Backlog toma conta do debate no VIII SIPID
SIPID chega à 8ª edição e trata de inovação e PI em prol do desenvolvimento
A solução possível ou uma tentativa do governo de criar fatos positivos artificialmente? Uma saída viável e eficaz, ainda que distante da ideal, ou um passo precipitado que deveria ser dado só após uma reestruturação ampla do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI)? A oitava edição do Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento (SIPID), organizado pela ABIFINA, no dia 7 de dezembro, trouxe à luz argumentos contrários e favoráveis ao projeto do governo de aprovar pedidos de patentes automaticamente a partir de um exame sumário, com vistas a reduzir a demora nas avaliações. Foi a primeira vez que as visões antagônicas foram contrapostas direta e presencialmente. Citado de forma recorrente ao longo dos diversos debates durante o dia, o assunto segue longe de um consenso e despertou desconfiança e críticas dos participantes do evento.
“Está cumprida a missão de debater assuntos da maior relevância para a política de desenvolvimento industrial. O SIPID manteve-se aberto a essas notícias e está focado em seu objetivo”
Nelson brasil
O SIPID também discutiu a propriedade intelectual (PI) e a inovação como instrumentos de desenvolvimento e vias para a reindustrialização. O tema central do encontro anual promovido pela ABIFINA no auditório da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) foi “Economia e tecnologia para o desenvolvimento industrial brasileiro”. O segundo Prêmio de Propriedade Intelectual foi entregue no mesmo dia ao desembargador federal André Fontes. O evento contou com a presença do 1º vice-presidente da ABIFINA, Nelson Brasil. “Está cumprida a missão de debater assuntos da maior relevância para a política de desenvolvimento industrial. O SIPID manteve-se aberto a essas notícias e está focado em seu objetivo. Faço votos que continue assim, com coerência”, elogiou.
Backlog em foco
“A questão do backlog é um problema de longa data que precisa ser resolvido, mas a solução pensada precisa ser debatida e amadurecida à exaustão. A aprovação automática pode provocar uma corrida aos tribunais. Nós, empresários, já sofremos demais com a insegurança jurídica. Não precisamos de mais um componente para agravála. A aprovação de patentes não pode ter efeito reverso e prejudicar as empresas e a sociedade”, contextualizou Carlos Fernando Gross, vice-presidente da Firjan, já na abertura do evento. O vice-presidente da ABIFINA, Reinaldo Guimarães, lembrou logo no início que a proposta do governo representará uma mudança extremamente importante na forma de atuação do órgão. “É um assunto candente para a plateia e para os examinadores do INPI interessados no tema”, resumiu.
Também o diretor da área de Planejamento e Pesquisa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Da Costa, referiu-se aos atrasos do INPI. “Não pode (um pedido de patente) ficar mais de 11 anos em período de análise. Mas soluções simples e rápidas para problemas complexos provavelmente são equivocadas. Uma solução profunda necessariamente passa por fortalecer o INPI e torná-lo uma instituição autossuficiente. Não é possível que uma instituição com receitas que superam R$ 400 milhões tenha orçamento de R$ 90 milhões”, protestou. A ideia tornou a ressoar nas falas de Marcos Oliveira, membro do Conselho Consultivo da ABIFINA, e do advogado Pedro Marcos Barbosa, consultor jurídico da entidade, especializado em Propriedade Intelectual. O primeiro recordou que o INPI, como prestador de serviços, deveria ter o direito de usar sua arrecadação para melhorar a capacidade de atendimento. Já o segundo estimou que os valores cobrados pelo órgão brasileiro estão entre os mais baratos do mundo. O aumento da arrecadação permitiria mais investimentos. “Aumentar taxa não significa excluir do acesso os que não têm recursos. Esses poderiam ser financiados. Se tivéssemos o dobro de receitas, não poderíamos ter mais investimentos? Não há saída boa, milagrosa para que o INPI deixe de ter sempre o pires na mão”, observou.
