A falsificação de marcas e produtos, popularmente chamada de pirataria, traz enormes prejuízos à sociedade, seja pelo dano aos fabricantes originais, seja pela não arrecadação tributária, seja pela exposição do consumidor a produtos sem controle de qualidade. Para inibir o comércio ilegal de produtos, especialistas no combate a esse tipo de crime são taxativos: é preciso investir em tecnologias de rastreabilidade e melhorar a troca de informações entre agentes de segurança pública e fiscalização e iniciativa privada. Esses são os destaques do workshop virtual “A Inovação Tecnológica da Rastreabilidade na Defesa do Mercado Legal e o Diretório Nacional de Combate à Falsificação de Marcas do CNCP-INPI”, realizado pela ABIFINA no dia 10 de junho.

Com apoio do Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP) e do Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), o evento integra o plano de trabalho proposto pela Comissão Especial de Medicamentos, Próteses, Equipamentos Hospitalares e Agrotóxicos do CNCP, do qual a diretora de Biodiversidade da ABIFINA, Cristina Ropke, é relatora. Cristina foi também uma das coordenadoras do workshop.

O secretário-executivo do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP), Guilherme Vargas da Costa, abriu o workshop apresentando os trabalhos do conselho. Subordinado à Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, o CNCP atua em dois eixos: combate à pirataria e defesa do consumidor. “Desde 2019, entendemos que as duas funções precisam andar juntas”, afirmou.

Na sequência, o presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP), Edson Vismona, introduziu o debate sobre uso de inovação tecnológica de rastreabilidade na defesa do mercado legal. Vismona ressaltou a importância do uso dessas tecnologias para enfrentar o comércio ilegal de produtos. Em sua visão, tais ferramentas propiciam melhores condições para a atuação de agentes policiais e de fiscalização, além de conferirem mais poder ao próprio consumidor. “Em pleno século XXI, é necessário conhecermos inovações tecnológicas que possam ser usadas a favor do combate a ilegalidade”, defendeu.

O primeiro a falar no painel sobre o tema foi o diretor do Departamento de Segurança e Defesa e Coordenador Adjunto do Grupo de Estudo de Rastreabilidade da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), Antônio Rebouças. Para ele, a evolução das tecnologias de rastreabilidade e seu uso efetivo trazem mais proteção aos produtos, aos negócios das empresas e ao consumidor, que hoje necessita de ferramentas que lhe deem autonomia para verificação da origem dos produtos adquiridos. “A rastreabilidade aumenta a competitividade e a rentabilidade das empresas e também a fidelização dos clientes, sendo um safety para o consumidor”, argumentou.

Rebouças apresentou também estudo realizado pela consultoria Mckinsey cujos resultados revelam que o investimento em sistemas de rastreabilidade pode gerar retorno financeiro de três a 25 vezes o valor investido.

O representante da Fiesp ressaltou ainda a importância de mecanismos de rastreio de produtos para a fiscalização por agentes de segurança pública e para a coibição das práticas de falsificação. “Não podemos agir para inibir a motivação e a técnica [dos infratores], então agimos na oportunidade, que é o ponto onde a indústria pode agir e ter o resultado maior”, defendeu. Para Rebouças, as forças de segurança se beneficiariam de um sistema de rastreabilidade com acesso a um banco de dados alimentado diretamente pela indústria, com informações sobre a origem e destino de seus produtos. “O acesso fácil [ao sistema] pelo uso de um smartphone permite quem está em campo a ter uma resposta imediata”, concluiu.

O inspetor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e vice-presidente do Comitê Gestor da Política Nacional de Repressão ao Furto e Roubo de Veículos e Cargas, Paulo Guedes, concorda com a visão de Rebouças. No seu entendimento, a rastreabilidade é a medida mais importante no combate ao comércio ilegal de produtos, e a possibilidade de acesso dos agentes de segurança pública a um sistema como esse é imprescindível. “As forças de segurança precisam de compartilhamento de dados. Nem todo policial tem condições de identificar um produto ilegal ou fruto de contrafeito”, argumentou.

