O mundo entrou em uma nova onda de atuação do Estado para fortalecer suas indústrias: segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), mais de 2.500 intervenções de política industrial foram registradas no mundo em 2023. São 7 trilhões de dólares, a maior parte aplicados por países desenvolvidos. O Brasil está nesse movimento, com um nível de articulação social e volume de recursos jamais visto pelos especialistas que participaram do XV Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento (SIPID), no dia 09 de dezembro. Realizado no Centro de Convenções da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), o evento teve como tema “Os desafios da propriedade intelectual e a Nova Indústria Brasil (NIB)”.

Na mesa de abertura, o presidente do Conselho Administrativo da ABIFINA, Odilon Costa, valeu-se de frase de Nelson Brasil de Oliveira, presidente de honra in memoriam da entidade, para endereçar as conversas que viriam: “Temos que buscar a definição de um grande projeto nacional de longo prazo com uma única visão de nação”. E complementou com o papel do Seminário nessa tarefa. “As discussões do SIPID refletem o compromisso da ABIFINA com o desenvolvimento sustentável e a inovação tecnológica no País”.

Do ponto de vista de quem vivenciou a transformação do ambiente de negócios brasileiro nos últimos 50 anos, o vice-presidente da Firjan, Carlos Fernando Gross, comentou que, ser industrial, é uma vocação, na qual “o objetivo é permanecer” – em outras palavras, sobreviver aos altos e baixos da economia brasileira. Ele falou não apenas como representante de entidade setorial, mas também como diretor presidente do quase centenário laboratório farmacêutico Gross.

Ainda na abertura, Júlio César Moreira, presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), anunciou que a autarquia objetiva chegar ao tempo médio de 3,9 anos para a concessão de patentes em 2025, contados a partir do pedido de exame. Para 2026, a intenção é chegar a dois anos.

Ele argumentou, ainda, em favor de o INPI ter mais recursos para sua operação. “O INPI arrecadará este ano cerca de R$ 400 milhões, com uma taxa de arrecadação que cresce 10% ao ano. Esse dinheiro deveria, por lei, ficar no Instituto, o que não acontece. Apenas 10% desse dinheiro resolveria nosso problema. É um dinheiro que é de vocês, que pagam para ter os serviços do Instituto”.

Prêmio Denis Barbosa

O SIPID foi palco para o anúncio do homenageado no 9° Prêmio Denis Barbosa de Propriedade Intelectual e Interesse Público. O escolhido foi Marcos Oliveira, colaborador da ABIFINA de longa data. O advogado Pedro Marcos Barbosa conduziu a cerimônia.

“Marcos tem uma visão holística da PI e isso se deve a sua experiência nos três setores da economia. Foi aluno da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro], onde se graduou em engenharia química, e depois da ESG [Escola Superior de Guerra]. Na Fiocruz, desenvolveu boa parte das habilidades que o levaram a ganhar o prêmio hoje. Além do Estado, Marcos tem grande experiência na Petrobras, que é uma sociedade de economia mista, mas com grande força empresarial. Por fim, sua atuação por décadas na ABIFINA fez sua visão debatedora da PI. Viva Marcos Oliveira!”, celebrou Barbosa.

Estratégias globais e oportunidades para a competitividade brasileira

Esse foi o assunto da palestra magna proferida pelo economista João Furtado, professor na Universidade de São Paulo (USP). Em sua análise, a indústria perdeu o papel e a legitimidade que teve no desenvolvimento do Brasil e ainda não reconquistou esse lugar. “Precisamos, coletivamente, construir um lugar de legitimidade durável. Porque a política industrial não é um pé de alface que fica pronto em dez semanas. Demora décadas para chegar à maturidade”, defendeu.

A política industrial deve também se atentar à nova dinâmica da economia, de ciclos de inovações cada vez mais curtos. Estamos nesse caminho com a NIB. Ainda assim, Furtado fez críticas, sendo a principal delas sobre os mecanismos para se chegar aos objetivos traçados nas seis missões da política.

“Se você quer ser ambicioso, deve se dotar dos meios para essa missão. Não adianta dizer que quer elevar o grau de autonomia do Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS) sem dizer os instrumentos. E os instrumentos que temos até agora são limitados e insuficientes. Logo, eles não vão viabilizar a missão e, mais uma vez, alguém vai apontar o dedo e dizer: está vendo, não funciona”.

Em seguida, os debatedores comentaram os pontos expostos por Furtado. Fabricio Silveira, superintendente de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), vê de forma mais positiva a questão dos incentivos. “Temos o Plano de Transformação Ecológica, o Novo PAC, o Plano Brasileiro para Inteligência Artificial, com muitos instrumentos e muitas entidades envolvidas. Precisamos coordenar tudo isso e ter um cronograma de ação”.