Representante do INPI, a coordenadora-geral de Patentes Liane Lage, que palestrou tanto na abertura como no painel dedicado ao tema do backlog, fez outra proposta sobre o financiamento da instituição. Para ela, deveria ser instaurado um modelo semelhante ao operado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em que as empresas pagam mais de acordo com sua capacidade e faturamento, de forma que as solicitações de registro são limitadas àquelas de maior interesse. Ela também comemorou a atenção que o órgão vem recebendo do governo nos últimos dois anos e adiantou-se em listar alguns entraves que geram o atraso no exame de patentes. Lage relacionou ações tomadas para contornar esses problemas e admitiu que a proposta do governo não é a perfeita, mas pode ser eficaz. “Claro que gostaríamos de ter uma solução estruturante. Teríamos que, no mínimo, dobrar (o número de) examinadores. Gostaríamos de ter um sistema totalmente digitalizado, de última geração. Mas não temos, nem temos perspectiva de imediato de resolver esse caos que é o INPI num curto prazo”, reconheceu.
Outro comentário que suscitou aplausos veio do desembargador federal André Fontes, que recebeu no evento o Prêmio Denis Barbosa de Propriedade Intelectual, concedido a personalidades que tenham o interesse público como norte de sua atuação profissional no campo da PI. O desembargador criticou veementemente a proposta do exame sumário de patentes que está sendo cogitada. Ele sublinhou a falta de lastro legislativo para a decisão que deverá ser tomada via Medida Provisória, e que ignora todo o procedimento previsto em lei para o andamento da concessão de patentes. Além disso, antecipou o provável questionamento judicial posterior ao exame.
Na opinião de Fontes, a proposta do exame sumário altera a natureza do ato de registro conforme previsto em Lei e o transforma num mero ato cartorial, em que o registrador apenas anota que a patente foi concedida. No entanto, para sua perplexidade, o governo estaria tratando o procedimento legal como simples detalhe ou questão de interpretação. Ao não alterar a regra e, ainda assim, mudar o processo, a proposta constitui-se em ato ilegal, explicou. “O que ouvi hoje me deixou perplexo. Quem vai assinar a conta das confusões que virão depois? Como alguém vai tomar a decisão de não fazer o serviço (previsto na legislação)? Será que há ingenuidade em cumprir uma ordem ilegal?”, indignou-se. Ele comparou o exame sumário a compras sem licitação e contratações sem concurso público. “No Brasil, isso não é possível. Até os políticos com má fama evitam fazê-las. Dizer que não precisa fazer avaliação sem mudar a lei está fora da realidade”, prosseguiu.
A plateia de agentes da iniciativa privada, do setor público e acadêmicos participou efusivamente da discussão. Odilon Costa, diretor de Relações Internacionais da ABIFINA, pontuou o dilema principal. “No pano de fundo do INPI e da discussão sobre importância do backlog, o mais importante é saber o que se resolve primeiro: se é a estrutura e depois o backlog, ou o backlog e depois a estrutura. Isso foi refletido nos aplausos à participação do advogado Pedro Barbosa, consultor jurídico da ABIFINA, e do desembargador André Fontes, que deixou a reflexão e a sua perplexidade no sentido de que o funcionário público só pode fazer o que é legal”, opinou. Ele se referiu diretamente à alegação da coordenadora de Patentes do INPI, Liane Lage, que afirmou que a medida prevista “blinda” os examinadores de eventuais questionamentos jurídicos. “Essa solução não compromete o exame do INPI, por ser uma decisão política. Esse exame isenta o examinador de tomar uma decisão técnica”, justificou ela.
