REVISTA FACTO
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Jun-Jul 2006 • ANO I • ISSN 2623-1177
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Inovação Tecnológica
//Entrevista Fabio Erber

Inovação Tecnológica

Quais foram as novidades apresentadas pela Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) de 2003?

Em primeiro lugar, a própria existência da política. Desde 1990 não havia uma política governamental formada a partir de uma visão da estrutura produtiva do país, embora existissem medidas pontuais. Algumas dessas medidas eram voltadas para defesa de setores específicos contra a concorrência desleal no comércio internacional (por exemplo, em têxteis), outras visavam competir com vizinhos do Mercosul pelo investimento estrangeiro, como foi o caso do regime automotivo. Mesmo quando foram tomadas medidas criativas, como no caso dos fundos setoriais para apoio à inovação, estabelecidos pelo Ministério de Ciência e Tecnologia no fim do último governo, seu alcance era fragmentado. 

A PITCE parte da percepção de que os diversos setores e cadeias produtivas desempenham papéis diferenciados na dinâmica do desenvolvimento, em termos de geração e difusão de inovações, competitividade e dinamismo internacional e atendimento das necessidades básicas da população. Assim, a partir dos critérios de funcionalidade no processo de geração e difusão de inovação, efeitos sobre o balanço de pagamentos e eqüidade econômica e social, foram priorizados, dentro da estrutura produtiva, os setores de software e componentes eletrônicos, que compõem o núcleo do “complexo eletrônico” – o mais dinâmico do mundo, os bens de capital, onde o progresso técnico se materializa e é difundido pelo resto do sistema produtivo e o setor de fármacos, sem o qual o País fica na dependência de oferta estrangeira de farmoquímicos que entram na composição de medicamentos importantes no combate a doenças (AIDS, tuberculose etc.) com custos e riscos (de desabastecimento) crescentes para a sociedade brasileira. Somente este ano o Ministério da Saúde deverá gastar com compras de medicamentos para atendimento a doentes com AIDS R$ 1,2 bilhão, um gasto crescente devido ao fato de muitos desses medicamentos serem patenteados. Pensando a prazo mais longo, selecionaram-se dois campos tecnológicos de natureza transversal, cujo desenvolvimento afetará parte significativa da sociedade brasileira e nos quais é fundamental constituir uma forte capacitação técnica e produtiva: biotecnologia e nanotecnologia, corretamente qualificados como “portadores de futuro”. Ou seja, há na PITCE uma visão da evolução desejada da estrutura nacional de capacidades científicas, técnicas e produtivas. Ao propor esta visão à sociedade, o Estado cumpre uma das suas funções básicas: a coordenação das expectativas e a redução de incertezas, notadamente as expectativas dos empresários.

Qual é o papel desempenhado pelos instrumentos financeiros na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior?

Os principais atores da Política Industrial são as empresas privadas e a PITCE só se efetiva se seus protagonistas aumentarem os investimentos em capacidade tecnológica e de produção. O Estado pode fomentar estes investimentos por meio de dois tipos de instrumentos: aqueles que reduzem custos e os que reduzem riscos. Instrumentos como os incentivos fiscais e, em especial, o financiamento reduzem principalmente o custo do investimento e diferem esse custo ao longo do tempo, reduzindo as barreiras ao investimento. Outros mecanismos financeiros, como o capital de risco reduzem, como o seu nome indica, o risco do investimento. No âmbito da PITCE, o BNDES e a Finep estabeleceram vários mecanismos que visam reduzir o custo do seu financiamento e partilhar o risco dos investimentos, principalmente para os setores e atividades prioritários da política, a exemplo do Profarma do
Banco e a subvenção prevista na Lei de Inovação.

A seu juízo, esses instrumentos são suficientes?

Não. Esses instrumentos são necessários, mas não suficientes. Em primeiro lugar, eles podem ser melhorados. Por exemplo, a subvenção da Lei de Inovação precisa ser regulamentada e o custo do financiamento para os mutuários do BNDES pode ser minorado pela redução da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que estabelece o piso do custo do financiamento. Manter a TJLP alta faz com que, quando somada aos spreads de risco do BNDES e dos seus agentes, o financiamento de longo prazo no Brasil seja mais caro do que nos demais países, reduzindo a competitividade internacional das nossas empresas. Essa taxa é arbitrada pelo Conselho Monetário Nacional, foi mantida indevidamente alta por muito tempo e é importante que a tendência cadente observada recentemente seja reforçada. O argumento de que a TJLP traz embutido um subsídio porque é mais alta que a taxa Selic não se sustenta, posto que compara taxas cujo processo de formação e tipo de aplicação são completamente distintos, da mesma forma que é incorreto juntar os créditos concedidos pelos agentes do BNDES com recursos do FAT, feitos voluntariamente por esses agentes, com a aplicação obrigatória de recursos  pelos bancos, a exemplo do crédito para a agricultura.

