serviços em saúde para a população por ele assistida, e aplicou um dispositivo que a lei nacional e os acordos internacionais estabeleceram: o licenciamento compulsório das patentes envolvidas por interesse nacional.

No caso do Efavirenz, a patente foi registrada por “pipeline”, como outras 1.196 depositadas no INPI no primeiro ano após a promulgação da Lei de Patentes em 1996. Essa lei e o “pipeline” contribuíram fortemente para que, sem aumento significativo do número de unidades farmacêuticas vendidas, o mercado farmacêutico brasileiro tivesse aumentado de 10 bilhões de reais em 1996 para 23 bilhões em 2006. E, mais, o balanço de pagamentos do País para fármacos e medicamentos que já era deficitário, quintuplicou negativamente nesse período.

O “pipeline” constitui uma aberração jurídica brasileira, o que fragiliza ainda mais internacionalmente a posição inflexível mantida e a catilinária da empresa condenando a decisão brasileira de promover a licença compulsória.

A decisão adotada pelo governo federal claramente não se constitui num arroubo ufanista de nacionalidade, nem foi tomada sem uma profunda reflexão sobre seu significado, conseqüências e compromissos.

Nesse contexto inicialmente foi analisada a disponibilidade do produto no mercado internacional e a capacitação técnica dos laboratórios oficiais e do setor produtivo privado de fármacos instalado e operando no País.

Por iniciativa de Farmanguinhos, e com o apoio das entidades empresariais do setor, foi aberto um processo de pré-qualificação de empresas produtoras de farmoquímicos no País. Foi instaurada uma verdadeira “banca examinadora” com todos os candidatos a participar de um verdadeiro mutirão tecnológico e produtivo para atender um dos requisitos essenciais da lei brasileira relativa à licença compulsória: o licenciado deve produzir em menos de um ano para não ficar sujeito às possíveis ações visando cassar a licença compulsória.

O governo cuidou, portanto, para além da importação no primeiro ano, de se preparar para a produção local, não apenas do produto acabado, mas ir tão longe quanto possível no domínio da cadeia produtiva do princípio ativo objeto da licença compulsória.

Depois de terem sido realizadas auditagens técnicas nas unidades produtivas privadas de fármacos anti-retrovirais em operação industrial no Brasil, foi constatado ser possível em um ano atender a demanda nacional através da contratação dos serviços de fabricação dos princípios ativos requeridos para a formulação de Efavirenz pelos laboratórios oficiais, neste caso, por Farmanguinhos e Lafepe. Tanto o Lafepe como a Cristália já possuem registro do genérico do Efavirenz de 200 mg, o que diminuirá o tempo necessário para os procedimentos produtivos e o registro na Anvisa do produto acabado, na apresentação mais usada, de 600 mg.

E o que é mais importante, com qualidade equivalente e, num primeiro momento, a um preço unitário do produto da ordem de 50% daquele oferecido pela empresa detentora da patente, com tendência de queda acentuada nos anos seguintes, com o avanço da internalização do desenvolvimento do farmoquímico.

O desafio é grande, mas há uma integral disposição de todas as partes envolvidas para se atingir essa meta no prazo fixado, o que certamente se concretizará através da rápida autorização, por portaria governamental, para que Farmanguinhos coordene todo esse complexo processo produtivo.

Nesse cenário cabe ser destacado um aspecto de fundamental importância para as políticas públicas na área da assistência farmacêutica. Desejamos nos referir à modalidade de contratação dos processos de fabricação do princípio ativo pelos laboratórios oficiais nas empresas privadas instaladas no País e que operam nessa área há bastante tempo. A contratação de tais serviços permite a fiscalização permanente dos processos produtivos, seus insumos e produtos, assegurando-se assim a rastreabilidade das matérias-primas utilizadas para a fabricação dos medicamentos pelos laboratórios oficiais, que constitui a maior garantia de qualidade dos produtos daí decorrentes. E, não menos importante, ficam criadas as condições para a melhoria dos processos industriais e a inovação tecnológica, pois o Brasil tem a base técnica e a capacidade industrial instalada, mas elas não vinham sendo aproveitadas por falta de uma efetiva visão governamental nessa área.

Eduardo Costa
Eduardo Costa
Assessor da Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz Ex-secretário de Ciência,Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde.
Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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