Debate acalorado
O painel “Reestruturação do INPI e extinção do backlog“ começou com a análise histórica feita pelo mediador Marcos Oliveira, do Conselho Consultivo da ABIFINA, sobre o acúmulo de pedidos de patente da indústria farmacêutica sem decisão no INPI. De acordo com ele, o problema teria origem em ações do governo Itamar Franco (1992-1994) e se agravou com a contenção de recursos devidos ao órgão pelo Tesouro Nacional. O órgão teria passado muito tempo relegado a segundo plano, apesar de acordos internacionais firmados terem criado obrigações para as quais não estava preparado, mesmo com os esforços da equipe do INPI. A falta de continuidade administrativa também teria influenciado negativamente, já que muitos presidentes se revezaram à frente da autarquia, com diferentes políticas e nível de influência e interesse. “É uma crônica de um fracasso anunciado. O que discutimos hoje é a tentativa de reverter esse fracasso, que não é do INPI, mas dos governos brasileiros que se sucederam e falharam em cumprir compromissos assumidos”, avaliou. A fala introduziu a discussão entre a representante do órgão e o advogado da ABIFINA, que expuseram posicionamentos contrários sobre a proposta governamental.
“Nada, em nenhum cenário, daria a resposta no tempo que o governo precisa. Nenhuma alternativa analisada, principalmente aquelas que dependiam da interação do examinador com o pedido, traria um resultado no tempo que o governo quer”, alegou Liane Lage, que tratou da evolução de solicitações registrada no intervalo entre 2005 e 2017 e argumentou em prol do polêmico projeto. Ela ressaltou que os depósitos de pedidos de patentes têm se mantido constantes — com ligeira queda em 2017 — enquanto a produtividade dos 324 examinadores em atividade, medida pela capacidade de decidir, cresceu graças a melhorias em fluxos, otimização e digitalização, que contribuíram para conter o problema. “Não há que se falar que não trabalhamos. Trabalhamos muito. Se compararmos o número de pedidos que temos hoje ao número de examinadores, temos carga 9,4 vezes maior que os Estados Unidos”, informou.
Ela calculou que, mesmo com melhorias nas condições de trabalho e esforço extra, o backlog não seria solucionado nem em 100 anos. A coordenadora explicou ainda que, em quase todas as tecnologias, há um prazo de mais de 10 anos para análise no Instituto, sendo afetadas pelo artigo 40 da Lei de PI – que estende o prazo das patentes em função de atrasos na concessão do registro. A exceção são as áreas de alimentos, agroquímicos e cosméticos, que tiveram o tempo reduzido devido a uma redistribuição de examinadores. “Em um cenário sem aumento no número de examinadores, com 100% de aumento na produtividade, teríamos uma queda inicial, mas em 2028 o backlog voltaria a aumentar, considerando a manutenção dos 180 mil pedidos novos anualmente”, estimou.
A meta, segundo Lage, é que o exame de requerimento de patente ocorra no prazo de dois anos. Para isso, o BNDES, INPI e outros setores trabalham juntos. Eles avaliam que nem mesmo a contratação de mais funcionários solucionaria a questão no curto prazo, já que são necessários três anos de treinamento até elevar a curva de produção. “Precisaríamos de infraestrutura e, no mínimo, dobrar o número de examinadores. No cenário e contexto atuais, não vejo possibilidade de conseguirmos isso de imediato”, lamentou. O exame sumário valeria para os 230 mil pedidos que estão na fila de espera. Pela proposta, examinadores não chegarão a avaliar os pedidos. O procedimento consistiria numa análise inicial de condições formais sobre a situação de pagamento e outros quesitos. A partir daí os pedidos estariam admitidos no processo. Nos 90 dias seguintes, as empresas poderiam pedir exclusão, incluir novos subsídios e, a seguir, haveria um despacho específico de deferimento, acompanhado da expedição da carta-patente. Esta ocorreria automaticamente, sem passar pela área técnica. Muitos arquivamentos deverão ocorrer nesta fase, previu Lage, já que vários processos se referem a depósitos que, na prática, não teriam interesse ou valor real. Ela citou ainda o custo para emissão da patente, bem mais alto que o valor pago para fazer o pedido. Esse valor também deverá convencer empresas a retirarem pedidos, acredita a especialista.