Em segundo lugar, é necessário estimular o capital de risco.  A política monetária em vigor produz um forte viés em favor de aplicações em títulos governamentais de curto prazo, alta liquidez e baixo risco, inibindo o desenvolvimento do mercado de capitais. Firmas de porte pequeno e médio, principalmente as que estão em seus estágios iniciais do ciclo de vida, são especialmente afetadas pelo conservadorismo da estrutura financeira estabelecido pela política monetária. O Sistema BNDES precisa ser capitalizado através dos lucros que gera e ser tratado de forma específica pelo Banco Central, dado que um banco de desenvolvimento é uma instituição distinta daquelas para as quais foram desenhadas as normas do Acordo de Basiléia que o Banco Central aplica na sua supervisão. É óbvio que não estou recomendando a gestão temerária dos recursos próprios e do FAT pelo BNDES, mas é forçoso reconhecer que uma das funções de um banco de desenvolvimento é assumir riscos. Tivesse o BNDES uma atitude timorata no passado, não teríamos hoje a indústria brasileira.

Admitindo que esses problemas que apontou acima estivessem resolvidos, os investimentos que a PITCE gostaria de ver necessariamente surgiriam? Ou seja, é uma questão apenas de financiamento?

Antes fosse. Acho que a questão da incerteza que bloqueia os investimentos tem três componentes. Um é o financeiro, ao qual já me referi e que já é complicado. O segundo é o de acesso a insumos que a empresa necessita, mas não tem condições de produzir, especialmente quando esses insumos têm um processo de produção que demanda grandes escalas, longos períodos de maturação e não são comercializados internacionalmente. Por exemplo, serviços de infra-estrutura e, em boa medida, recursos humanos. No nosso caso, esse tipo de incerteza é agravado pela deterioração da infraestrutura física, resultante da inadequação das estratégias que foram adotadas para a privatização e regulação desses serviços, e pelo baixo desenvolvimento da infra-estrutura de ciência e tecnologia. Em outras palavras, essa incerteza “técnica” está muito vinculada à política fiscal. O terceiro tipo de incerteza tem a ver com o mercado. As duas primeiras incertezas estão ligadas à viabilização dos investimentos. A do mercado refere-se à atratividade do investimento. Se a existência do mercado é muito incerta, o investimento tende a ser nulo ou reduzido ao mínimo possível. Aqui, uma vez mais, as condições de contexto prevalecem: é necessário que haja um padrão de crescimento que seja visto como sustentável, não espasmódico, e que, havendo crescimento sustentável, o acesso ao mercado não seja inviabilizado pela política cambial, de importações (tarifas e normas) e por não se poder aplicar uma política de compras, quando o Estado é o grande comprador, como no caso da indústria farmacêutica, por conta da política fiscal.

Na sua visão, o tripé de políticas macroeconômicas – monetária, cambial e fiscal – reduz a eficácia da PITCE?

Nos anos 70, o pessoal que trabalhava com política científica e tecnológica desenvolveu o conceito de “políticas explícitas e implícitas”, que pode ser aplicado ao caso brasileiro atual. A política industrial “explícita”, a PITCE, visa aumentar os investimentos em capacidade tecnológica e produtiva, o tripé macroeconômico visa manter a estabilidade de preços a curto prazo e o diagnóstico que faz da economia brasileira e sua implementação contêm um conjunto de incentivos negativos para o investimento industrial que atuam na direção contrária à da PITCE. Esse conjunto de incentivos do tripé é uma política industrial “implícita”. Desde os anos 70 sabemos que quando as políticas explícitas e implícitas convergem obtém-se um forte efeito de sinergia entre elas. Quando elas divergem, todas perdem eficácia, especialmente as políticas setoriais, como é o caso da PITCE.

A que se deve esta contradição entre a PITCE e as políticas macro?

Acho que a contradição reflete as divisões que existem dentro do Estado brasileiro, que, por sua vez, refletem divisões dentro da sociedade. Para colocar de outra forma: as políticas econômicas convergem quando existe uma “convenção”, um acordo que se estabelece entre os principais protagonistas do processo decisório, quanto aos principais problemas que se quer resolver e quanto às soluções aceitáveis para solucionar esses problemas. No caso brasileiro, houve, no campo da economia, uma convenção dominante durante meio século: a convenção desenvolvimentista. Atualmente, não há uma convenção que exerça semelhante hegemonia sobre corações e mentes, embora haja, claramente, uma convenção dominante. Esta tem por objetivo a estabilidade de preços e por instrumentos as mudanças institucionais e o tripé macro que já vimos. Vê o crescimento mais como uma ameaça à estabilidade do que como uma solução. Na melhor das hipóteses, o crescimento é algo que paira no horizonte, condicionado às reformas e à manutenção do tripé. Mas, como sabemos, o horizonte é uma linha imaginária que se afasta à medida que dela tentamos nos aproximar…

Fabio Erber
Fabio Erber
Doutor em Economia pela Universidade de Sussex, é Professor Titular de Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da UFRJ, onde tem realizado cursos sobre teoria do desenvolvimento e história da política econômica recente no Brasil. Desde os anos 70 esteve envolvido com a proposição e implementação de políticas de desenvolvimento tecnológico e industrial, trabalhando na Finep, no Ministério de Ciência e Tecnologia, no Ipea e no BNDES, onde foi diretor no governo Itamar Franco e, novamente, em 2003/2004, quando participou ativamente da formulação e execução da PITCE. Na entrevista a seguir, Fabio Erber contribui com uma reflexão sobre esses temas de relevante interesse nacional.
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