Fonte: Estado de Minas
11/12/24
Ao usar produtos contrabandeados ou adulterados, o agricultoR se coloca em risco, além de poder prejudicar funcionários, consumidores e o meio ambiente
Uma organização criminosa que atua em zonas rurais das regiões Triângulo Mineiro e Alto do Paranaíba, em Minas Gerais, movimentou cerca de R$ 170 milhões com o roubo de defensivos agrícolas em apenas três anos, conforme investigações da Polícia Civil (PCMG). Esse tipo de esquema preocupa o setor agrário, mas, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, o país carece de um balanço com dados oficiais, o que, segundo eles, minimiza a dimensão do problema.
Ainda no Triângulo Mineiro, em Uberaba, a Polícia Rodoviária Federal (PRF-MG) recuperou, na última quarta-feira (4/12), uma carga de agrotóxicos avaliada em mais de R$ 5 milhões. Dados extraoficiais da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina) mostram que, em 2023, 15.490 quilos ou litros de insumos agropecuários ilegais foram apreendidos no estado, enquanto, neste ano, até agora, foram 22.194 quilos ou litros. Esse levantamento contempla produtos como fungicidas, herbicidas, inseticidas, produtos veterinários e outros não identificados.
Gerente de combate a produtos ilegais da CropLife Brasil, associação civil ligada à área, Nilto Mendes afirma que o roubo é uma das modalidades do mercado de insumos agrícolas ilegais e, a partir de estatísticas da associação com as indústrias e empresas representadas por eles, Minas está em segundo lugar no ranking de territórios com mais roubos de carga agrotóxica no Brasil, atrás somente de São Paulo.
Ele conta que a entidade atua em conjunto com autoridades para destinar os resíduos de defensivos corretamente. “Para se ter noção, destinamos até o momento cerca de 1.300 toneladas de agrotóxicos ilegais apreendidos por vários órgãos em vários estados brasileiros desde 2020”, ele revela e também diz que, a partir desse descarte, normalmente feito por meio de incinerações específicas, foi se desenhando um cenário de apreensões pela associação.
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Nilto explica que os produtos têm muito valor agregado e bastante demanda no mercado, por isso, são tão cobiçados por criminosos. Também destaca que o comércio ilegal é composto pelos crimes de alteração de produtos legítimos roubados, contrabando e falsificação.
“No caso da alteração, eles pegam o produto original e multiplicam em até 30 vezes a partir de outros solventes, com água ou corantes. O cenário aflige bastante a indústria, a cadeia de revenda e distribuição e os próprios produtores rurais, que acabam virando alvos desses esquemas”, diz.
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Os prejuízos do roubo de defensivos agrícolas pairam sobre empresas e agricultores de médio e grande porte. Conforme a técnica da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater), Nádia Machado, não é uma preocupação que esbarra no pequeno agricultor pela opção da grande minimização ou anulação do uso de agrotóxicos.
Os alvos
Sobre locais mais atingidos, Nilto Mendes ressaltou que todos os estados brasileiros que têm relevância de produção agrícola sofrem com os problemas mencionados, mas que estados fronteiriços são os mais suscetíveis ao contrabando. “São Paulo e Minas, por exemplo, são mais impactados pela falsificação e adulteração do produto, enquanto o contrabando acontece mais no Rio Grande do Sul e em outras fronteiras”.
Conforme uma pesquisa realizada pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), o comércio ilegal representa de 20% a 25% do mercado de agrotóxicos no Brasil. Segundo o consultor da Abifina, Fernando Marini, “o problema de roubo, contrabando e falsificação se espalha por onde há agriculturas de alto desempenho”.
Ele sublinha como os principais produtos desejados a fim de serem falsificados os fungicidas, para controle da doença chamada Ferrugem Asiática, que ocorre na cultura da soja; os inseticidas, para controle de lagartas como a Helicoverpa, que ataca soja, milho e algodão; e os inseticidas para controle do bicudo do algodoeiro. Sobre os contrabandeados, ele destaca que os ingredientes ativos com maiores quantidades apreendidas no Brasil são o herbicida Paraquat e os inseticidas benzoato de emamectina e Tiametoxam.
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Fernando ressalta, ainda, que, por mais que entidades disponham de pesquisas e cálculos para entender o tamanho do problema, deveria haver um ponto focal do segmento, em que a autoridade que realizasse a apreensão passasse a quantidade do produto para algum departamento que conseguisse realizar um banco de estatísticas com qualidade.
Dados dispersos dificultam combate
Consultados pelo Estado de Minas, a Polícia Federal respondeu que não fiscaliza “defensivos agrícolas”, mas sim produtos químicos que podem ser usados, de alguma forma, para o tráfico de drogas. “Sendo assim, a fiscalização está em produtos que podem vir a se tornar insumos para a fabricação de defensivos”. Ou seja, não há um controle direto desses produtos.