O governo deve publicar Medida Provisória estabelecendo o procedimento sumário de avaliação de pedidos de patente represados no INPI. Embora considere a medida “não ortodoxa”, Lage defendeu que é uma solução racional que permite, simultaneamente, a implantação de ações para melhorar a produtividade do órgão. “A decisão vai ser política”, apontou ela. “Não é o que queremos, mas é o que temos”, resumiu.
Contrários
Com visão crítica sobre o exame simplificado de patentes, Pedro Barbosa, sócio do escritório Denis Borges Barbosa Advogados, sustentou que a saída para o backlog deve considerar os interesses dos muitos atores envolvidos. Em sua opinião, a prioridade deve ser a reflexão sobre o papel do INPI e a reestruturação do órgão não pode ficar fora do debate, precedendo uma solução para a redução do backlog. “A ordem dos fatores altera o produto”, alertou. O advogado também destacou que empresas estrangeiras que remetem royalties para fora do País teriam a ganhar com a saída sugerida pelo governo e que há risco de que o INPI se torne um carimbador de pedidos.
Barbosa fez uma contextualização histórica, na qual associou concessões a um privilégio de quem tem o poder, sem ter conexão com o mérito. Estas foram substituídas pelas patentes, vinculadas à meritocracia e à capacidade inventiva de seu autor, a partir de avanços da democracia que garantiram o direito de propriedade preservado pelo Estado de direito. “O sistema de privilégios é de ungidos, o sistema de patentes é de Estado de direito. Não existem diferentes, somos todos iguais, todos falhos e devemos ser controlados”, explicou.
Ele também elencou outros problemas do sistema de propriedade intelectual como as patentes de revalidação, as marcas de alto renome registradas automaticamente de graça a pedido da Federação Internacional de Futebol (Fifa), os depósitos defeituosos, as traduções malfeitas e o abuso de pedidos prioritários. O reconhecimento automático de patentes obtidas no exterior foi criticado. Embora tenha elogiado os servidores do INPI, um “quadro de excelência muito superior à média do servidor brasileiro e estrangeiro”, o advogado levantou suspeitas sobre a iniciativa governamental de distribuir patentes sem análise. Citando um recurso judicial de 1967, ele tomou como exemplo uma decisão que considerou inválido ato administrativo de concessão de patente por não ter havido exame técnico da autarquia correspondente – situação semelhante à ora proposta pelo governo. “Um mero ‘Nada consta’ é incompatível com a ordem constitucional”, reforçou o advogado, a partir dos autos.
O papel do INPI deve ser discutido em primeiro lugar, na opinião de Barbosa. “Já não temos controles sociais diretos sobre bens de produção, que têm maior valor agregado, maior impacto econômico e não são tributados. Não tributamos diretamente patentes, mas tributamos diretamente bens de consumo e bens civis. Além de não tributar, vamos dar de presente (as patentes) numa política populista?”, questionou ele. Outro problema seria a comparação entre as patentes que passaram por todo o longo e árduo exame de avaliação e aquelas aprovadas automaticamente. “Teriam elas o mesmo peso?”, indagou. Em sua visão, o backlog pode ser comparado ao acúmulo de leis em tramitação há décadas e de processos parados na Justiça. “Alguém vai solucionar o problema dizendo ao Judiciário para conceder todas as petições iniciais automaticamente? No INSS, há problema de acúmulo de processos administrativos. A solução é deferir qualquer tipo de pensão automaticamente? A Anvisa, o Ministério da Agricultura, o Ibama têm problemas. Todos os poderes constituídos têm problemas”, criticou.