Agregando a experiência internacional, Vitor Pimentel, gerente setorial do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), discorreu sobre o estudo de sua equipe que relata nuances da política industrial hoje nos Estados Unidos, União Europeia, China e Índia.

O ex-Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, da Fiocruz, moderou o debate, comentando a evolução das discussões sobre a relação entre desenvolvimento socioeconômico e saúde, que são a base para a ideia de fortalecimento do CEIS e hoje estão refletidas na NIB.

Perspectivas estratégicas do INPI para a NIB

O primeiro painel teve como palestrante Alexandre Dantas, diretor de Patentes do INPI. Ele apresentou o projeto Diálogo com as Partes Interessadas. O principal tema da primeira reunião foi a proposta controversa de o INPI adotar como padrão o requerimento e o pagamento do exame da patente já no ato de depósito (como forma de encurtar o tempo até a realização do exame). Hoje o requerente tem 36 meses após o depósito para pedir o exame, possibilidade que continuará a existir, porém deverá ser solicitado o adiamento do início do exame pelo depositante.

O advogado Gustavo de Freitas Morais, sócio do escritório Dannemann Siemsen, refutou que essa seja uma medida necessária. Para ele, esse dispositivo da Lei deveria ser mantido, pois, na sua opinião, o atraso do INPI acontece entre o requerimento de exame pelo usuário e o início do exame propriamente dito.

Por sua vez, Pedro Marcos Barbosa comentou que certas mudanças infralegais do INPI, especialmente na segunda instância, têm gerado judicialização. Já Ricardo Campello, sócio do escritório de advocacia Licks Attorneys, destacou os resultados obtidos pelo INPI nos últimos anos com ações administrativas que levaram a um aumento de produtividade.

A moderadora Ana Claudia Oliveira, especialista em PI da ABIFINA, também ressaltou os esforços de melhoria do INPI, ponderando a preocupação dos usuários com a qualidade do exame, o que fica como ponto de atenção.

Financiamento para impulsionar inovação na NIB

O segundo painel teve como palestrante João Paulo Pieroni, superintendente da Área de Desenvolvimento Produtivo e Inovação do BNDES. Segundo ele, o Brasil está fazendo um grande trabalho para superar a desindustrialização e a reprimarização da economia. A NIB tem o investimento total previsto de R$ 1,6 trilhão até 2029. São recursos oferecidos por meio de financiamento e de subvenção econômica.

Pieroni listou uma série de programas governamentais no âmbito da NIB que articulam as diferentes agências públicas de fomento justamente para evitar a concorrência entre elas e a falta de coordenação mencionada pelo professor João Furtado na palestra magna.

A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação (Embrapii) faz parte desse esforço conjunto. O gerente de Relações com o Mercado José Menezes disse que a instituição tem o papel de alavancar investimentos, uma vez que seu modelo pede contrapartida financeira da empresa e da Instituição de Ciência e Tecnologia associada ao projeto.

O debatedor Rodrigo Secioso, superintendente de Inovação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), pontuou que os instrumentos vistos hoje são desdobramento de longos processos de articulação governamental, como a lei que veta o contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Isso possibilitou que, em 2023, a Finep apoiasse 7,8 bilhões em projetos, valor que saltou para 17 bilhões até novembro deste ano. “Vemos uma retomada acelerada dos investimentos, uma demanda explosiva”, observou.

Diante de tantas oportunidades neste momento, Luís Menezes, diretor financeiro da farmacêutica EMS, voltou ao ponto da longevidade necessária à política industrial: “Investimento em pesquisa e desenvolvimento deve ter velocidade e constância. Não adianta dar uma enxurrada de dinheiro e depois faltar”.

O moderador do debate, George Cassim, diretor de Relações Governamentais da ABIFINA, acrescentou que o desafio da indústria da saúde é ainda maior quando se olha para segmentos específicos, uma realidade que deve embasar mais ações públicas para o setor.

Encerrando o SIPID, Odilon Costa comemorou o sucesso do evento, que cumpriu seu objetivo de reunir os diferentes atores para um debate profícuo sobre os rumos do Brasil, passando por pontos fundamentais, como acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS), Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) e o papel estratégico da propriedade industrial. Para ele, o XV SIPID deixa uma importante contribuição para a NIB.

Assista à gravação na parte da manhã

Assista à gravação na parte da tarde

 

Para conhecer as edições anteriores do SIPID, acesse: https://abifina.org.br/eventos/evento-tipo/sipid/