REVISTA FACTO
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Mar-Abr 2007 • ANO I • ISSN 2623-1177
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//Editorial

Desenvolvimento com vontade política

Em janeiro o Governo Lula lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para 2007/10, representado por um conjunto de compromissos políticos, definições de ações e diretrizes de gestão com o objetivo fortemente focado no desenvolvimento econômico, cuja meta é alcançar 5% ao ano no período. Mais do que um simples programa de obras voltado para a infra-estrutura, o PAC inaugurou uma nova visão de política econômica, abandonando a obsessiva fixação na macroeconomia e recolocando na agenda do País a temática do desenvolvimento – política pública que foi execrada pela visão maniqueísta dos dirigentes brasileiros que se sucederam nos anos 90 quando, embevecidos pela catilinária neoliberal do primeiro mundo, implantaram uma abertura comercial sem preocupações nem cuidados com a produção doméstica, como é feito pelas economias maduras de primeiro mundo. O PAC também constituiu um avanço sobre a ortodoxia monetarista apresentada pela própria política econômica do primeiro mandato do Presidente Lula. O programa tem uma visão de longo prazo e deve ser absorvido pela sociedade como um plano estratégico de Estado a ser implantado através de estímulos econômicos, parcerias e mecanismos de articulação institucional para os programas de infra-estrutura e, também, para os setores já priorizados pela política industrial, tecnológica e de comércio exterior definida no primeiro mandato presidencial, visando a convergência das atividades produtivas privadas em direção aos objetivos perseguidos.

A meta de crescimento de 5% ao ano, prevista pelo PAC, requer uma elevada expansão da taxa de investimentos a qual, obviamente, na sua maior parte terá de recair sobre o setor produtivo privado que, devido ao controle do processo inflacionário, hoje já dispõe de pré-condições favoráveis a tais objetivos.

Para ultrapassar vulnerabilidades existentes, ou supervenientes, o PAC requer além de uma coordenação técnica-política muito firme e administrativamente bem estruturada – como expresso na mensagem presidencial, também uma adequação das práticas e do marco legal à nova realidade que se quer construir. Isso não é matéria trivial, lidando-se com áreas tão complexas e autônomas da administração pública e do setor privado, conforme todos bem o reconhecem, mas o desafio foi feito pelo governo e aceito pelo setor privado.

Alguns críticos apontam que para a área industrial pouco foi oferecido até agora. A queda dos juros é muito lenta, onerando investimentos privados e o financiamento da produção. Taxa cambial daí decorrente favorece importações e prejudica exportações de manufaturados, e o aumento do crédito popular pouco influencia na indústria aqui estabelecida, ou só em alguns setores.

A questão tributária é complexa quando se precisa cuidar do bem estar social de um país com elevada concentração de renda e não será ela que por si só desatará esse nó, ainda que algumas medidas se imponham. De fato, o que o governo propõe é o que todos os brasileiros desejam – desenvolvimento econômico e social a um só tempo. E para isso, nada melhor do que discutir um dos campos em que pode haver maior sinergia nesse sentido – economia e saúde, mais especificamente assistência farmacêutica e indústria farmacêutica.

As políticas neoliberais que privilegiaram as importações desde a década de 90 fizeram um estrago considerável, levando o déficit do balanço de pagamentos nesse setor a multiplicar-se por cinco. Mas existem capacidades produtivas estabelecidas e conhecimento técnico e gerencial autóctone que permitirá nova fase de crescimento da indústria de fármacos, visando à cadeia farmacêutica.

Por isso o PAC renova esperanças na obtenção de intermediários químicos derivados do petróleo e da biomassa, duas linhas que o Brasil tem condições de incentivar, indo fundo na mudança necessária, criando um pólo produtivo do tipo que o mundo precisa, com respeito ao trabalhador e ao meio ambiente.

Para desencadear o processo de recuperação e desenvolvimento econômico do setor produtivo de fármacos no país, fatalmente teremos de enfrentar vários desafios burocráticos, inclusive do sistema regulatório, como alertou a mensagem presidencial, muito clara nesse sentido: “se não avançar naquilo a que se propôs, o governo terá sido vencido pela contradição interna de setores do próprio governo, que operam contra o desenvolvimento com equidade”.

O norte do desenvolvimento de fármacos é, pois, a equidade, fato que baliza esse movimento desenvolvimentista. A saúde deve procurar equidade, ou seja, levar os medicamentos necessários a todos que precisam e não apenas aos que podem comprá-los. O aumento do acesso aos medicamentos tem origem na política pública voltada para a equidade na assistência farmacêutica.

