Uma estratégia militar brasileira face ao cenário regional e internacional
As Constituições brasileiras consagram como fundamento do Estado os princípios da soberania e da autodeterminação nacional, sem os quais não pode existir a cidadania e a nacionalidade.
Contudo, o princípio da soberania acompanha a evolução histórica, já não se limitando à questão geográfica dos limites territoriais que, no passado, produziram as denominadas “políticas de fronteiras”, militares ou diplomáticas. Atualmente, associada a uma capacidade militar de dissuasão, a soberania implica uma visão sócio-econômica, científica e tecnológica, política e cultural, que tenha como ponto de partida o interesse nacional e como objetivo a permanente consolidação do país e sua continuidade histórica.
Buscando superar as rotineiras limitações orçamentárias, campanhas orquestradas por interesses alienígenas e algumas incompreensões, a estrutura castrense da sociedade tem desempenhado sua missão constitucional, pela segurança e soberania do Estado brasileiro. Historiadores civis e militares nos legaram páginas primorosas, descrevendo atos de heroísmo e abnegação, tendo o dia 19 de abril de 1648, em especial, sedimentado as bases do Exército brasileiro, quando, na memorável epopéia dos Guararapes, brancos, negros e índios, unidos pelo ideal de libertação, travaram combate e alcançaram a vitória contra o dominador estrangeiro, na então Capitania de Pernambuco, utilizando técnica de combate genuinamente brasileira: a guerrilha.
Com a República e a conseqüente evolução política, novos atores começaram a despontar no cenário nacional, como os jovens tenentes da década de 20, seguindo-se os movimentos políticos, insurrecionais e revolucionários, dos anos 30; a participação direta do Brasil no segundo grande conflito mundial da década dos 40 e a conjuntura mundial bipolar dos anos 60.
Nos dias atuais, superado o cenário ameaçador da guerra fria e o confronto de ideologias radicalizadas, novos conceitos passam a predominar na formulação da Política de Defesa, com especial atenção para as riquezas naturais do país. Com uma visão realista e objetiva, priorizar e limitar a ação das Forças Armadas brasileiras a um teatro sul-americano, por paradoxal que possa dar a entender, já representa, no momento, uma gigantesca tarefa, se atentarmos para a grandiosidade das nossas fronteiras terrestres, cerca de 14.000 quilômetros; para a complexidade da região amazônica; para o vasto litoral com cerca de 8.000 quilômetros e a contígua Zona Econômica Exclusiva (ZEE), depositária do valioso tesouro mineral da plataforma continental marítima. A todos esses fatores se associam as ameaças do narcotráfico e do crime organizado transnacional, para cujo eficiente combate, ainda faltam os necessários recursos materiais e financeiros.
Externando uma postura política compatível com a estatura estratégica do nosso país, o Chanceler Celso Amorim, no ano de 2003, em clara referência às constantes violações ao direito internacional e à soberania dos Estados nacionais, destacou que “é preciso resgatar a confiança nas Nações Unidas, cujo Conselho de Segurança é o único Órgão legalmente habilitado a autorizar o uso da força, este recurso extremo a ser utilizado apenas quando todos os outros esforços e possibilidades se tenham, efetivamente, esgotados” e que, “o Brasil terá uma política externa voltada para o desenvolvimento e para a paz, que buscará reduzir o hiato entre nações ricas e pobres, promover o respeito da igualdade entre os povos e a democratização efetiva do sistema internacional”.
Priorizando esse conceito para a nossa região, o Artigo 4, Parágrafo Único da Carta Magna estabelece: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.
Mantendo o Brasil excelente relacionamento com os países da América do Sul, exercem as Forças Armadas nacionais uma sadia e respeitável atuação, como instrumento para promover a distensão e a estabilidade regional. Nesse oásis de bom relacionamento, o governo pode desenvolver ações políticas e econômicas, visando à integração do MERCOSUL ao Pacto Andino e ao CARICOM, com a aplicação da máxima “unir para fortalecer”.
