Fonte: R7
23/04/25
17/04/2025 – 02h00 (Atualizado em 17/04/2025 – 02h00)
O impacto do mercado ilegal de defensivos agrícolas chegou a R$ 20,5 bilhões em 2023, segundo levantamento da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (ABIFINA).
Além do prejuízo econômico, o uso desses produtos representa um risco para quem os compra, manuseia e, sobretudo, para a segurança alimentar no país.
O Mundo Agro conversou com o presidente executivo da ABIFINA, Andrey de Freitas, sobre essa questão alarmante e as prioridades da entidade para este ano.
Mundo Agro: Andrey, você acaba de assumir a presidência da entidade. Quais são suas principais metas e prioridades nesta nova gestão?
Andrey de Freitas: A ABIFINA foi criada com o propósito de promover a indústria nacional. Nesse sentido, seguimos alinhados com a missão histórica da entidade. Temos desafios estruturais importantes, como a necessidade de ampliar a capacidade produtiva do país, criar incentivos para a indústria crescer e superar gargalos que limitam nossa autonomia.
Queremos aumentar a oferta de produtos de qualidade para a população brasileira e, ao mesmo tempo, reduzir a dependência de importações. Isso se aplica a diversos segmentos com os quais atuamos: medicamentos, indústria farmacêutica e também a defesa agrícola. Temos trabalhado junto ao governo e ao setor produtivo para desenvolver e aprimorar mecanismos que fortaleçam a produção local.
Mundo Agro: E no caso dos defensivos agrícolas? Qual é a principal questão hoje?
Andrey de Freitas: No setor de defesa agrícola, o principal problema é regulatório. O produtor nacional está sujeito a exigências rigorosas de boas práticas de fabricação e critérios sanitários, o que é positivo. No entanto, essas mesmas exigências não se aplicam de forma equivalente aos produtos importados, por falhas na normatização.
Isso cria um cenário de concorrência desleal, em que o produtor local arca com custos e responsabilidades que muitas vezes não são exigidos dos importadores. O resultado é um desnivelamento regulatório que prejudica a competitividade e pode comprometer a qualidade dos produtos no mercado.
Não estou afirmando que todo produto importado seja de má qualidade, mas a ausência de exigências abre espaço para que isso ocorra. Isso representa um risco à saúde pública, ao meio ambiente e à eficácia dos produtos. Estamos trabalhando para corrigir esse desequilíbrio.
Mundo Agro: Então o produtor nacional enfrenta mais exigências?
Andrey de Freitas: Sim. O produtor nacional precisa comprovar, por meio de processos padronizados, que segue boas práticas de fabricação. Essa é uma exigência formal e importante. Porém, quando se trata de importações, essa exigência não está claramente normatizada, o que impede sua cobrança.
É uma falha grave na legislação. Não podemos lidar com produtos que afetam diretamente a saúde e a segurança da população sem uma regulação adequada e igualitária. Reforço: não se trata de demonizar produtos importados, mas de garantir que todos sigam os mesmos critérios.
Mundo Agro: Existe um mito em torno dos defensivos agrícolas. Como você enxerga essa questão?
Andrey de Freitas: Costumo dizer que defensivos agrícolas são como antibióticos para as plantas. O ideal seria não precisar usá-los, mas, diante de condições adversas, são essenciais para garantir produtividade, qualidade e segurança alimentar. Assim como os antibióticos, eles devem ser usados sob orientação de profissionais habilitados, com responsabilidade técnica, dosagem adequada e manuseio seguro.
O problema é que, por serem insumos caros e altamente regulados, abre-se espaço para o mercado ilegal, que oferece produtos mais baratos, mas nem sempre com garantia de qualidade ou segurança.
Mundo Agro: O que são os defensivos agrícolas ilegais?
Andrey de Freitas: O termo “ilegal” engloba várias situações: contrabando de produtos não autorizados no Brasil, falsificação (produtos que imitam embalagens e rótulos legítimos), adulteração (diluição ou modificação da fórmula original), além de roubo de cargas e armazéns. É um mercado paralelo que cresce porque há demanda — muitos produtores, por questões econômicas, recorrem a esse tipo de produto.
