O XI Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento (Sipid) fez sucesso no novo formato virtual e contou com a participação de 250 pessoas. Na abertura do evento, o vice-presidente de Propriedade Intelectual & Inovação da ABIFINA, Dante Alario Junior, traçou um panorama do tema central desta edição, que foram os impactos da extensão dos prazos de patentes.
Alario mostrou os dois lados que a questão envolve. “Temos a empresa, que quer a patente válida pelo maior tempo possível. Temos o custo da exclusividade de mercado por um tempo maior, pois isso elimina a competição e encarece os medicamentos tanto para o SUS, como para o consumidor final. Existe a empresa que quer sua patente e outras que querem entrar no mercado. Basicamente são interesses”, afirmou. A intenção do Sipid foi promover a discussão sobre as consequências para cada um dos lados e o melhor caminho para o País.
Na visão do vice-presidente da ABIFINA, se o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) resolver a longa demora para a decisão de pedidos de patentes, o problema da prorrogação dos prazos acaba. Mas ele ressalvou: “Não queremos que o INPI seja mero carimbador do que vem de fora. Queremos que o INPI use cada vez mais a capacidade analítica de seus profissionais.”
Experiência europeia
O aumento dos níveis de proteção de propriedade intelectual (PI) na União Europeia foi tema da palestra magna proferida pela especialista Ellen ‘T Hoen, advogada, pesquisadora e defensora da saúde pública, com mais de 30 anos de experiência em políticas farmacêuticas e de PI.
Ellen contou que os países da comunidade europeia concedem às empresas farmacêuticas cinco anos de exclusividade no uso de seus dados de pesquisa, o que consiste em uma proteção suplementar à das patentes.
Segundo Ellen, vários estudos foram feitos e não se comprovou a efetividade desse mecanismo para incentivar a inovação pelas empresas. Por outro lado, neste momento de pandemia, discute-se as limitações que a proteção de dados colocará para os países terem acesso aos tratamentos que serão criados.
Para a especialista, o Brasil deve pesar os pós e contras de manter o dispositivo do parágrafo único do artigo 40 da Lei da Propriedade Industrial (que estabelece a prorrogação da validade de patentes em caso de demora no exame). O País também precisa avaliar as vantagens de adotar a proteção extra a dados de testes. Nenhum dos dois mecanismos são exigidos no acordo internacional TRIPs.
Após a apresentação, a pesquisadora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Julia Paranhos conduziu o debate com Ellen e os participantes.
Julia comentou que o caso brasileiro é diferente do europeu, pois o artigo 40 vale para as patentes de todos os segmentos e constitui uma barreira à entrada no mercado. Ainda assim, o maior impacto é no setor de saúde. Deve-se considerar que, além do custo para o Sistema Único de Saúde (SUS), o preço elevado dos medicamentos durante mais tempo, provocado pela extensão das patentes, pesa na população de baixa renda, na qual o percentual de gastos com saúde é considerável.
Efeitos concorrenciais
A palestra de Ryan Abbott, professor de Direito e Ciências da Saúde da Universidade de Surrey (Reino Unido), abordou os prejuízos à economia, ao desenvolvimento e à concorrência pela prorrogação de prazos de patentes. Para ele, no caso do Brasil os malefícios ao sistema de saúde, aos consumidores e às empresas nacionais são maiores que os possíveis benefícios.
Abbott jogou por terra o argumento de que a extensão da validade das patentes é uma forma de manter o estímulo à pesquisa e desenvolvimento no Brasil. Segundo o especialista, o mercado de medicamentos brasileiro é pequeno em relação ao mundial, o que torna o País menos atrativo para investimentos de empresas multinacionais.
O professor disse que a melhor solução para o problema é reduzir o backlog de pedidos de patentes, o que deve ser feito sem comprometer a qualidade dos exames.
Após a fala de Abbott, a sessão seguiu com os debatedores. Milton Leão, professor e sócio da Leão Propriedade Intelectual, pontuou a inversão de valores presente no argumento de que extinguir o artigo 40 geraria insegurança jurídica. “O que causa insegurança jurídica é a instabilidade nos prazos do INPI. O dispositivo é inconstitucional por essência”.
Indo além, Gustavo Svensson, diretor adjunto Jurídico Contencioso do Grupo NC, questionou a própria essência do sistema de patentes. Para ele, há dúvidas se as patentes de fato incentivam o desenvolvimento tecnológico de um país ou se funcionam mais como um privilégio concorrencial.
Moderador da sessão, o advogado Pedro Marcos Barbosa, do escritório Denis Borges Barbosa, encerrou o debate reforçando o serviço público de qualidade prestado pelo INPI.
“O INPI precisa de concurso público, de valorização do seu pessoal. Não podemos diminuir a qualidade do exame. O excesso de tutela não vai gerar mais inovação, como prof. Ryan citou. O pensamento de inovação é global e nós somos apenas um pedacinho desse mercado. Temos um desafio interessante para prestigiar o inventor, o concorrente, o consumidor, o Estado e o ambiente. Não podemos beneficiar apenas um desses lados”, concluiu.
Prêmio Denis Barbosa
O Prêmio Denis Barbosa de Propriedade Intelectual foi concedido em sua quinta edição ao vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA, Nelson Brasil de Oliveira. A homenagem foi conduzida por Dante Alario Junior. Os dois são colegas nos esforços de defender a indústria nacional, mas são também amigos pessoais, o que foi destacado por Alario.
“Nelson deixa referências de perseverança, de brasilidade, sempre voltadas para o interesse público. Muitas e muitas páginas eu teria para falar do que você fez e do que você é para nós”, elogiou.
Por sua vez, Nelson Brasil lembrou da parceria com Alario em muitas lutas, especialmente durante a formulação da Lei da Propriedade Industrial. Com relação ao jurista e também grande amigo Denis Borges Barbosa, que dá nome ao prêmio, ele disse: “Éramos contrários ao parágrafo único do artigo 40 por prejudicar a indústria. Mesmo que o backlog de patentes acabe, o artigo 40 ainda poderá criar dificuldades para a concessão de novos direitos patentários”.
O Prêmio Denis Barbosa foi instituído pela ABIFINA para premiar empresas e personalidades do setor de química fina e biotecnologia que são destaque no campo da propriedade intelectual em face do interesse público.
Possíveis mudanças
O encerramento do XI SIPID ficou por conta do presidente-executivo da ABIFINA, Antonio Carlos Bezerra, que agradeceu aos convidados, ao time ABIFINA, especialmente os colaboradores que organizaram o evento, e a presença do público participante. Ele comentou uma notícia de que o governo se movimenta para mudar a Lei da Propriedade Industrial e alterar os mecanismos da anuência prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em patentes farmacêuticas e o parágrafo único do artigo 40, temas que ABIFINA monitora constantemente.
Para Bezerra, os trabalhos da ABIFINA e de especialistas como Julia Paranhos e Lia Hasenclever, da UFRJ, sensibilizaram o Tribunal de Contas da União (TCU) para a necessidade de se fazer uma grande avaliação desses dispositivos. “A sociedade entende que a extensão de prazos de patentes é prejudicial para a saúde pública, para a economia e para as empresas nacionais”, defendeu.