Uma das 10 maiores indústrias farmacêuticas nacionais, a Biolab, completou neste ano duas décadas de atividade. O portfólio da empresa, com sede em São Paulo, é composto por mais de 100 produtos, dos quais 50% são inovadores em sua composição, molécula ou forma farmacêutica. Dois exemplos são o fotoprotetor Photoprot com fator de proteção solar 100, elaborado com nanocápsulas, e o medicamento para tratamento de enjoos Vonau Flash, pioneiro no uso de uma tecnologia para dissolução oral imediata, com efeito mais rápido no organismo. Lançado em 2009, o Photoprot foi elaborado em conjunto com cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), enquanto o Vonau Flash, que chegou ao mercado em 2005, foi feito em parceria com a Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP).
“Sempre acreditamos que o futuro da indústria farmacêutica está na inovação, e não na cópia de medicamentos, como é o caso dos genéricos. Há anos, a Biolab trabalha na síntese de moléculas capazes de resultar em novos fármacos. Atualmente estamos testando 60 moléculas”, conta o diretor científico da farmacêutica, Dante Alario Junior. Para dar suporte a seu programa de inovação, a Biolab investe entre 7% e 10% do faturamento em P&D. Em 2016, a companhia faturou R$ 1,25 bilhão e a projeção para este ano é de crescimento de 12%. A empresa é líder em vendas de medicamentos com prescrição médica nas áreas de cardiologia e dermatologia, e tem atuação relevante nos setores de endocrinologia, geriatria, ginecologia, ortopedia, pediatria e reumatologia.
Até o fim de 2018, a companhia espera lançar mais dois remédios inovadores: o antifúngico Zilt, cuja molécula foi modelada e sintetizada nos laboratórios da Biolab, e o nanoanestésico tópico Nanorap, um dos primeiros do gênero no mundo (ver Pesquisa FAPESP nº 238). Os dois estão em fase final de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Indicado para o tratamento de infecções por fungos, o Zilt tem como princípio ativo uma molécula inovadora chamada dapaconazol. “O Zilt tem um núcleo químico conhecido, o imidazol, que foi modificado por nossos cientistas, tornando-se mais potente e com espectro de ação mais amplo”, explica Alario. Com isso, a droga age sobre maior número de microrganismos do que os antifúngicos existentes no mercado.
Segundo o médico Gilberto De Nucci, especialista em farmacologia, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e dono da Galeno Desenvolvimento de Pesquisas Clínicas, o dapaconazol é um me-too, termo empregado pelo setor farmacêutico para designar medicamentos surgidos a partir de uma nova molécula cuja estrutura química, já conhecida, foi modificada. “É uma nova entidade química, realmente inovadora, mas que não representa uma quebra de paradigma”, aponta De Nucci, contratado pela Biolab para conduzir os testes pré-clínicos e clínicos do Zilt.
Já o Nanorap é um anestésico em forma de creme destinado a pacientes que vão se submeter a pequenas intervenções de pele, como tratamentos a laser e retirada de sinais. Trata-se de uma inovação incremental, pois resulta de modificações feitas em dois princípios ativos conhecidos, a lidocaína e a prilocaína. “A novidade do produto é seu nanoencapsulamento, que garante melhor permeabilidade na pele”, ressalta De Nucci, que também organizou os estudos clínicos do medicamento. O Nanorap surte efeito em 10 minutos, um sexto do tempo dos anestésicos convencionais não injetáveis.
As inovações na indústria farmacêutica podem ser classificadas como radicais, quando resultam de uma nova molécula não registrada no mundo, ou incrementais, quando decorrem de melhorias em uma molécula já conhecida. Para o químico Jorge Lima de Magalhães, pesquisador do Núcleo de Inovação Tecnológica do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, medicamentos como os elaborados pela Biolab são importantes para o país.
“Embora as inovações feitas pelo setor farmacêutico nacional sejam basicamente incrementais, elas têm sua relevância. Alguns desses novos medicamentos embutem melhorias que aumentam a adesão dos pacientes e tornam o tratamento mais eficaz”, destaca Magalhães. “Se fazer uma molécula totalmente nova é algo extremamente complexo até para as grandes multinacionais farmacêuticas, imagine para um laboratório brasileiro.”