Durante sua fala, Guedes apresentou o sistema nacional de rastreabilidade de produtos e cargas que está prestes a ser lançado pela PRF. Trata-se de uma base de dados que possibilitará a identificação individual de cada produto e por meio da qual os órgãos de fiscalização, ou mesmo o consumidor, poderão ser informados de todo o caminho percorrido por cada produto, desde sua origem até sua destinação final. O primeiro setor a usufruir do sistema será o de medicamentos, cuja regulação obriga ao controle e à identificação do lote de cada produto comercializado.

O inspetor da PRF é categórico ao defender as vantagens desse tipo de controle para o trabalho das forças de segurança. “A aplicabilidade é muito grande não só pra descobrir o produto de crime, como na agilidade para reprimir esse tipo de crime”, afirmou. E tranquilizou sobre possíveis riscos de ingerência em negócios privados. “A gente não quer interferir no mercado, a gente quer apenas criar condições dentro da Policia Rodoviária Federal para que essa base seja acessada, em segurança, pelo agente público em serviço”, concluiu.

Fechando o painel, o perito criminal da Polícia Científica de São Paulo e representante junto ao Centro de Operações Integradas da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (COI), Antônio Cecere, demonstrou como a rastreabilidade contribui também para o trabalho da polícia científica. Um dos desafios da corporação é a identificação do receptador de produtos ilegais, já que esse processo demanda uma investigação muitas vezes demorada, por depender de evidências nem sempre disponíveis. Essa demora acaba por dificultar a realização de flagrantes, cujos prazos legais são curtos.

Uma tecnologia de rastreabilidade poderia não só fornecer informações sobre origem e destino dos produtos, como também as tornaria mais padronizadas, facilitando e dando mais velocidade à resposta do trabalho pericial. “A perícia atua de maneira reativa. Dependemos das informações de cada fabricante específico, e cada fabricante cria seu próprio selo e um sistema individualizado de segurança. Isso gera um rol de especialidade imenso e acaba trazendo um tempo de resposta que na maioria das vezes não é adequado pra policia judiciária”, explicou.

Cecere também defendeu a necessidade de um trabalho conjunto da iniciativa privada com os agentes de segurança pública. “A integração dos esforços é o caminho pra termos resultados mais eficientes no combate à pirataria e ao crime organizado como um todo”, frisou.

Fechando o workshop, o gerente executivo do Diretório Nacional de Combate à Falsificação de Marcas do CNCP-INPI, Elton Ferreira Barbosa, fez uma apresentação da estrutura e do funcionamento do diretório. O diretório é uma plataforma digital que reúne informações relevantes para identificação de produtos originais e falsificados, alimentada pelos detentores das marcas. Seu objetivo é colocar em contato direto aqueles que detêm a informação e o conhecimento sobre os produtos, ou seja, as marcas, e aqueles que atuam no combate à falsificação, ou seja, agentes de vigilância e segurança pública.

Entre as informações registradas no sistema estão documentos sobre os produtos originais, suas características, hologramas, dados de distribuidores autorizados e nome e contato dos responsáveis por atestar a falsificação de produtos das empresas. Barbosa ressalta a importância de os detentores de marcas integrarem o sistema. “O INPI é capaz de informar o agente público sobre quem é o titular da marca, mesmo sem cadastro no diretório. O benefício do cadastro é a complementação das informações, como a variedade de representantes de cada marca capazes de fazer identificação de produtos, especificados por segmento ou por região”, argumentou. “Isso permite que o agente de segurança possa ir direto na fonte, gerando ganho de tempo”, concluiu.

O cadastro no sistema é gratuito, além de fácil preenchimento e um processo simplificado, desburocratizado. Hoje o diretório possui mais de 200 marcas cadastradas, incluindo microempresas e grandes conglomerados, com dezenas ou centenas de subsidiarias. Isso representa mais de 20 mil marcas registradas, de mais de 24 países. Ao todo, 20% das marcas mais valiosas do mundo já estão no diretório.

A consultora de Propriedade Intelectual, Inovação e Biodiversidade da ABIFINA e mediadora do painel, Ana Claudia Oliveira encerrou a apresentação elogiando a plataforma. “É de fácil uso e muito intuitiva. Além disso, o site é acessível para celular”, afirmou.