REVISTA FACTO
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Jun-Jul 2006 • ANO I • ISSN 2623-1177
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//Especial 20 anos

Uma História em Verde e Amarelo: ABIFINA 20 Anos, Petrobras 50 Anos

No dia 21 de abril deste ano, em solenidades na Bacia de Campos e no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, o presidente da República anunciou a tão esperada auto-suficiência do Brasil na produção de petróleo. A Petrobras finalmente concretiza um de seus objetivos mais fundamentais desde a sua criação. Ao mesmo tempo, a ABIFINA está completando 20 anos de uma trajetória marcante no cenário da indústria de química fina nacional, no qual a Petrobras foi parceira em seus primórdios.

Desde a segunda metade do século 19 o petróleo vem se configurando como a mais importante fonte energética em todo o mundo. Na década de 1930, as expectativas quanto à sua existência em território brasileiro eram pessimistas, e a indústria petrolífera já tinha 80 anos quando a jazida de Lobato foi descoberta na Bahia. Enquanto o Conselho Nacional de Petróleo (CNP) começava a trabalhar na busca de novos poços, grupos nacionais e internacionais descompromissados com os superiores interesses da Nação, defendiam a alienação do controle da indústria potencialmente emergente, alegando uma suposta incapacidade do Brasil de mobilizar os recursos humanos e financeiros necessários à estruturação do negócio.

Em 1947, o general Horta Barbosa realizou uma histórica conferência onde lançou a tese do monopólio estatal do petróleo, na qual afirmou que “não é admissível conferir a terceiros o exercício de atividade que se confunde com a própria soberania nacional”. A partir daí iniciou-se a campanha “O petróleo é nosso”, que se destacou como o maior movimento popular da história do Brasil. Partidos com tendências ideológicas antagônicas se uniram aos milhares de CEDPENs (Centros de Estudo e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional) instalados em escolas, sindicatos, clubes, associações e, com o apoio crescente da população, a Petrobras foi criada em 1953, após cerca de dois anos de debates no Congresso Nacional.
A princípio a empresa produzia apenas 2.700 barris de petróleo por dia e refinava cerca de 10 mil – quantidade irrisória diante do consumo diário do País, que excedia os 100 mil barris. A importação de derivados, assim como de todo o equipamento e os serviços técnicos necessários ao funcionamento da indústria, custava ao País milhões de dólares e gerava forte desequilíbrio no balanço de pagamentos.

A estratégia para reverter esse quadro começou com a construção de grandes refinarias, aliada à formação de recursos humanos próprios. Com isso, a Petrobras conseguiu não só garantir o abastecimento de derivados a custos mais baixos, como gerar recursos financeiros para investir na exploração de petróleo. Além da implantação do parque de refino, a companhia também criou uma infra-estrutura de abastecimento, com a melhoria da rede de transporte, a instalação de terminais em pontos estratégicos do País e, a partir daí, uma rede de oleodutos e gasodutos.

Apesar desses avanços, o País carecia urgentemente desenvolver tecnologias de processos e de produtos, que era comprada em pacotes de engenharia fechados, e da mão-de-obra especializada, além dos geólogos e engenheiros egressos do CNP. As universidades brasileiras não formavam técnicos para a indústria nascente e a Petrobras foi obrigada a criar seus próprios cursos de especialização. Formou grande quantidade de profissionais – técnicos e administradores – e a partir de então nunca mais parou de investir no aperfeiçoamento de seus recursos humanos. Para a inovação e o desenvolvimento tecnológico em exploração, produção e industrialização de petróleo a Petrobras construiu o Cenpes, hoje o maior centro de pesquisa da América Latina.

O modesto retorno das bacias sedimentares terrestres indicava, entretanto, a necessidade de uma busca no mar, que teve sucesso com a primeira descoberta de petróleo no campo de Guaricema, ao largo de Sergipe. Mas o marco decisivo veio em 1974, com o campo de Garoupa, no litoral do estado do Rio de Janeiro. A partir daí, o Cenpes rapidamente ofereceu ao País respostas técnicas e econômicas de imediata aplicação na exploração da Bacia de Campos em águas profundas, que se revelou a mais importante província petrolífera do país, dando a Petrobras decisivo passo rumo à auto-suficiência e a uma liderança tecnológica mundial nessa área.

