Fonte: Globo Rural
17/04/24

Por Marcos de Moura e Souza — São Paulo

11/04/2024 05h02 Atualizado 11/04/2024

Há pouco mais de um ano, policiais civis de São Paulo ao lado de fiscais do Ibama e do Ministério da Agricultura e Pecuária deram uma blitz em um endereço em Americana (SP) e descobriram um depósito de contrabandistas. Amplo, bem iluminado com ventiladores nas paredes, o local era usado como esconderijo para 75 toneladas de agrotóxicos que haviam entrado ilegalmente no Brasil.

Entre os produtos, um chamava atenção: o que continha Paraquate, um ingrediente ativo totalmente banido do Brasil desde 2021 e que é associado ao Parkinson em pessoas que manuseiam o produto. Antes de ser proibido, esse químico era muito usado para secar lavouras de soja de modo a acelerar o amadurecimento dos grãos, permitindo antecipar a colheita.

A apreensão, ocorrida em fevereiro de 2023, só confirmou o que autoridades já vinham detectando: o avanço de grupos criminosos na venda de defensivos no mercado clandestino. Isso explica o aumento no número de apreensões de agrotóxicos ilegais no país. No ano passado, só a Polícia Federal reteve 575 toneladas, quase 180% mais que em 2022.

O lote de produtos apreendidos em Americana — acondicionados em sacas e em tonéis de plástico azul — foi avaliado na época em R$ 43 milhões. Autoridades disseram que a carga seria vendida a produtores rurais no Mato Grosso e no Estado de São Paulo.

Órgãos federais e estaduais têm feito apreensões seguidas tanto do Paraquate quanto de outros agrotóxicos ilegais — muitos deles vindos do Paraguai, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Argentina, países com regulações menos rigorosas do que as brasileiras em relação aos defensivos agrícolas. Os ingredientes ativos são geralmente importados da China e Índia.

O comércio desses produtos tem como principal atrativo o preço inferior aos dos defensivos produzidos e vendidos dentro dos padrões da Lei dos Agrotóxicos, aprovada em 2023.

Além do preço, o mercado ilícito também explora a possibilidade de vender no Brasil produtos com concentrações muito superiores às consideradas seguras por aqui. Um exemplo é o benzoato de imamectina, um inseticida para controle de pragas. Autorizado emergencialmente no país com uma concentração de 5%, o inseticida é encontrado no Paraguai com concentração que chega a 90%.

Autoridades e pessoas envolvidas no combate ao mercado ilegal afirmam que muitos lojistas e produtores rurais que adquirem defensivos clandestinos têm consciência do que estão fazendo, seja pelo preço abaixo do mercado seja pelas embalagens em espanhol.

Autoridades alertam para os riscos à saúde e ao meio ambiente desses produtos clandestinos.

O Ministério da Agricultura diz não ter uma estimativa sobre o tamanho do mercado ilegal de defensivos. A indústria de agroquímicos calcula que a fatia do mercado atendida por produtos ilícitos gira em torno de 20% a 25%.

A estimativa foi feita com base nos dados de 2021 e significavam naquele ano entre US$ 2,9 bilhões e US$ 3,7 bilhões.

Os números são da CropLife Brasil, a entidade que reúne empresas de defensivos, de sementes, de biotecnologia e de produtos biológicos e que tem entre seus associados gigantes multinacionais como GDM, Basf, Bayer, Sumitomo Chemical e Syngenta.

“Esse é um problema mundial. Na Europa, segundo dados da OCDE, em média os insumos ilegais representam 14% do mercado local. O Brasil sofre bastante por ser um grande produtor agrícola”, afirma Nilto Mendes, um ex-policial federal que atualmente é gerente de Combate a Produtos Ilegais na CropLife Brasil.

Um estudo lançado em 2021 pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf) também estimou em 25% a fatia de defensivos ilegais no país.

Defensivos ilegais podem ser aqueles contrabandeados, adulterados por meio de diluições e adições de outros insumos, falsificados com uso de produtos não destinados ao campo e podem também ser aqueles frutos de roubos.

No caso do contrabando, o Paraquate se tornou um problema mais chamativo. Em 2022, autoridades já tinham feito uma grande apreensão em Santa Catarina. Em 2023, novamente em Americana. Mês passado, a Receita Federal de Foz do Iguaçu recolheu 36 toneladas de agrotóxicos ilegais. Desse total, cerca de 70% era Paraquate.

Quando a Anvisa decidiu banir a venda e uso desse químico no país citou o risco (embora, segundo a agência, ainda em discussão em outros países) de Parkinson e potencial de que a substância cause mutações que sejam transmitidas a futuras gerações ou ainda que cause câncer. Em 2020, a agência divulgou nota dizendo que o risco era para quem manuseava o produto e que quem consome alimentos não está suscetível à exposição da substância.

Para a indústria, a penetração de criminosos —contrabandistas, falsificadores, lavadores de dinheiro — no mercado de defensivos representa concorrência desleal, evasão de impostos, ameaça à reputação dos produtos lícitos e riscos à saúde e ao meio ambiente.

Para órgãos de controle, a cadeia clandestina de defensivos acende vários alertas.

“Considerando que os produtos ilegais não passaram pelo procedimento de registo oficial do governo federal, é admissível que os resíduos nos alimentos de quem faz uso desses produtos possa gerar resíduos acima do que prevê a legislação Brasileira (LMRs)”, afirma o Ministério da Agricultura.

A Anvisa reforça: “Agrotóxicos irregulares não oferecem as garantias de segurança para o trabalhador e para o meio ambiente, tampouco possuem eficiência e qualidade que são exigidas para estes produtos. Sem esses requisitos mínimos, os produtos irregulares representam um alto risco de dano e ameaça à saúde do trabalhador e das pessoas que consomem os alimentos em que foram utilizados produtos irregulares”.

Já o Ibama diz que produtos ilegais e provenientes de contrabando não passam por avaliações de eficácia, viabilidade agronômica, impactos ambientais e à saúde humana e que “por isso seus impactos ambientais são incertos e podem causar efeitos adversos severos em organismos não alvo dessas substâncias, interferindo negativamente no equilíbrio ambiental”.

O Ministério da Agricultura afirma que vem atuando contra o mercado ilegal e que em 2023 realizou 35 operações com apreensões de agrotóxicos, fertilizantes, sementes, e outros produtos.

O aperto nas fiscalizações se soma a outra medida. No ano passado, a nova Lei dos Agrotóxicos tornou mais dura a punição para negócios ilícitos com os produtos — agora com penas de 3 a 9 anos de prisão.

Mas há ainda dois obstáculos. Um deles conscientizar mais os produtores sobre a origem, ainda que mais cara, dos defensivos. Outro obstáculo está do outro lado das fronteiras, diz o economista Luciano Barros, presidente do Idesf. “É preciso melhorar o ambiente regulatório em países vizinhos e buscar uma equalização das legislações sobre agrotóxicos entre os países do Mercosul.”

A Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) foi procurada para comentar o tema, mas não respondeu.

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