Fonte: UOL
10/04/24
Hélen Freitas
Repórter Brasil
10/04/2024 04h00
Antipulgas, carrapatos, insetos e formigas: essas são as palavras-chave usadas na venda ilegal do agrotóxico Regent 800 WG no Mercado Livre e no Magazine Luiza, dois dos maiores marketplaces do país.
Uma investigação da Repórter Brasil encontrou esse e outros agrotóxicos sendo comercializados ilegalmente nas plataformas. Os anúncios são de responsabilidade de terceiros, mas especialistas criticam os sites por falta de monitoramento e não exclusão das ofertas.
A legislação brasileira determina que a venda de agrotóxicos só pode ser feita a partir da apresentação de uma receita assinada por um engenheiro agrônomo ou técnico agrícola, e em estabelecimentos comerciais registrados junto aos órgãos agropecuários estaduais e que tenham licença ambiental para a comercialização desses produtos. Além disso, o Mercado Livre assinou um acordo com o Ministério Público se comprometendo a coibir esse tipo de anúncio.
Fabricado pela Basf, o Regent é destinado exclusivamente ao uso em lavouras. Seu ingrediente principal, o fipronil, é classificado como possivelmente cancerígeno pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Devido ao seu efeito mortal às abelhas, foi banido na União Europeia e teve alguns dos seus usos suspensos no Brasil este ano pelo Ibama.
Ao anunciar agrotóxicos como produtos para uso doméstico de dedetização ou até mesmo um antipulgas para cães e gatos, os vendedores conseguem driblar essas regras. Isso porque algumas das substâncias utilizadas para a formulação de agrotóxicos, como o próprio fipronil, são as mesmas usadas em outros produtos do dia a dia e não precisam de receituário.
A Repórter Brasil fez uma simulação de compra no Mercado Livre. Sem surpresas, ela acontece como qualquer outra. Basta escolher o local de retirada, a forma de pagamento e pronto. O agrotóxico é entregue sem qualquer alerta sobre a toxicidade do produto. Inclusive em papelarias parceiras da plataforma. A compra não foi finalizada para não expor os entregadores a eventuais riscos de contaminação.
No Magazine Luiza, a venda também acontece sem nenhuma restrição. É possível encontrar até mesmo o Roundup, agrotóxico feito à base de glifosato e mais vendido no Brasil, classificado como provavelmente cancerígeno para humanos pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), órgão da Organização Mundial da Saúde.
A reportagem também encontrou ofertas de outros inseticidas de venda restrita a empresas especializadas em desinfecção e dedetização. Alguns foram classificados como suplementos para cavalos e estavam entre os mais vendidos da categoria no Mercado Livre.
O Magazine Luiza disse que proíbe a venda de agrotóxicos em sua plataforma e “retirou do ar os anúncios mencionados”. O Mercado Livre afirmou que “trabalha de forma incansável para combater o mau uso da sua plataforma”. Confira as respostas na íntegra.
Venda fracionada e transporte incorreto
A maioria dos anúncios do Regent no Mercado Livre e no Magazine Luiza trazem a foto da embalagem original do produto, mas informam que ele é vendido de forma fracionada – prática permitida somente em casos específicos pelas fabricantes ou por estabelecimentos agropecuários autorizados pelos órgãos competentes.
Outra questão é o transporte e o armazenamento. Durante a simulação de compra do agrotóxico feita pela Repórter Brasil, por exemplo, o Mercado Livre emitiu um anúncio avisando que os produtos estariam no centro de distribuição e que o envio seria imediato. As fabricantes, porém, dizem que esses produtos precisam ser armazenados em lugares adequados.
Além disso, não há garantia de que os agrotóxicos venham com a bula, ensinando o modo de uso correto.
“Isso tem que ter transporte especial, não pode ter transporte pelos Correios, pelo carro do Mercado Livre ou qualquer outro carro que não seja um transporte especial. É um produto de alta toxicidade e que, se romper, pode causar morte das pessoas, uma intoxicação aguda”, enfatiza o promotor Alexandre Gaio.
Parte do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo do Ministério Público do Paraná (MPPR), Gaio coordenou um acordo sobre a venda de agrotóxicos feito com o Mercado Livre que levou a plataforma a se comprometer a não realizar o anúncio, nem a venda de agrotóxicos. O acordo foi firmado após a Justiça acatar um pedido do Ibama e proibir as vendas.