Muito se tem falado sobre o quão dispendioso é o desenvolvimento de uma nova droga. E, efetivamente, vários anos de pesquisa e investimentos pesados são necessários até que se produza uma molécula nova com eficácia terapêutica e livre de exacerbados efeitos colaterais.
As indústrias de pesquisa publicam constantemente informações que mostram serem necessários, em média, 12 anos de pesquisa e pesados investimentos para que um medicamento novo seja colocado no mercado.
Com todo esse esforço, não se pode negar a necessidade de um mecanismo que preveja proteção de mercado suficiente para incentivar novas pesquisas garantindo a amortização dos investimentos envolvidos. O sistema de patentes tem de fato atuado neste sentido, mas objetiva também o desenvolvimento tecnológico do País com a disponibilidade da informação e da tecnologia posteriormente ao período de monopólio concedido por meio da patente.
A pesquisa de novas moléculas é feita predominantemente por empresas multinacionais, que desenvolvem as drogas no seu país de origem, mas ainda assim o sistema de patentes também tem grande valor para a indústria nacional. Os laboratórios nacionais de grande porte, se ainda não desenvolvem novas moléculas, nem por isso deixam de investir crescentemente em pesquisa no território brasileiro, cooperando com o desenvolvimento do País. Inovações como novas rotas de síntese de drogas existentes, novas formulações e tecnologias incluindo as aplicadas a release diferenciado, assim como o desenvolvimento de segundo ou subsequente uso médico alternativo para drogas conhecidas, têm sido perseguidos pela indústria nacional, que tem por meta investir 5% de seu faturamento em pesquisa, procurando também obter patentes.
Hoje, no Brasil, uma patente conta com 20 anos de proteção e garante ao seu titular o direito de impedir terceiros de explorar a tecnologia por ela protegida. Neste ponto é importante observar que uma patente impede exclusivamente o uso da tecnologia nela reivindicada, ou seja, apenas da tecnologia nova.
Muitas empresas têm se declarado desestimuladas a colocar no mercado um produto (medicamento) para o qual só restam por volta de oito anos de monopólio, alegando que seria pouco tempo para amortizar seus investimentos. Discursos desse tipo têm sido apresentados à opinião pública e à Justiça, na tentativa de se obterem extensões de prazos de patentes além de outros privilégios relacionados, sob a alegação inclusive de as empresas não terem tido o direito de gozo de todo o prazo de proteção. O que não tem sido revelado ao público leigo é que um único medicamento costuma estar coberto não apenas por uma patente mas por dezenas delas, que se sobrepõem ou somam seus prazos de proteção de mercado, por vezes ultrapassando em muito, não apenas os tais oito anos, mas os 20 correspondentes a cada patente.
Cumpre esclarecer que, quando do desenvolvimento de uma nova droga, a primeira patente a ser pedida e concedida é a chamada patente de molécula por fórmula Markush. Esta patente ainda não define a droga que será colocada no mercado, mas uma família de inúmeros compostos químicos definidos por uma fórmula genérica, compreendendo inclusive características selecionadas de duas ou mais listas de substitutos em sua fórmula geral. Desses inúmeros compostos protegidos será selecionado, no curso da pesquisa, o melhor e o mais adequado ao mercado.
De fato, esta primeira patente terá apenas 20 anos de proteção. Porém, ao identificar a droga ideal e iniciar o desenvolvimento de formulações e testes clínicos, a empresa pesquisadora faz um novo pedido de patente. Esta, chamada patente de seleção, protegerá especificamente a molécula da droga selecionada para o mercado. Seu prazo específico será também de 20 anos, independentemente da patente anterior.
Ainda no decorrer da pesquisa, se identificado um diferencial na eficácia dos isômeros ópticos da droga em questão ou de suas formas cristalinas, novas patentes podem ser obtidas. Processos para sintetizar, obter ou purificar tais isômeros ou formas cristalinas geram, por sua vez, outras novas patentes. O acerto da formulação, com tecnologias e composição definidas de maneira a garantir a eficácia do tratamento, gera ainda outros pedidos de patentes, cada qual com 20 anos de proteção, independentes e contados a partir da data de cada pedido.
Se examinarmos um medicamento de mercado considerando as patentes que o protegem, de maneira a garantir o retorno do que foi investido na pesquisa, somaremos inúmeros documentos e uma pretensão de proteção de 30, 40, 50 ou mais anos. Sem dúvida este imenso prazo, por si só, caracteriza total monopólio e uma situação na qual a amortização do investimento estará plenamente garantida, sem qualquer justificativa para novos prazos.
Enquanto estiverem válidas as patentes referentes à fórmula Markush, à molécula específica da droga, aos seus isômeros e às formas cristalinas, sobrepõem-se prazos de proteção muito acima dos 20 anos, ficando os concorrentes impedidos de manusear ou comercializar tal droga nas especificações protegidas.
Numa segunda etapa, quando as primeiras patentes já não estão mais válidas, mesmo que outras já citadas o estejam, empresas concorrentes poderão disputar o mercado de forma lícita e – por que não dizer? – saudável, provocando queda de preços e maior acesso da população ao medicamento. Para isso, basta que empresas concorrentes tenham capacidade tecnológica e de pesquisa para trabalhar com formulações e tecnologias industriais que possibilitem chegar a um produto bioequivalente, mas sem se valer das tecnologias ainda sob patente. É nesse momento que entram no mercado os produtos similares.
O quadro resume e ilustra as diversas fases do desenvolvimento de um medicamento, o processo de pedidos de patentes e a entrada de produtos concorrentes no mercado.