Na esteira do debate, o vice-presidente da ABIFINA, Reinaldo Guimarães, ressaltou que os problemas da política de propriedade industrial no Brasil não se resumem àqueles que incidem no lado do executor da mesma, que é o INPI. Igualmente graves são aqueles no lado da formulação da política, hoje a cargo de um colegiado – o Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual – com muito pouca capacidade de fazer valer as suas decisões. Ele ressaltou que o backlog é apenas um dos muitos problemas do Instituto e não haveria justificativa convincente para solucionar primeiro esta questão. Para ele, o financiamento da autarquia deveria ter mais prioridade. “A quem interessa essa solução? Não são interesses da política de propriedade industrial, nem da instituição INPI. São interesses na criação do fato político por um governo que, no meu ponto de vista, é pouco apetrechado para enfrentar o conjunto dos problemas do País”, condenou. Guimarães ainda levantou dúvidas sobre a excepcionalidade da medida governamental e fez uma correlação entre ela e os recentes acordos internacionais firmados pela autarquia, que permitem reconhecer exames feitos em outros escritórios. “Num contexto de número reduzido de examinadores, isso poderá implicar perda de soberania e uma pressão por metas exageradas de produtividade ao impor, no Brasil, critérios válidos em outros locais onde são depositadas 80 a 90% dos pedidos de patente no mundo. Isto é, nos Estados Unidos, na União Europeia, no Japão e, cada vez mais, na China”, preocupou-se.
Academia
A concessão automática de patentes só saiu – temporariamente – do centro das atenções durante o segundo painel do VIII SIPID, que tratou de propriedade intelectual como via para o desenvolvimento por meio da inovação com a presença de quatro estudiosos do Instituto de Economia (IE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED), Maria Tereza Leopardi, deu início à conversa sobre propriedade intelectual como feixe de direitos. Além dela, Caetano Penna, professor de Economia Industrial e da Tecnologia, falou sobre desenvolvimento tecnológico, propriedade intelectual e estratégias corporativas em resposta a pressões regulatórias, e Julia Paranhos, coordenadora do Grupo de Economia da Inovação, explicou os obstáculos, avanços e desafios nas parcerias entre universidades e empresas que visam ao desenvolvimento de inovações em propriedade intelectual. O diálogo foi mediado por David Kupfer, coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC) e diretor do mesmo instituto.
Maria Tereza Leopardi argumentou que a propriedade intelectual leva ao desenvolvimento se passar pela inovação. Ela explicou o conceito de PI e discorreu sobre as várias categorias que descrevem formas de apropriação e configuram um feixe de direitos. O conceito tem origem na pesquisa da economista política norte-americana Elinor Ostrom, que analisou formas de uso eficiente de recursos naturais que não envolvessem, necessariamente, a propriedade plena de algo por uma pessoa. Acesso, fruição, administração, alienação. Direito de administração e de excluir outros direitos. Todas estas são novas formas de se entender o direito que podem ser dosadas de acordo com as diversas finalidades e atribuídas a titulares diferentes. Este entendimento ajudaria a equilibrar a delicada relação entre a defesa do interesse de quem inova de não ser imediatamente imitado e o interesse público de ter acesso à inovação e se diferencia do direito de propriedade sobre uma coisa, chamado por ela de direito absoluto.
Essa ambiguidade da propriedade intelectual gera ganho de eficiência, mas também aumenta o tempo e o custo de inovação, podendo desestimulá-la. “Estamos pensando em formas de conciliar o mecanismo de PI de modo a contemplar tanto os aspectos positivos, de incentivo à inovação, quanto evitar que a PI seja usada para restringir a concorrência”, sintetizou. De acordo com a pesquisadora, essas definições substituiriam uma noção defasada de propriedade que não se aplica mais à pluralidade relacionada à propriedade intelectual. Sendo assim, a forma de atribuição de direitos deveria estar relacionada aos efeitos econômicos. “Essa literatura (…) tem sido usada para discutir PI e novas formas de direitos, como Creative Commons, para liberar acesso a uma série de coisas que, pela legislação tradicional, seriam proibidas”, exemplificou.
