O que falta para o Brasil decolar no lançamento de produtos inovadores com base em seus ativos naturais? A questão deu a tônica das apresentações realizadas na primeira edição do Ciclo de Palestras da ABIFINA, que teve como tema “Pesquisa e produção de medicamentos a partir da biodiversidade”. O evento foi realizado no dia 12 de novembro, na sede da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). O projeto seguirá em 2020 discutindo temas que visem fortalecer o setor de química fina, como antecipou o presidente-executivo da ABIFINA, Antonio Carlos Bezerra.

Para o gerente-geral de Competitividade da Firjan, Luiz Augusto Carneiro Azevedo, gerar produtos a partir da biodiversidade é um caminho sem volta. “Discussões como a que a ABIFINA propõe são fundamentais para nosso desenvolvimento”, afirmou na abertura do evento.

Nesta primeira edição, os palestrantes foram unânimes em reconhecer que a Lei da Biodiversidade (nº 13.123/2015) conferiu maior segurança jurídica para as empresas e instituições de pesquisa ampliarem suas iniciativas, mas ainda há muitas barreiras a serem ultrapassadas.

Segundo Fabrício Santos, diretor do Departamento de Apoio ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), houve um salto no número de empresas que cadastraram projetos de pesquisa com biodiversidade após a publicação da Lei. Dados do Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen) mostram que 51% dos mais de 50 mil cadastros de acesso feitos se destinaram a regularizar atividades em andamento; o restante se refere a novas. Das instituições cadastradas, 57% são empresas e 43% universidades, para acesso principalmente a fauna (23%), flora (45%) e microorganismos (13%).

Pela Lei da Biodiversidade, instituições que façam pesquisas com elementos da biodiversidade brasileira precisam cadastrá-las no SisGen. O sistema é alvo de críticas, mas o CGEN vem trabalhando para aprimorá-lo. Santos antecipou que uma segunda versão será lançada em fase de testes para as empresas se manifestarem. Diante dos esforços do Conselho, o diretor comentou que o órgão deve ser visto como um aliado – “um instrumento de rastreabilidade” – para o desenvolvimento de produtos. 

Regulação sanitária

Apesar de a Lei ter aberto caminho para as pesquisas, o regulatório sanitário muitas vezes ainda favorece a concorrência externa, o que desencoraja investimentos no Brasil. Cristina Ropke, diretora de Inovação do Grupo Centroflora e CEO da Phytobios, mencionou que realizar estudos clínicos para medicamentos com novas moléculas, de forma a atender a todas as normas existentes, resulta em custos elevados para a indústria. 

Além disso, produtos da medicina tradicional chinesa têm inundado o mercado brasileiro, beneficiados pela isenção de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), uma vez que não se enquadram nas categorias de medicamentos, fitoterápicos ou alimentos. Porém, alerta Cristina, esses produtos são comercializados como  fitoterápicos. “Isso quebra o mercado brasileiro. Quebra os pequenos e quebra os grandes”, disse. “Até medicamentos com espinheira santa viraram Medicina Tradicional Chinesa”.

Por motivos como esse, a também diretora de Biodiversidade da ABIFINA pondera que a harmonização internacional de normas sanitárias deve ser feita de forma cautelosa. 

Apesar das dificuldades encontradas, há incentivos no ambiente interno. Cristina apontou as tecnologias e os estudos desenvolvidos nas Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs), a possibilidade de acesso à biodiversidade brasileira e atividades de bioprospecção.

Na visão de Carla Reis, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), as soluções para converter o potencial da biodiversidade em inovação passam por uma curva de aprendizagem das instituições sobre como atuar com a nova legislação. Do ponto de vista do governo, é necessário estimular a prospecção tecnológica em ecossistemas de inovação, fortalecer a pesquisa clínica, articular políticas públicas e oferecer financiamento adequado a diferentes estágios de pesquisa e desenvolvimento.

Relação universidade-empresa

Outro gargalo comumente apontado pelos especialistas é a interação universidade-empresa para a geração de inovações. Para o pesquisador e conselheiro da Associação Paulista de Fitoterapia, Luís Carlos Marques, as empresas devem apostar na contratação de doutorandos e pós-doutorandos no formato de prestação de serviço. Ele também sugeriu a construção coletiva de projetos, com envolvimento de diferentes atores e aportes regulares de órgãos financiadores, que poderiam ter uma “lista positiva”, com áreas prioritárias para financiamento contínuo.

Essas seriam formas de as indústrias aproveitarem as oportunidades que o Brasil oferece. Marques apontou uma série de estudos pré-clínicos que poderiam embasar o desenvolvimento de fitoterápicos com plantas existentes no País, podendo substituir medicamentos hoje importados. “Não precisa ser uma inovação radical, um blockbuster”, afirmou o especialista, que apontou o controle de qualidade excessivo da Anvisa como importante entrave às atividades na área.

Mesmo tendo a maior biodiversidade do planeta, o Brasil consome em grande parte fitoterápicos de origem estrangeira. Mais recentemente, no entanto, alguns nacionais começaram a fazer concorrência. Marques citou o Acheflan, do Aché, que já ficou entre os dez mais vendidos, e agora o Guaco, da Natulab, que está no Top 5.

Os temas abordados pelos palestrantes estimularam uma rica discussão com o público no final, incentivado pelas debatedoras Lídia Vaz Aguiar, da Firjan; Maria Behrens, de Farmanguinhos; Leide Ferreira, do Instituto Vital Brazil, e Marina Moreira, da ABIFINA.

O Ciclo de Palestras contou com mediação da coordenadora da área de Biodiversidade e Propriedade intelectual da ABIFINA, Ana Claudia Oliveira. “O trabalho com a biodiversidade não inclui apenas fitoterápicos. Estamos falando em microrganismos, vegetais, animais. O Brasil tem a maior biodiversidade do mundo e muitas oportunidades, que devem exploradas da maneira correta. Este evento é uma semente para vários temas que iremos discutir no ano que vem”.