O Brasil precisa adotar um novo paradigma para uso da biodiversidade, de maneira a alavancar a inovação e ao mesmo tempo preservar o patrimônio genético nacional. Essa é a visão dos participantes do webinar “Biodiversidade como estratégia para diminuição da dependência externa – desafios regulatórios”, que a ABIFINA realizou no dia 2 de junho. O evento integra uma série de debates promovidos pela entidade sobre como a biodiversidade pode contribuir para a redução da dependência externa brasileira.

Para o pesquisador Glauco de Kruse Villas Bôas, do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), o Brasil precisa de uma política de desenvolvimento criado a partir da biodiversidade, que estimule uma inovação endógena brasileira. “O potencial de inovação a partir da biodiversidade é incalculável”, afirmou. Em sua visão, é necessário repensar toda a cadeia produtiva. Ele propôs a criação de programas de bioprospecção focados em cada bioma, além da formação de bases de dados cooperativas, que funcionem a partir de licenças de uso e de propriedade intelectual mais flexíveis, como corre no modelo dos creative commons. 

Villas Bôas acredita ser necessário também o estabelecimento de um sistema nacional de inovação em medicamentos da biodiversidade. Esse sistema deve ser apoiado, em sua opinião, por redes de cooperação que integrem os diversos atores da cadeia e que trabalhem com os conhecimentos tradicionais e populares, além do científico. “É importante que o conhecimento dos atores locais, das comunidades tradicionais, agrícolas, das empresas, das universidades e do governo forme uma base para a gestão de programas de inovação”, defendeu.

No debate, especialistas e acadêmicos lembraram os 50 anos da Conferência de Estocolmo, grande marco das discussões internacionais sobre sustentabilidade, e defenderam que é necessário repensar o modelo de exploração predatória dos recursos naturais. Para eles, o caminho passa pela adoção de um novo paradigma regulatório e econômico, baseado na economia verde e que busque a redução das desigualdades.

A consultora em Práticas Integrativas e Complementares, em Assistência Farmacêutica e em Gestão da Qualidade, Katia Torres, defendeu que a saúde deve fazer parte dos sistemas nacionais de inovação. Em sua opinião, o conhecimento e a inovação a partir da biodiversidade são a base para o desenvolvimento. “O conhecimento é a base de tudo. A partir desse processo inovativo é que vamos ter o fortalecimento da produtividade e da competividade, e, assim, o desenvolvimento econômico. Não precisamos de grandes tecnologia e equipamentos de última geração. A inovação pode vir de processos de aprendizagem, de transmissão desse conhecimento”, argumentou.

Para a pesquisadora Carolina Bueno, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho, a urgência de lidar com a mudança climática vai impulsionar a sociedade a buscar um modelo de transição para a chamada economia verde. “A gente atingiu os limites biofísicos do planeta. O caminho é o da proteção da biodiversidade”, alertou. Para ela, é preciso superar o modelo hegemônico baseado no agronegócio e no desmatamento, pois esse modelo não só aumenta a desigualdade como leva à destruição do patrimônio genético.

Na mesma linha, Norberto Rech, professor do Departamento de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), argumentou a favor da centralidade da biodiversidade para o desenvolvimento de políticas de desenvolvimento. O acadêmico também questionou que modelo de desenvolvimento se pretende seguir. Segundo ele, é preciso estar atento para não seguir a lógica predatória do modelo atual. “Muitas empresas estão com preocupação de discutir as boas práticas ambientais, as práticas sociais e as boas práticas de governança. Esse processo, se não pensado sob o ponto de vista da sustentabilidade, fica socialmente comprometido”, advertiu. Rech frisou ainda a importância de um Estado regulador e a construção de políticas públicas em diálogo com a sociedade.

A abertura do evento ficou a cargo do presidente Executivo da ABIFINA, Antonio Carlos Bezerra, e a coordenação foi de Ana Claudia Oliveira, consultora da entidade.

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