Nesse contexto, uma Política de Defesa, além de preservar o convívio salutar e construtivo no subcontinente Sul da América, criando um “cordão de segurança”, composto pelos países vizinhos, não pode prescindir de uma estrutura operacional militar de pronta resposta, associada a uma capacidade de dissuasão estratégica, como clara mensagem de que uma eventual ação hostil contra nosso território, faria desencadear operações militares capazes de infligir danos consideráveis ao hipotético agressor.
O Exército brasileiro, que em 1949 contava com aproximadamente 1000 homens no então Comando de Elementos de Fronteira, dispõe, no atual Comando Militar da Amazônia, sediado em Manaus, de um efetivo aproximado de 25 mil homens e tendo como missão principal guarnecer o arco amazônico de fronteiras terrestres, com 11.248 quilômetros, acrescidos de 1.670 quilômetros de litoral.
Além das operações militares propriamente ditas, cabe ao Exército, na Amazônia, cooperar no desenvolvimento de núcleos populacionais mais carentes, em especial na faixa de fronteira. Assim é que, em todos os pelotões de fronteira funcionam normalmente escolas de primeiro grau, subordinadas ao Comando de Fronteira do Solimões. É uma das muitas formas de ação social das Forças Armadas, aliada à presença efetiva nos mais remotos rincões do território nacional.
Da mesma forma, a Marinha e a Aeronáutica, em suas áreas específicas de atuação, complementam o poder estratégico de dissuasão, inibindo aventuras de desrespeito às nossas fronteiras.
Ao Quarto Distrito Naval e ao Comando Naval da Amazônia Ocidental, sediados, respectivamente, em Belém e Manaus cabe, sinteticamente, patrulhar e defender a vasta malha hidroviária, a foz do Amazonas e o litoral norte, bem como fiscalizar as operações e prover a sinalização para uma segura utilização das preciosas hidrovias de transporte e integração regional, onde atuam cerca de 70 mil embarcações dos mais variados tipos e tamanhos.
Através de seus navios de Assistência Hospitalar, conhecidos na Amazônia como “Navios da Esperança”, orgulha-se a Marinha da continuidade do apoio, médico e odontológico, às populações ribeirinhas, ação cívico-social que se estende da foz do Amazonas até a faixa de fronteira.
Os Comandos Regionais da Aeronáutica estão sediados em Belém (Primeiro COMAR) e Manaus (Sétimo COMAR) e as Unidades Aéreas se desdobram pela Amazônia, com as Bases Aéreas de Belém, Manaus, Porto Velho e Boa Vista, bem como os Destacamentos de Base, sendo instalados em Vilhena e São Gabriel da Cachoeira.
Com a implantação do SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), instalações técnicas foram distribuídas em pontos estratégicos para o controle do espaço aéreo, tais como Vilhena, Guajará Mirim, Rio Branco, Porto Velho, Cruzeiro do Sul, Eirunepe, Manicoré, Tefé, São Gabriel da Cachoeira, Boa Vista, Sinop, Jacareacanga, Manaus, Santarém, Tiriós, Macapá, Marabá, São Luiz, São Félix do Xingu, Cachimbo, Conceição do Araguaia e São Félix do Araguaia, com uma rede de radares capaz de monitorar todas as aeronaves sobrevoando a região e, em especial, as fronteiras nacionais. Para essa hercúlea missão, a Aeronáutica mobiliza um crescente efetivo de aviadores e técnicos, superando a casa de alguns milhares.
Superando os mais variados óbices e a despeito das dificuldades e ambigüidades, o Estado brasileiro obriga-se, diante da delicada realidade do cenário internacional, a buscar desenvolver uma estratégia de progresso econômico, social, político e cultural, bem como sedimentar uma capacidade de atuação das Forças Armadas, suficiente para inibir quaisquer intenções de desrespeito às regras da convivência internacional e da soberania.
Exercendo, sob cuidadosa e ponderada atuação diplomática, sua natural liderança de país continente e potência emergente, o Brasil tem o dever de conceber e executar políticas de integração e desenvolvimento, de forma a consolidar, a médio e longo prazo, o surgimento de harmoniosas e mais igualitárias sociedades no continente Sul-americano, formando um cordão de progresso com justiça social envolvendo nossas fronteiras.