Já a Polícia Civil apenas indicou a aba de “Estatísticas Criminais”, em um banco de dados geral, e orientou a busca pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sejusp), que por sua vez informou que “os dados são de boletins de ocorrência e não há, no Registro de Evento de Defesa Social (Reds), o campo que permita filtrar defensivos agrícolas entre os alvos de furto e roubo”, ou seja, “estes dados entram em outras estatísticas mais gerais”.
Questionado sobre um balanço de roubos e furtos de agrotóxicos, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) alegou que “questões de segurança pública, como roubos e furtos de agrotóxicos, independentemente da origem lícita ou ilícita do produto, não são de competência do Mapa”.
Questionado ainda sobre uma estimativa do mercado ilegal de defensivos agrícolas, não houve retorno até a publicação desta matéria.
Já a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), indagada sobre um balanço de roubos e furtos de defensivos, explicou que “não possui essas informações” e sugeriu a busca pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (Ima).
O Ima, por sua vez, comunicou que é responsável pela fiscalização do comércio e uso de agrotóxicos e verificação de registros, junto ao Mapa, em Minas Gerais, mas que não é competência legal da instituição ter esses dados. “Quando produtos ilegais são encontrados, os responsáveis o guardam e os fabricantes são notificados para o devido recolhimento. Toda a carga é registrada em boletins de ocorrência e os casos são encaminhados às autoridades.”
Acerca de orientações, o Ima disse que produtores e consumidores devem ficar atentos, principalmente, a agrotóxicos com preços muito abaixo do mercado e embalagens de baixa qualidade ou com rótulos apenas em idioma estrangeiro.
“É importante lembrar que agrotóxicos devem ser vendidos somente com receita agronômica e nota fiscal, por revendas registradas no IMA, que estão sujeitas a fiscalizações regulares e são obrigadas a informar semestralmente os dados das vendas ao órgão”, pontua o órgão.
A PRF-MG, por sua vez, diz que os casos são comuns, “mas não é um tipo de crime que lidera (as ocorrências) nas rodovias federais mineiras. Mas a questão principal citada é que são casos enviados à seção de crimes gerais, sem especificação que possa gerar compilação do assunto.
Forças de segurança agem para impedir o comércio ilegal em todos os estados brasileiros PCMG/Divulgação
Prejuízo
O consultor da Abifina, Fernando Marini, arremata que o defensivo pirata leva a uma concorrência desleal. “São produtos muito mais baratos, mas sem garantia de eficácia e segurança, seja para a cultura onde o produto é aplicado ou para o próprio agricultor que o manipula, além do consumidor que pode vir a comprar o que, talvez, for colhido”, diz.
Segundo Décio Karam, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), qualquer um desses produtos, independentemene de falsificado, contrabandeado ou alterado, não garantem que o produto é o que consta no rótulo. “Se não há garantia, o uso não deve ser nem cogitado. Quem paga é o próprio produtor”, afirma.
Ele confirma, também, que a temática sempre foi uma preocupação no setor e que os produtos visados geralmente são aqueles cujo lucro é inversamente proporcional ao volume ofertado. “Têm alguns que com 1kg de produto você trata em cinco hectares, então eles geralmente escolhem aqueles em que se usa menos e ganha mais.”
Nilto comenta que se trata de um problema grave de eficácia. “Se o produto brasileiro registrado e regulamentado por si só já precisa de cuidados na hora de manuseio e uso, imagina um que não sabemos sobre os componentes. É risco para o que foi plantado, para o lençol freático, sistemas aquíferos, além de outros do ponto de vista ambiental”.
O gerente evidência que a mudança na lei de agrotóxicos é fundamental na tentativa de restrição desse espaço de comércio ilegal no país. “Até o final do ano passado, era comum um falsificador de agrotóxico ser preso em flagrante, mas não permanecer na cadeia. A pena mais grave, antes, ia de um a quatro anos e, mesmo que fossem condenados, havia benefícios e eles acabavam soltos.” Agora, adulteração, contrabando, fabricação, armazenamento ou transporte de defensivos agrícolas ilegais a pena mínima é de três anos, podendo chegar a nove.
Marini frisa que “não tem quadrilha que entra para roubar um produto que não tenha comprador”. Nessa linha de raciocínio, Nilto reforça que, fundamentalmente, o que mais influencia o cenário é a desinformação do produtor rural.
“Se trata de um produto sem nota fiscal e receita agronômica estimulado pelo menor preço. Tem demanda, tem uma população que aceita pagar menos e sem a nota fiscal. Essa compra, além de estimular fortemente a organização criminosa, faz com que o produtor vire vítima sem ter a quem recorrer, já que também pode ser responsabilizado dependendo do que ele estiver armazenando”, diz.
* Estagiária sob supervisão do subeditor Paulo Galvão