Um dos instrumentos de que dispõe o Governo para a produção de medicamentos essenciais é a rede de laboratórios oficiais os quais, no entanto, são submetidos a constrangimentos de fornecer com atrasos e com elevadas perdas por não poderem adquirir os fármacos com a qualidade necessária, compelidos que são a importar os de mais baixo preço e qualidade. A aparente vantagem econômica auferida através do sistema vigente para as compras governamentais de fármacos é totalmente comprometida pelas perdas de materiais, de produtividade e de tempo que resultam do uso de produto importado e que levam, inclusive, ao desatendimento dos compromissos de entregas assumidos com o Ministério da Saúde. Levantamentos realizados pelos laboratórios públicos atestam que a utilização de fármacos importados gera perdas da ordem de 30%, além das quedas de rendimento na produção dos laboratórios e dos prejuízos causados aos programas de saúde do governo, decorrentes de atrasos nas entregas.

Ora, na busca da equidade, são os medicamentos essenciais e, portanto, seus fármacos e seus intermediários químicos que o país precisa produzir. Precisam ser produzidos no Brasil com qualidade, para criar os empregos, para gerar os impostos, para dar maior segurança aos pacientes e, também, no mesmo movimento, se credenciarem estruturalmente para a inovação tecnológica e ganhar capacidade de exportação diferenciada.

Tudo isso não se realiza, no entanto, sem um ordenamento do sistema de compras governamentais que incentive a produção de medicamentos e de fármacos no país. Na há porque importar o que se tem capacidade de fazer localmente, e melhor. Nessa ótica o preço pago tem retorno dobrado pelo emprego gerado, pela contribuição à previdência social – pelo bem estar social.

Os laboratórios oficiais que produzem medicamentos para atender aos diversos programas do SUS não têm condições de fabricar, também, os fármacos correspondentes, necessitando adquiri-los do setor produtivo privado. Segundo práticas vigentes, tais aquisições são feitas através de pregões internacionais realizados sem uma imprescindível isonomia tributária e de qualidade entre o produto fabricado localmente e o importado, disso resultando uma reconhecida e totalmente nociva preferência ao produto fabricado no exterior, já que o preço de face da oferta na realidade constitui o único fator de escolha.

A solução desse problema passa, necessariamente, pelo uso do conceito de “customização” do fornecedor privado do farmoquímico ao parque produtivo de medicamentos instalado no País representado pelos laboratórios oficiais da rede pública – e à semelhança do que fazem os laboratórios privados com seus fornecedores. Cabe destacar que, para registrar um medicamento genérico, a ANVISA exige a identificação de, no máximo, três fontes para os fármacos, ou insumos farmacêuticos ativos (IFA) utilizados.

Nesse cenário as compras governamentais de IFA destinados à produção de medicamentos pela rede pública deveriam ser feitas através de licitações em cadastro de fabricantes credenciados pela ANVISA, elaborado pela rede de laboratórios oficiais e destinado à compra do serviço de produção e fornecimento do IFA pelo contratado com fiscalização de todo o processo produtivo pelo contratante, por períodos de até cinco anos – para “customizar” o fornecimento do IFA e atender às exigências de qualidade de genéricos da ANVISA. O processo de licitação deveria envolver o tratamento tributário isonômico das partes, o que requereria a dedução dos preços ofertados pelas empresas privadas que fabriquem IFA no País de todos os tributos, taxas e contribuições relativas ao serviço de produção e fornecimento realizado pelas mesmas no país, nas comparações de preço com similares importados.

Como um instrumento de política industrial, tecnológica e de comércio exterior, as compras de medicamentos ou os fármacos necessários à produção dos medicamentos essenciais à saúde que forem produzidos no País deveriam, ainda, receber como incentivos nas licitações públicas margens de preferência para efeitos da comparação de preços, em proporção ao grau de agregação de valor em termos de insumos nacionais incorporados ao produto em pauta, ou como prêmio ao desenvolvimento de novos produtos ou processos no País.

Adicionalmente deveria ser consagrado princípio já estabelecido pela Lei de Inovação, previsto de Lei de Licitações, que se refere à dispensa do processo licitatório na aquisição de produto desenvolvido no País, na forma de parceria entre o ente público, adquirente, e o ente privado, produtor.

A saúde representa oito por cento do PIB, emprega com trabalhos qualificados cerca de 10% da população brasileira e é a área em que os investimentos em inovação tecnológica estão entre os mais relevantes no País. Nesse contexto, articular a formação de parcerias entre as indústrias implantadas e que operam fábricas no Brasil, certamente estará no cerne da estratégia nacional de desenvolvimento econômico e social do País pretendido pelo governo federal.

Por tudo isso, foi música para nossos ouvidos o discurso de posse do Ministro da Saúde, ao dizer: “nós temos que pensar a saúde como um bem e um projeto social, estabelecendo uma estratégia nacional de desenvolvimento e inovação para o complexo produtivo de bens e serviços de saúde pública no país, pensando a saúde como um espaço de produção, desenvolvimento, criação de empregos e de riqueza para a nação e como fator imprescindível ao desenvolvimento”.

Eduardo Costa
Eduardo Costa
Assessor da Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz Ex-secretário de Ciência,Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde.
Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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