Tema frequente na pauta da ABIFINA, os prejuízos da extensão de patentes ao acesso a medicamentos foram o foco das discussões durante o XIII SIPID – Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento. O seminário foi realizado pela entidade na quinta, dia 8, com o apoio institucional da Fiocruz, que sediou o evento. Esta foi a primeira edição no formato híbrido, tendo reunido um público expressivo, com mais de 150 ouvintes, entre virtual e presencial.
Durante os debates, representantes da indústria, da academia e do setor público reforçaram a importância de um sistema de propriedade intelectual justo, capaz de incentivar a inovação e ao mesmo tempo possibilitar a concorrência. Isso implica, na visão dos participantes, combater a proteção patentária abusiva, que frequentemente leva ao aumento de preços.
A abertura ficou por conta do presidente executivo da ABIFINA, Antonio Carlos da Costa Bezerra, e o vice-presidente de pesquisa e coleções biológicas da Fiocruz, Rodrigo Correa de Oliveira.
Encarecimento de medicamentos
O encarecimento de produtos de saúde é um obstáculo ao acesso da população a medicamentos e vem sendo observado em diversas partes do mundo.
Na palestra magna, a advogada Pascale Boulet – especialista em PI da iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês) – mostrou como a concessão dos chamados certificados de proteção suplementar (SPC, na sigla em inglês) na União Europeia (UE) afetou negativamente o valor de comercialização de fármacos. Ela trouxe o exemplo do Truvada, medicação para tratamento de infecção por HIV. Em 2019, seu preço na Suécia, onde o SPC para o medicamento estava em vigência, era 800 euros, contra 170 euros na França, onde o certificado havia sido revogado, e apenas 30 euros na Holanda, país que nunca concedeu a extensão da patente.
Criado em 1993 com o objetivo de compensar a demora na aprovação de patentes e garantir ao menos 15 anos de proteção patentária efetiva, o SPC é hoje alvo de questionamentos, explicou a advogada. Mesmo com critérios bem definidos para sua concessão, o instrumento gerou intepretações variadas pelos escritórios de patente de cada membro da EU, o que levou à judicialização.
Nos Estados Unidos, há atualmente uma crise séria de acesso a medicamentos devido aos altos preços cobrados pela indústria farmacêutica, como ficou evidenciado no segundo painel, na palestra de Priti Krishtel, uma das fundadoras e diretoras executivas da I-Mak, iniciativa voltada para a promoção do acesso a medicamentos. De acordo com Krishtel, o problema é resultado do excesso de extensão da vigência de patentes, cuja duração total em alguns casos chega a ultrapassar 40 anos.
É o caso do Revlimid, medicamento usado no tratamento de um câncer na medula óssea. Lançado em 1996, a medicação hoje está protegida até 2037, considerando as patentes adicionais concedidas desde sua chegada ao mercado. No período, o produto registrou 287% de aumento de preço, garantindo para a fabricante um faturamento de cerca de U$ 61 bilhões.
Segundo Krishtel, a prática de depositar novas patentes relativas a substâncias já patenteadas é adotada por grandes farmacêuticas para ampliar o período de monopólio comercial e barrar a concorrência. Diversos medicamentos que hoje seguem protegidos nos EUA já possuem genéricos comercializados em outros países, a custos mais baixos.
O cenário atual tem levado a sociedade americana a questionar o funcionamento de seu sistema de propriedade intelectual do país. “Há muita conversa acontecendo sobre se o USPTO (escritório de patentes americano) está concedendo patentes demais e se há recursos e tempo suficientes para que os examinadores possam de fato avaliar os produtos”, contou.
Riscos da extensão de patentes no Brasil
O Brasil também tem experimentado um movimento para revisão do sistema de propriedade intelectual, com pressão para uma modernização da Lei de Propriedade Industrial (LPI) que inclua dispositivos para extensão da vigência de patentes. O tema foi abordado no SIPID, em tom de críticas.
Moderando a mesa de abertura, o advogado e consultor jurídico da ABIFINA Pedro Barbosa questionou o que chama de métodos criativos adotados por advogados no Brasil como estratégia para prorrogação indevida da vigência de patentes farmacêuticas. O advogado lamentou que a decisão do STF em 2021, que considerou inconstitucional o parágrafo único do artigo 40 da LPI, instrumento que estendia a validade de uma patente em caso de atraso na análise do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sofra tentativas de reversão, prejudicando o acesso a medicamentos no país.