Caberia à sociedade, portanto, definir que grau de restrição da PI será tolerado em troca de resultados positivos. Ela indicou ainda que a legislação antitruste, de defesa da concorrência, seria outro recurso a ser aplicado no âmbito da PI, pois tem instrumentos adequados para avaliar a situação de apropriação intelectual. Um exemplo seria a forma de caracterizar ilicitudes de acordo com os efeitos alcançados pela prática nociva, transferindo o foco da análise das condições de mercado, que são diferentes em cada setor.
Já Caetano Penna falou de estratégias corporativas para suscitar desenvolvimento através de inovações e em resposta a pressões regulatórias. Ele destrinchou os motivos que levam empresas a inovarem. Para isso, recorreu a alguns exemplos da indústria automobilística, discutindo as motivações que levam empresas a contribuírem para o desenvolvimento socioeconômico através de inovações, e tratou ainda da pesquisa e desenvolvimento (P&D) voltados para doenças negligenciadas. Penna registrou casos relacionados à qualidade do ar e à segurança em automóveis e seus efeitos no registro de patentes pelo setor para analisar as decisões de empresas no que tange à PI. Sua pesquisa mostrou que grandes empresas, em geral, não investem em inovações radicais, já que buscam manter seu poder no mercado e lucro e evitar canibalização de investimentos. Para se proteger, elas se expõem menos ao risco, que poderia elevar custos. Em alguns casos, porém, há mudanças de rumo. Penna mostrou que políticas públicas podem promover essas alterações de estratégia. “O desafio é desenvolver instrumentos que façam com que as empresas respondam da maneira desejada à regulação”, ponderou.
Fornecedores e o poder de barganha do consumidor, além de outras fontes no ambiente institucional, também motivam empresas. Outros influenciadores são a pressão da opinião pública – afetada pela imprensa –, movimentos sociais, ativistas e os reguladores. Esses fatores, em diferentes escalas, podem levar a indústria a inovar. O nível de atenção da sociedade sobre um tema influencia o desenvolvimento de tecnologia e o patenteamento por parte das empresas, atestou o pesquisador. Ele identificou que grandes empresas tendem a aumentar investimentos em P&D para reduzir os custos de conformidade com a regulação. A inovação também abre a chance de entrar em novos mercados e de estabelecer parcerias. Por outro lado, o risco de litígio em torno de algo não testado no mercado e a possibilidade de aumentar custos seriam desestímulos para investir. Penna ainda listou lições que podem ser aplicadas à indústria farmacêutica. Entre elas, está o entendimento de que, se a política pública não for suficiente, mudanças na demanda podem impulsionar empresas a investirem em determinada direção.
Julia Paranhos fez um mapeamento das parcerias entre universidade e empresas, via Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) nos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs). Ela contou que há, no Brasil, 206 grupos de pesquisa que possuem algum tipo de relacionamento com empresas farmoquímicas e farmacêuticas, com concentração nas regiões Sul e Sudeste. Apesar do aumento, o volume de transferência de tecnologia ainda é muito baixo, ficando em 22% dos NITs. A pesquisadora revelou que ainda há muitos obstáculos, incluindo o próprio entendimento do Tribunal de Contas da União (que analisa as relações financeiras envolvendo órgãos federais) e de procuradores das universidades sobre essa relação. “Há um extremo desconhecimento sobre esse tipo de atividade”, relatou ela, ao citar um pedido de esclarecimento feito por uma Procuradoria a respeito de pagamentos feitos ao INPI.
A melhoria da infraestrutura dos NITs foi outro ponto-chave. Muitas vezes seu funcionamento depende de bolsas de pesquisas que não têm sua continuidade garantida, o que provoca rotatividade de pessoal. O desenvolvimento da infraestrutura tecnológica, segundo a professora, permitiria que as pesquisas acadêmicas chegassem a estágios mais avançados. Além disso, é preciso avançar na regulamentação do Marco de Ciência & Tecnologia, ainda envolto em muitas dúvidas.
