Fonte: Revista Oeste
15/10/25
Durante décadas, contrabandistas cruzavam fronteiras com sacolas improvisadas e camelôs disputavam espaço nas ruas. Hoje, essas práticas viraram a base de um conglomerado criminal bilionário, que combina logística global, tecnologia e influência sobre mercados inteiros.
Apenas em 2023, crimes desse tipo causaram R$ 22,5 bilhões em prejuízos diretos à indústria paulista. Segundo o Anuário de Mercados Ilícitos Transnacionais em São Paulo, facções brasileiras transformaram contrabando, falsificação e roubo de cargas em uma verdadeira multinacional do crime.
Essas redes controlam rotas rodoviárias pouco fiscalizadas, exploram portos e aeroportos vulneráveis e mantêm armazéns clandestinos capazes de movimentar contêineres inteiros sem deixar rastro.
Produtos com carga tributária elevada, como cigarros (80%), bebidas alcoólicas (60%), combustíveis (40%) e eletrônicos (50%), são os principais alvos do mercado ilegal. A alta tributação eleva os preços no comércio formal e incentiva as quadrilhas a oferecer versões contrabandeadas ou falsificadas mais baratas, o que alimenta o ciclo da pirataria.
Especialistas cobram rigidez na legislação penal
“Sem um endurecimento real da legislação, seguiremos enxugando gelo”, alerta o coronel Fábio Cajueiro, ex-chefe do Estado-Maior da PM do Rio. “O custo do crime é irrisório diante do lucro. Falta integração entre polícias. As investigações param nas delegacias por falta de estrutura e prioridade.”
Já o cientista político e ex-policial militar João Henrique Martins, que coordenou o Centro de Inteligência de Segurança Pública de São Paulo, cita dois fatores responsáveis pela evolução do crime organizado. “A globalização econômica permitiu que qualquer operador importasse ou exportasse com custos baixos, e o Brasil destruiu sua capacidade de dissuadir criminosos”, observa. “Um traficante condenado a seis anos fica menos de um ano preso e mantém sua rede de dentro da cadeia.”
O Paraguai segue rota clássica para tabaco e defensivos agrícolas. Já a China e outros polos asiáticos abastecem roupas, brinquedos e eletrônicos. Mas o salto mais recente veio com a migração para o ambiente on-line. Antes restrita a camelôs, a pirataria se instalou em redes sociais e grandes marketplaces, apoiada em anúncios sofisticados e logística eficiente.
O advogado Rodolpho Ramazzini, diretor da Associação Comercial Brasileira de Combate à Falsificação, critica o mercado ilegal no país. “O consumidor acha que está fazendo bom negócio, mas financia facções e põe em risco a própria saúde”, alerta. “Sem rastreabilidade e fiscalização em escala nacional, o mercado ilegal continuará dominando setores inteiros.”
Justiça lenta, crime ágil
A impunidade mantém o negócio atraente. Apenas 4,5% dos crimes contra a indústria, por exemplo, chegam a identificar autores. Quase 60% das empresas nem registram boletim de ocorrência.
Sem proteção efetiva, empresas transformam segurança em custo fixo: 80% usam vigilância eletrônica, mais de 70% contratam seguros e 45% mantêm escolta armada. O setor privado gasta cerca de R$ 170 bilhões por ano em autoproteção — um peso que mina a competitividade nacional.
“O crime organizado percebeu que a chance de punição é mínima; é um cálculo econômico simples”, resume o economista Pery Shikida, especialista em mercados ilícitos. “Enquanto países avançaram em integrar inteligência financeira e tecnológica, o Brasil insiste em legislações brandas e fragmentadas.”
Como aumentar o risco do crime
Os especialistas consultados por Oeste convergem em duas frentes principais:
Leis atualizadas e mais rígidas: criação de tipos penais específicos para operadores logísticos e financiadores, proteção a policiais e juízes ameaçados, revisão da Lei de Execução Penal e das audiências de custódia para evitar liberações rápidas de líderes; eTecnologia e inteligência integrada: etiquetas digitais invioláveis (QR Codes), rastreamento em tempo real de cargas, cruzamento de bases fiscais e policiais, big data para identificar receptadores, inteligência artificial para monitorar marketplaces, scanners em portos e aeroportos e cooperação público-privada para compartilhar informações.