Ele também reprovou a proposta de o Brasil implementar o SPC. “Não é cabível falar em importação de SPC sem previsão legal. A própria implementação tem uma serie de embaraços. É comum que pedidos de patentes tenham dezenas de reinvindicações e às vezes é só num pedaço de uma reivindicação que consta o medicamento. Na hora de implementar o SPC, no caso de atraso da Anvisa, vão considerar qual reivindicação?”.
No debate, Jorge Bermudez, pesquisador da Fiocruz, defendeu que é preciso haver um equilíbrio entre o direito dos inventores, a proteção patentária, as leis internacionais sobre direitos humanos, as regras do comércio internacional e a saúde pública. Criticou ainda o que identifica como um apartheid no acesso a medicamentos de países pobres e populações vulneráveis, resultado, na sua visão, de um sistema de propriedade intelectual que tem privilegiado a concessão de patentes de forma excessiva, em detrimento da saúde pública.
Na mesma linha, Alan Rossi, advogado da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), rechaçou a proposta para que o Brasil adote mecanismos de compensação para demora na aprovação de uma patente, por entender que se trata de um abuso na proteção patentária. Já Julia Paranhos, pesquisadora e professora do Instituto de Economia da UFRJ, alertou que o excesso de proteção de invenções prejudica a concorrência e pode aumentar a dependência externa brasileira por produtos e insumos importados.
Para Boulet, o Brasil precisa refletir a respeito das consequências de se adotar dispositivos para extensão de vigência de patentes, quem seria beneficiado com essa decisão, que efeitos isso teria nos preços de comercialização de medicamentos, se existem evidências de que tais instrumentos são necessários para que o inventor recupere o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Para ela, a adoção desses mecanismos deve estar condicionada a mais transparência sobre os custos de pesquisa e desenvolvimento das empresas, além de levar em consideração o interesse público.
A preocupação com a possibilidade de modernização da nossa Lei de Propriedade Industrial (LPI) também foi tema do debate no segundo painel. Para Alexandre Dantas, diretor substituto de Patentes, Programas de Computador e Topografias de Circuitos Integrados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (DIRPA/INPI), a modernização do sistema de PI brasileiro passa necessariamente pela modernização do escritório brasileiro de patentes. “É importante que as instituições que afetam a proteção desse tipo de direito estejam realmente aparelhadas para desempenhar um trabalho eficiente”, argumentou.
Camila Raposo, consultora de Patentes da Biolab Farmacêutica, defendeu a importância da proteção patentária como estímulo ao investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos. No entanto, alertou para o perigo do uso abusivo dessa proteção. “As discussões estão sendo muito focadas em extensão de prazo, mas a gente já tem 20 anos de monopólio, independente de o INPI atrasar ou não o exame no Brasil, nossa lei tem um parágrafo que garante isso”, afirmou.
Já para a mediadora do debate, Ana Claudia Dias de Oliveira, consultora de Propriedade Intelectual e Biodiversidade da ABIFINA, uma das preocupações é a possibilidade de ampliação do escopo da patente, como estratégia para ampliar o monopólio de um produto. Para ela, isso é um risco maior para produtos oriundos da biodiversidade nacional. “Os brasileiros são os principais titulares de patentes relativas à biodiversidade. Se aumentar o escopo, o monopólio vai passar para outros países. A gente consegue inovar com a nossa biodiversidade. E aumentando esse escopo e podendo patentetar tudo, até que ponto a gente vai conseguir desenvolver e estará livre para usar com responsabilidade ambiental a biodiversidade brasileira?”, questionou.
Prêmio Denis Barbosa
A 13ª edição do SIPID teve também a entrega do sétimo Prêmio Denis Barbosa de Propriedade Intelectual, que este ano foi dado à Biolab Farmacêutica. A empresa foi escolhida pelo extenso portfólio de patentes concedidas no Brasil e em outros países, o maior número entre as associadas da ABIFINA. Em vídeo gravado para o evento, Dante Alario Júnior, CSO da Biolab, agradeceu a homenagem e defendeu a capacidade da indústria brasileira. “O maior número de patentes depositadas e concedidas à Biolab são de origem farmoquímica, patentes de síntese. Ou seja, é possível fazer inovação radical no Brasil, é possível desenvolver novas moléculas para serem feitas aqui”, celebrou.