Outras dificuldades apontadas por ela são a baixa atratividade de tecnologias e a falta de infraestrutura no Brasil para desenvolver provas de conceito, determinantes para demonstrar o potencial às empresas e motivá-las a inovar. Demora na concessão de patentes, discordâncias sobre o pagamento de royalties e, ainda, insegurança jurídica e morosidade no diálogo com as instituições públicas também prejudicam os trabalhos. Até mesmo escrever o pedido de patente ainda é uma barreira na relação entre empresas e academia, já que não há capacitação para lidar com o licenciamento. No entanto, a boa notícia, comemora ela, é que a Lei de Inovação tem melhorado o cenário institucional e ajudou a estruturar alguns centros de inovação no País, apesar dos muitos desafios a enfrentar.
Desenvolvimento
No último painel da oitava edição do SIPID, representantes do mercado farmacêutico e farmoquímico dialogaram com o chefe do Departamento do Complexo Industrial e de Serviços de Saúde (DECISS) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), João Paulo Pieroni, sobre as expectativas para a indústria diante do cenário econômico e da conjuntura do setor. Coordenado por Fernando Sandroni, presidente do Conselho Empresarial de Tecnologia do sistema Firjan, o painel contou ainda com Reginaldo Arcuri, presidente executivo do Grupo FarmaBrasil, e Alberto Ramy Mansur, presidente do Conselho de Administração da Nortec Química.
Pieroni, do BNDES, revelou que empresas que investem em P&D têm ganho de produtividade de até 17% e os retornos sociais são duas a três vezes maiores que os retornos privados. Ele apresentou ainda estudo do BNDES que mostra que a indústria brasileira teve evolução positiva até 2008 e está em crise desde 2013. Um dos sinais é a participação no PIB, em queda de 19% em 2004 para 12% em 2016.
A complexidade das nossas exportações também tem caído sistematicamente, ao contrário de outros países em desenvolvimento como China e Índia, e o nível de investimento se estagna. Cada vez mais, exportamos bens não industriais ou de baixa tecnologia, cada vez menos diversificados, mostrou Pieroni. “Há uma dificuldade do investimento privado no Brasil deslanchar. Isso se reflete na pauta de exportação e na complexidade da economia”, assinalou o especialista.
Mas nem sempre foi assim. A indústria farmacêutica viveu uma década de ouro em relação a mercado e faturamento entre 2003 e 2015, lembrou o chefe do DECISS. “Principalmente com genéricos e mobilidade social, houve um aumento da participação de empresas de capital nacional no varejo”, explicou. Entre os desafios atuais, no entanto, ele listou as cidades inteligentes, envelhecimento populacional, a necessidade de se construir uma matriz energética limpa e a bioeconomia. Já os caminhos para o futuro identificados pelo palestrante incluem a biotecnologia, inserção internacional, biodiversidade, inovação incremental e verticalização de nichos com apoio das Parcerias de Desenvolvimento Produtivo e de ferramentas para induzir o ecossistema da inovação, além da integração dos financiamentos oferecidos por diferentes órgãos governamentais.
Mercado
Reginaldo Arcuri, da FarmaBrasil, propôs um olhar sobre o Brasil competitivo. Em sua exposição, ele defendeu a importância de políticas públicas de qualidade e longa duração, da articulação entre conhecimento científico e produção industrial, e do empresariado nacional inovador. “Temos que ter esse bicho raro que é o empresário nacional e inovador. Tem quem diga que é bobagem, mas americanos dizem que, para certos empreendimentos, não entra quem não nasceu nos Estados Unidos, por serem estratégicos”, frisou.
Um desses setores seriam os biossimilares, que, em sua visão, constituem uma chance para a indústria nacional em uma área que concentra grandes investimentos mundiais, maiores até mesmo que os setores de petróleo e defesa. “Estamos no páreo mundial. Os biossimilares são a fronteira para o mundo em desenvolvimento. É a única chance de curto prazo que o Brasil tem de ter um novo setor de classe mundial no ambiente industrial brasileiro”, garantiu. Ele fez ainda uma comparação com o agronegócio e a aviação civil, dois campeões nacionais de exportação, que se beneficiam de uma série de condições operacionais oferecidas há décadas e que se refletem na balança comercial.