Em 1986, enquanto a Comissão de Estudos Constitucionais consagrava o monopólio estatal do petróleo, surgia a ABIFINA, no contexto de uma política tecnológica e industrial definida modestamente por portaria interministerial. A lei de vigilância sanitária da época, que obrigava o registro e a fiscalização de fármacos, serviu como justificativa para o Ministério de Indústria e Comércio (MIC) criar uma portaria que deu competência ao Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) para avaliar e apoiar projetos de implantação de um parque industrial de química fina.

A ABIFINA nasceu para defender esse novo setor produtivo e pleitear instrumentos para o seu crescimento. Nessa época, se estabeleceu para o setor uma política industrial não explícita mas efetiva, com o BNDES financiando os projetos aprovados pelo CDI, o MIC assegurando um mercado cativo por três anos, a Finep apoiando a inovação tecnológica das empresas através da Codetec e a então recém-criada Ceme conduzia as compras governamentais no segmento de fármacos e medicamentos, privilegiando o produto nacional. Paralelamente, a ABIFINA atuava em fóruns internacionais como a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), onde lutava por tarifas aduaneiras de proteção e contra medidas que enfraquecessem a produção da química fina nacional no mercado interno.

Os anos 90 foram marcados pela onda neoliberal globalizante, que chegou ao Brasil através do governo Collor e devastou amplos segmentos da indústria nacional, entre eles o de química fina, jogando por terra grande parte do esforço e dos recursos materiais e humanos investidos na década anterior. O furor privatizante do governo nos anos 90 atingiu a Vale do Rio Doce e chegou a ameaçar a Petrobras.

A desestatização a qualquer preço, que se chocava com os ideais de nacionalismo e autonomia cultivados na Petrobras desde a sua criação, acabou sendo evitada, e a abertura da Petrobras para o mercado de capitais – concebida no governo Fernando Henrique como um primeiro passo para a privatização – acabou gerando um saldo positivo: o fato de a Bolsa de Nova York fiscalizar a empresa, além de obrigar o governo brasileiro a respeitá-la – não usá-la para fins eleitoreiros -, estimulou ainda mais a profissionalização da sua gestão e ampliou sua credibilidade perante o mercado internacional.

No início da década de 90 a ABIFINA começava a se preparar, de forma pioneira no país, para o enfrentamento de uma questão crucial para a economia: a propriedade intelectual – que viria a se constituir na forma de dominação selecionada pelo primeiro mundo para o novo milênio. Diante dessa ameaça a ABIFINA se envolveu na elaboração do primeiro projeto de lei para a reforma do sistema patentário brasileiro, que previa entre outras coisas a não-patenteabilidade de microorganismos e a não-proteção automática para patentes estrangeiras. Naquela época, produto químico e processo ou produto farmacêutico não eram patenteáveis no Brasil, como em muitos outros países emergentes. A proposta apresentada pela ABIFINA serviu de base para o projeto de lei aprovado pela Câmara de Deputados, por consenso de todos os partidos, no ano de 1994. No entanto, após árdua batalha que culminou com a interferência do governo do presidente Fernando Henrique, através de ministros emissários, foram vencidas as resistências no Senado, e o projeto de lei aprovado na Câmara foi alterado, sob a alegação de que o País sofreria retaliações na área siderúrgica e de sucos de laranja se não efetuasse as concessões demandadas pelos Estados Unidos. Assim foi aprovada em 1996 uma versão da Lei de Propriedade Industrial brasileira, diversa da proposta original da ABIFINA, mas aceita pelo setor produtivo nacional condicionado ao compromisso dela constituir o limite máximo nas concessões brasileiras nessa área.