Unidades de P&D
Ao longo de sua história, a Biolab depositou 263 pedidos de patentes no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) – média de uma patente por mês –, dos quais 53 foram concedidos. As inovações da farmacêutica são desenvolvidas em duas unidades de pesquisa. A síntese de moléculas é realizada na Sintefina, spin-off da companhia instalada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), que funciona na Cidade Universitária, em São Paulo. A Sintefina está em processo de incorporação e até o fim do ano vai se transformar em laboratório próprio da Biolab. Trabalham nela seis químicos, todos com doutorado, e especialistas em síntese.
Uma das moléculas testadas pela equipe da Sintefina mostrou-se promissora no tratamento de hipertensão. “Já temos uma patente dessa molécula. Nos ensaios com ratos, ela foi eficaz para baixar a pressão. Agora estamos realizando novos testes para saber por quanto tempo a droga age no animal”, conta o diretor científico da Biolab. O mecanismo de ação da molécula ainda não é conhecido. “Devemos fazer um acordo com uma universidade para descobrir como ela age, porque essa é uma pesquisa básica.”
Além da síntese de moléculas, a equipe da Sintefina iniciará em breve a realização de testes de comprovação de eficácia dessas mesmas moléculas. “Hoje enviamos nossas moléculas para laboratórios nos Estados Unidos ou na França para comprovação da atividade. Em alguns meses, faremos esses ensaios aqui no Brasil, com a mesma segurança, eficácia e confiabilidade. Adquirimos equipamentos, compramos os kits para realização dos ensaios e contratamos um pesquisador que está terminando o doutorado para cuidar dessa área”, informa Alario.
A farmacêutica mantém um segundo centro de P&D em Itapecerica da Serra, município a 38 quilômetros de São Paulo, onde atuam cerca de 100 pesquisadores. Essa unidade é dedicada principalmente a inovações incrementais, como mecanismos de liberação programada de medicamentos, sistemas de dissolução oral e novas formulações e encapsulações, como as realizadas por meio de nanotecnologia. Por volta de 100 novos projetos estão em desenvolvimento em Itapecerica, entre eles a criação de filmes (finas películas) para tratar aftas.Para reforçar sua estrutura de P&D, a Biolab inaugura neste mês uma terceira unidade voltada à inovação, dessa vez no exterior. O novo centro de pesquisa funcionará no MArS Discovery District, polo de pesquisa em saúde e fármacos de Mississauga, cidade vizinha a Toronto, a maior metrópole do Canadá. Com mil metros quadrados, a instalação terá 15 pesquisadores e, segundo Alario, faz parte da estratégia de internacionalização da empresa. A primeira missão do laboratório, que custou US$ 50 milhões, será adequar a documentação do Zilt e do Nanorap para os mercados do Canadá, Estados Unidos e Europa. “Vamos produzir dossiês para as autoridades regulatórias desses países. Se queremos entrar em mercados desenvolvidos, temos que oferecer drogas inovadoras, como Zilt e Nanorap”, destaca o diretor científico da Biolab.
O centro canadense também dará suporte à área de pesquisa no Brasil. “Hoje, quando importamos reagentes usados na pesquisa de novas moléculas, precisamos esperar até seis meses pela chegada do produto. No Canadá, esse prazo cai para uma semana. Com isso, parte do desenvolvimento de novas moléculas ou de fármacos incrementais pode ser feita por lá”, explica Alario.
Nova fábrica
O laboratório tem três unidades industriais, situadas nos municípios paulistas de Jandira, Taboão da Serra e Amparo – nessa última também são fabricados alimentos funcionais e produtos veterinários. Em julho deste ano, a empresa anunciou a construção de uma nova fábrica em Pouso Alegre, no sul de Minas Gerais, com investimento orçado em R$ 450 milhões. Desse total, cerca de 40% são recursos próprios e o restante deve ser obtido no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e em outras fontes.
Prevista para entrar em operação dentro de três a quatro anos, a fábrica foi projetada para atender também o mercado externo – suas instalações serão construídas conforme as exigências das agências regulatórias dos Estados Unidos (Food & Drug Administration, FDA) e da Europa (European Medicines Agency, EMA). A unidade terá capacidade para fabricar 200 milhões de unidades de medicamentos por ano, mais do que duplicando o potencial produtivo da Biolab.
Fonte: Revista Pesquisa Fapesp