O grande problema é que esses produtos ilegais podem causar sérios danos à saúde humana, ao meio ambiente, às plantações e aos animais. O impacto é imenso e vai além da agricultura: envolve segurança pública, saúde e integridade econômica do setor.
Mundo Agro: O mercado de ilegais movimentou R$ 20,5 bilhões em 2023. Como a ABIFINA acompanha esse cenário?
Andrey de Freitas: A ABIFINA criou o Observatório de Ilegais, que faz esse monitoramento de forma autônoma, a partir de dados públicos. Infelizmente, não há uma base estatística oficial e completa — muitos registros de apreensão não detalham os produtos apreendidos. Ainda assim, os dados que conseguimos levantar são alarmantes.
O combate a esse problema exige ações coordenadas de inteligência, segurança e educação. Precisamos conscientizar produtores e a população sobre os riscos desses produtos. Recentemente, promovemos uma campanha durante a Semana do Consumidor alertando sobre esses perigos.
Além disso, os dados do Observatório mostram claramente os corredores do contrabando, principalmente em regiões de fronteira como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e o Rio Grande do Sul.
Mundo Agro: A ABIFINA apresentou sugestões para regulamentar a Lei nº 14.785/2023. Como está esse processo?
Andrey de Freitas: Sim, apresentamos propostas para incluir os defensivos agrícolas na regulamentação, por se tratar também de uma questão de saúde pública. A regulamentação, ao avançar, permite que articulemos ações junto ao governo, envolvendo os ministérios da Justiça, Educação e Segurança Pública.
A resolução ainda não foi aprovada pelo Conselho, mas acredito que será na próxima reunião. Houve sugestões à minuta original, e ajustes estão sendo feitos. Essa resolução é o primeiro passo de uma série de ações mais incisivas para enfrentar práticas ilícitas no setor.
Mundo Agro: O tarifaço do governo Trump afeta o setor?
Andrey de Freitas: Ainda estamos avaliando. Claro que há impactos quando se impõem barreiras comerciais. Mas, ao mesmo tempo, essas restrições criam oportunidades. A atual estratégia americana está muito focada na relação com a China, o que pode abrir espaço para produtos brasileiros.
Por exemplo, se um produto brasileiro paga uma tarifa de 10% a 12%, enquanto o produto chinês paga de 40% a 50%, isso pode gerar uma vantagem competitiva. Ainda é cedo para afirmar com certeza, mas vejo potencial para que produtores nacionais ocupem esses espaços. É importante reagir com inteligência, e não de forma impulsiva.
Mundo Agro: Qual é a perspectiva do setor para este ano?
Andrey de Freitas: Estou otimista. Acredito que este será um ano positivo. Sempre digo que temos um grande quebra-cabeça sobre a mesa e nosso papel, como entidade, é ajudar a montar as peças em parceria com o governo.
Precisamos sair da fase de diagnósticos e entregar resultados concretos. O desafio é grande, especialmente por conta da descontinuidade entre ciclos de governo, que muitas vezes interrompem projetos estruturantes. Por isso, temos cobrado mais urgência. Não dá para planejar entregas apenas para o fim de 2026. O foco agora é resolver a questão regulatória. Se conseguirmos isso, já teremos dado um passo enorme.
Mundo Agro: É preciso falar mais sobre defensivos e o trabalho das entidades do setor?
Andrey de Freitas: Sem dúvida. É fundamental participarmos de conversas como esta. Precisamos traduzir temas técnicos para a realidade das pessoas. Quando falamos de regulação, de tarifas ou de incentivos à produção nacional, estamos falando de impactos diretos no dia a dia da população — desde o custo da alimentação até a segurança dos produtos consumidos. É essencial que o cidadão compreenda essa cadeia. Quanto mais informada estiver a sociedade, mais condições teremos de tomar decisões acertadas, tanto no setor público quanto no privado.