A indústria brasileira cresceu expressivamente em participação no mercado desde o fim da década de 1990 e o executivo atribuiu o salto à convergência entre políticas públicas e decisões empresariais. Com números da balança comercial do setor, investimentos em P&D e ainda exemplos bem-sucedidos de articulação, Arcuri propôs uma colaboração mais estreita com o governo para criar uma política industrial para o século XXI com uso da Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), e outros consórcios com universidades para construir uma indústria farmacêutica mais forte. Ele também pontuou que um marco jurídico eficaz ajuda a trazer segurança para o investimento.
A última exposição do evento ficou a cargo de Alberto Ramy Mansur, da Nortec Química, que esclareceu premissas e conceitos dos Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs). De acordo com ele, esta seria a área mais densa em tecnologia de toda a cadeia química e há alto potencial de gerar renda e promover empregabilidade. “É uma indústria que faz pesquisa e inovação. Não há tecnologia para quem faz só um IFA. O sistema exige que se tenha planta-piloto, unidade de engenharia que permita operar com segurança. É isso que gera investimento, renda, inovação e valor agregado”, descreveu, remetendo à própria empresa, que atua no setor e conta com o apoio do BNDES.
Mansur defendeu a política de genéricos, mas observou que ela deixou de fora o setor farmoquímico nacional. Também exaltou a produção local de IFAs e relembrou as dificuldades no setor desde o governo Collor (1990-1992), quando a abertura comercial desregulada provocou o fechamento de centenas de fábricas produtoras de intermediários de síntese e de processos orgânicos. Ele relembrou o desmonte geral do parque industrial brasileiro na década de 1990, igualmente decorrente da abertura comercial. A inexistência de formação específica nas universidades brasileiras, porém, continua a ser um grande obstáculo, concluiu.
O oitavo SIPID deixou no ar a apreensão do setor em relação ao futuro do INPI e às perspectivas que a inovação e a propriedade intelectual poderiam oferecer em um projeto nacional de desenvolvimento. O momento não é de otimismo. Obstáculos, dificuldades, problemas foram palavras-chaves desta edição e ainda não há boas soluções à vista. Duramente reprovada, a iniciativa do governo de ignorar o procedimento de exame para pedidos de patentes pode ser colocada em prática a qualquer momento e deverá representar um grande retrocesso e ameaça à soberania nacional. Embora o debate tenha sido plural e aberto, o SIPID refletiu um momento tenso da indústria. “Estamos diante de um sinal vermelho. Na próxima divulgação, vamos ter provavelmente o dissabor de ver valores negativos de investimentos produtivos locais na área tecnológica e em inovação. É uma coisa devastadora o que está acontecendo”, sintetizou o vice-presidente da ABIFINA, Reinaldo Guimarães.
O VIII SIPID é uma realização da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (ABIFINA) e conta com o patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Grupo Farmabrasil e empresas associadas, além do apoio da Federação das Industrais do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN).
Prêmio 2017
PRÊMIO DENIS BARBOSA DE PI
Em sua segunda edição, o Prêmio Denis Barbosa de Propriedade Intelectual foi entregue durante o VIII SIPID ao desembargador federal e atual presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), André Fontes. Criado para personalidades que valorizem o interesse público em sua atuação profissional no campo da PI, o prêmio celebrou o comprometimento do jurista em aproximar o Judiciário dos debates mais atuais do setor. Reinaldo Guimarães, vicepresidente da ABIFINA, o definiu como “militante da causa do bom direito”. Fontes fez um discurso fortemente aplaudido em que criticou a proposta de exame sumário de pedidos de patentes. Sobre a distinção, afirmou sentir-se honrado e relembrou sua convivência com o advogado Denis Barbosa, que fora seu colega como procurador no Rio de Janeiro.