Fonte: Preto no Branco

Estima-se que um quarto do mercado de agroquímicos já seja de produtos ilegais no Brasil; segmento criminoso cresce a passos largos

20/11/2022 às 11h08

Importante entroncamento rodoviário do Brasil, Cascavel se transformou ao longo dos últimos anos em importante rota para o crime organizado também voltado para o setor agro.

BR-163, BR-277 e a BR-369, é por esse eixo onde passa uma parcela significativa dos defensivos agrícolas contrabandeados ou falsificados, vindos do Paraguai, que abastecem o sedento mercado brasileiro. Estimativa de entidades ligadas ao setor calculam que 25% deste mercado já seja ocupado por produtos ilegais e segmento só cresce.

A constatação foi reforçada no estudo desenvolvido pelo Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras) intitulado “O Contrabando de Defensivos Agrícolas no Brasil”.

No auge do cultivo da soja e do milho em todo o País, este é o principal período de sazonalidade onde mais se registra a passagem dos produtos ilegais que vão para as lavouras e, consequentemente, para a alimentação.

Conhecido como o “Ouro Branco”, o contrabando de defensivos agrícolas cresce de maneira exponencial enriquecendo quadrilhas bem articuladas que muito se assemelham às quadrilhas de contrabando de cigarros e ao tráfico de drogas, armas e munições.

Com muita facilidade na comercialização e penalizações brandas se comparada a outros crimes transfronteiriços, a facilidade para pagamento de fiança de quem está transportando o produto faz com que o mercado seja promissor e muito, muito lucrativo.

O agro cresce, o contrabando também

O avanço do agro brasileiro está diretamente associado ao aumento da produtividade.

Somente no ciclo 2020/2021 esse avanço foi de 24,3%.

Em uma década o aumento das cinco principais culturas aumentou, em média, 200%. Condição alcançada pela soja, principal grão cultivado no Brasil.

Produção e agroquímicos

Levantamentos feitos pela Polícia Federal e outras forças de segurança que atuam na fronteira revelam que o contrabando de defensivos agrícolas só perde para o de cigarros, obedecendo a sazonalidade, estimulada pelos ciclos de cultivo, como o que se observa neste momento.

O estudo do Idesf mostra como as quadrilhas se profissionalizam, traçam rotas e chegam a mercados consumidores “sedentos” por um produto mais barato, mas que pode ser muito mais nocivo.

Em muitos casos, a rota utilizada pelas quadrilhas até se confunde com a do mercado legal dos produtos.

Da terra para a internet

“A venda de falsificados tem como ponto forte o comércio online, por meio de um esquema ágil de abertura e de fechamento de empresas”, alerta o estudo.

Na rota terrestre, além de ser um caminho estratégico para o mercado dos defensivos, o oeste do Paraná e o Mato Grosso do Sul abrigam redes que dão sustentação ampla ao mercado.

O perigo mora ao lado

O documento assinado pelo Idesf reitera que forças de segurança do Paraguai têm apreendido cargas de substâncias que são levadas ao campo com concentração de 36%. Eles entram no país vizinho especificadas como produtos de limpeza. Esse percentual representa 600% a mais do que o permitido pela legislação brasileira. O produto que chega ao Paraguai tem como destino certo o Brasil. Quase 60% do recebimento de agroquímicos do lado de lá da fronteira vem para o mercado brasileiro onde vai para as produções.

No campo o produto sem certificação, e muitas vezes falsificado, coloca em risco a saúde, o meio ambiente e a economia com a sonegação de milhões de reais em impostos.

Neste momento, onde as máquinas estão em campo no auge do plantio da soja e do milho na safra 2022/2023 é que a fiscalização acende a luz de alerta. A partir de agora as demandas crescem, e muito. O crime, também.

“O contrabando de defensivos agrícolas no Brasil envolve a entrada de substâncias proibidas, assim como o ingresso de produtos de concentração bem mais elevada do que o permitido pelas autoridades sanitárias, o que acarreta riscos de contaminação pelo uso inadequado”, alerta o estudo do Idesf.

Na tentativa de combater e enfrentar esse mercado, verdadeiras forças-tarefas como PF, PRF e Receita Federal concentram atenção para a localização desses itens contrabandeados.

Danos à economia

Somente de 2018 e 2020, de acordo com dados da CropLife Brasil, associação que reúne a experiência de diferentes segmentos que trabalham com pesquisa, desenvolvimento e inovação, os fabricantes de defensivos agrícolas registraram prejuízos de R$ 214,18 milhões em cargas roubadas no País.