Assim ocorreu o alinhamento da questão das patentes em todo o mundo a partir da aprovação dos acordos constitutivos do GATT em 1994, em especial TRIPs, segundo os interesses predominantes dos países desenvolvidos. Não satisfeitos com o desfecho do acordo TRIPs a partir de 1995 os países mais avançados, em especial Estados Unidos, voltaram a carga propondo medidas tipo TRIPs-Plus, que constituíam numa enorme ampliação dos direitos conferidos pelo monopólio das patentes. Diante dessa ameaça a ABIFINA passou a atuar na defesa dos interesses nacionais na área de propriedade intelectual dentro da Confederação Nacional da Indústria, participando ativamente da Coalizão Empresarial Brasileira, criada pela confederação, para atuar em fóruns internacionais como interlocutor do setor produtivo interno.

Nesse cenário, em negociações internacionais em que a Coalizão Empresarial Brasileira atuou como representante do setor privado – em especial na construção da Alca -, a ABIFINA participou como porta-voz da Confederação Nacional da Indústria nas discussões envolvendo o tema propriedade intelectual, defendendo os interesses do setor produtivo interno que estavam expressos pela convergência da nova lei de propriedade industrial.

Posteriormente, vem sendo admitido pelo governo federal e pelos interlocutores nessa área que se encontram no Congresso Nacional que o Brasil foi “mais realista do que o rei” – isto é, que havíamos concedido além de TRIPS. A posição firmada no âmbito governamental, apoiada pela ABIFINA, é que o Brasil não deve conceder mais nada nessa área, expressa na seguinte manifestação do ministro Celso Amorim nas discussões sobre a Alca: “não trocamos propriedade intelectual por mercadoria”.

A Petrobras sempre teve um projeto de desenvolvimento industrial associado à fabricação local e à inovação tecnológica. Fabricação local porque, desde o começo, sempre deu preferência ao produto nacional de qualidade, desenvolvendo assim um grande parque de fornecedores, viés que nenhuma outra grande empresa de petróleo do mundo cultivou. Os avanços tecnológicos, aliados à capacitação da força de trabalho e à preservação do meio ambiente, garantiram-lhe uma posição entre as dez maiores empresas internacionais de petróleo.

À parte a relevância da conquista da auto-suficiência, é preciso reconhecer o fato de que o petróleo constitui um recurso não-renovável e que, portanto, um dia se extinguirá; e também que a combustão dos seus derivados produz impacto ambiental de considerável magnitude. Por isso, e acompanhando a preocupação mundial com o futuro do planeta, a Petrobras vem deixando de ser apenas um símbolo da indústria do petróleo para despontar como uma potência energética e industrial, voltada para o desenvolvimento sustentável. Assim, a empresa segue desenvolvendo tecnologias, descobrindo novas reservas, construindo plataformas e refinarias e, ao mesmo tempo, investindo fortemente na pesquisa de fontes renováveis de energia, como o biodiesel, bem como buscando oportunidades de negócios no ramo dos derivados químicos do petróleo, como hoje projeta sua Refinaria Petroquímica – que, certamente, ofertará as matérias-primas indispensáveis para a química fina evoluir no Brasil. É necessário garantir que a auto-suficiência não seja um fim em si mesma, mas sim o início de uma história duradoura de responsabilidade com o desenvolvimento econômico, social e ambiental.

A ABIFINA, com 20 anos de história, reúne empresas brasileiras – qualquer que seja a composição societária, compromissadas com os mesmos ideais que resultaram na criação da Petrobras: a busca do desenvolvimento nacional com responsabilidade e convergência aos superiores interesses do País, expressos pelo binômio “fabricação local” e “inovação tecnológica”. O posicionamento da ABIFINA, assim como o da Petrobras em sua longa trajetória, reflete uma luta renitente pela valorização dos nossos recursos humanos, naturais e materiais, e do seu mercado interno, sem os quais não se constrói uma verdadeira nação. Este é o melhor caminho para a conquista e a preservação da identidade soberana da nação brasileira.

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