O mercado ilegal está de olho nos produtos legalizados. Entre as práticas mais comuns estão o roubo, seguido pela falsificação, desvio da finalidade do uso previsto no domissanitário e contrabando, variantes que se entrelaçam, configurando o crime de uso de produtos ilegais nas lavouras. Produtos falsificados são acrescidos, muitas vezes, em cargas roubas, aumentando seu volume que por regra, não terá eficácia potencializando os riscos.

Roubo de cargas e contrabando se cruzam

Não raras as vezes o contrabando cruza com o roubo de cargas de produtos que entraram legalmente e são transportados ou armazenados de forma lícita no País.

Os contrabandeados são misturados aos originais roubados e o produto aplicado não apresenta eficácia às lavouras e pode trazer danos irreversíveis à sociedade.

O Paraguai tem 932 empresas habilitadas a fazer importação de agroquímicos, quase 60% do que elas importam tem como destino final o Brasil.

O Paraguai tem cerca de 3,6 milhões de hectares destinados ao cultivo da soja. Somente na região oeste do Paraná a área é de 1,1 milhão de hectares.

No ano de 2020 a PRF (Polícia Rodoviária Federal) apreendeu 70,4 toneladas de agroquímicos ilegais nas estradas brasileiras. O crescimento foi de 13,7% se comparado a 2019.

Se comparado a 2017, o aumento chegou a 38,3% quando as apreensões, naquele ano, somaram 50,8 toneladas.

Um levantamento preliminar correspondente ao início do ano passado revelou que somente nos dois primeiros meses foram 331,5 toneladas apreendidas no Brasil. Sozinho, o primeiro bimestre do ano passado correspondeu a quase metade do que foi apreendido em 2020, o ano todo.

A rota do crime

Um sistema oficial tem monitorado o fluxo do tráfico e de contrabando no Brasil, fornecendo o georreferenciamento da atuação das quadrilhas nos mercados ilegais.

Pela incidência de apreensões nas rodovias que os criminosos têm preferência está a região de Cascavel, onde existem pontos de encontro com as BRs 277, a 163 e a 369.

“Nas encruzilhadas das rodovias, e situada em uma das áreas agrícolas mais prósperas, Cascavel e região se tornaram uma espécie de hub ou eixo na distribuição dos agroquímicos”.

O estudo do Idesf evidencia que o Rio Paraná é a principal “avenida” para a entrada desses produtos no Brasil. Somente na região de Guaíra, estima-se que 200 lanchas cruzem a fronteira pelo rio todas as noites, abarrotadas com produtos ilegais. Entre eles drogas, armas, munições, cigarros e defensivos agrícolas.

Perfil do crime

A cadeia de contrabandistas é formada por diferentes elos que atuam desde a travessia do contrabando até sua entrega ao produtor rural.

Com base em 41 ocorrências de apreensões, realizadas em Mato Grosso do Sul, de janeiro de 2017 e fevereiro de 2021, foi possível levantar que o atravessador tem idade média de 27 a 46 anos, é homem (97%) e, mais da metade (52%), morava no estado. Há ainda o oportunismo de agentes do tráfico, que, muitas vezes, têm histórico de contrabando e já tiveram ilicitudes registradas na Justiça. “Muitos moram nas regiões de fronteira e incluem o nicho específico de agroquímicos nas ações de traficância, formando conexões com a cadeia logística formal, para que o produto chegue na ponta, ou até o produtor rural”, alerta o Idesf.

O revendedor é alguém que conhece o setor agrícola e tem clientes estabelecidos, fazendo uso dessa capilaridade para desovar os produtos ilegais.

“O falsificador é o delinquente intelectual, que conhece a composição química dos elementos, muitas vezes recorre a conhecimentos de engenheiro químico ou de técnico agrícola. Na maioria das vezes, a matéria-prima utilizada é proveniente do contrabando ou do roubo de carga, demonstrando estreita ligação entre as diferentes modalidades desse mercado ilegal”.

Toda essa logística e operação criminosa tem como finalidade atender ao último elo da cadeia: o comprador. O produtor rural geralmente é enganado na compra dos falsificados, uma vez que esses produtos são normalmente ofertados como se fossem originais ou fabricados legalmente. No fim, a sociedade como um todo acaba sendo a grande prejudicada.

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