“Decidi empreender quando tinha 19 anos, em 1987. Eu acabara de voltar ao Brasil, depois de cursar o primeiro ano de farmácia em uma faculdade nos Estados Unidos, e não tinha capital. Vendi meu Santana Quantum por US$ 20 mil e fiz uma série de estudos para entender em quais mercados poderia entrar com esse dinheiro. Optei por investir em uma empresa de importação de preservativos, a Blausiegel. Na época, o mundo enfrentava a epidemia do vírus da aids e só havia duas marcas de camisinhas no Brasil. Faltavam produtos nas prateleiras.

Minha estratégia foi vender um produto com marca própria. Eu importava o preservativo da Alemanha e vendia no Brasil com a marca Preserv. Mantenho essa estratégia até hoje, comprando o produto de fabricantes da Tailândia, Japão e Malásia. O negócio cresceu rapidamente. Um dos motivos é que adotei uma estratégia diferenciada em relação aos concorrentes. Enquanto outras empresas apostavam no apelo sexual do produto, eu destaquei o aspecto da higiene, com uma embalagem branca e caixas com 12 preservativos, que miravam as famílias.”

Indústria na veia

“Mesmo com o sucesso da importadora, eu tinha um grande sonho: comandar uma indústria farmacêutica. Brinco que tenho isso nos meus cromossomos. Meu bisavô e meu avô eram químicos e tiveram laboratórios. Meu pai, economista, também teve sua indústria. Cheguei a trabalhar no laboratório dele, onde aprendi muito sobre a área. Sempre ouvia suas histórias e dificuldades. Mas todos os negócios da família acabaram não prosperando ou sendo vendidos por razões distintas.

 No início da década de 1990, ainda não tinha recursos para montar minha própria farmacêutica e acabei ingressando no ramo quase que por acaso. Em 1991, ao participar de uma licitação para a venda de preservativos para a Fundação para o Remédio Popular (Furp), descobri que eles compravam medicamentos, em especial hemoderivados. Corri atrás de fornecedores, mas tive uma grande frustração. Importei um grande lote de hemoderivados e, na primeira licitação que ganhei para o fornecimento do medicamento, a compra foi cancelada. Para não ficar com a medicação estocada, resolvi bater de porta em porta em grandes hospitais, como o Sírio-Libanês. Para minha surpresa, havia uma grande carência desse tipo de insumo na rede privada. Foi o meu ingresso na área.”

Nasce um laboratório

“De 1991 a 1995, ampliei a lista de medicamentos importados. Montei um laboratório de controle de qualidade, um almoxarifado adequado sanitariamente e uma câmara fria para a refrigeração dos medicamentos. Adotei boas práticas de distribuição, atendendo às exigências do órgão regulador. Desde o princípio apostei em nichos de mercado, de áreas como oncologia, nefrologia, hematologia e infectologia. Grande parte dos medicamentos era injetável, para o tratamento de doenças crônicas e de uso no dia a dia de clínicas e hospitais. Nunca quis disputar o mercado no varejo, com venda para redes de farmácias, e foquei apenas em clínicas e hospitais. A importação de medicamentos dava mais dinheiro que a de preservativos, o que é natural, não apenas pelo valor dos produtos mas também pela carência do mercado brasileiro. Em 1995, decidi transformar a Blausiegel em uma indústria farmacêutica com produção própria. A fábrica inaugural foi erguida em Cotia (SP). Foi uma das primeiras plantas nacionais dedicadas a medicamentos na área de oncologia. Até hoje existem apenas cinco no Brasil.”

Produção ampliada

“Estar à frente de uma indústria farmacêutica é lidar com legislação e burocracia diariamente. A área regulatória no Brasil é complexa em termos de garantia da qualidade, validação dos medicamentos e atendimento às exigências da Anvisa. A régua sobe todo ano. Hoje, a Blau tem um corpo técnico de 1.100 funcionários, sendo 25% farmacêuticos formados, com uma área de P&D dedicada à oncologia e à biotecnologia. O investimento constante em tecnologia e pesquisa fez com que a empresa ampliasse os seus horizontes. Apostamos em outras linhas de negócios. Em 2002, investi em uma segunda planta, para a produção de produtos biológicos. Em 2011, foi a vez de inaugurar a terceira planta da Blau, especializada na produção de antibióticos e medicamentos de uso diário nos hospitais. Em 30 anos construí um portfólio robusto, com uma linha de 150 medicamentos líderes em seus mercados, sendo que 80% da produção da Blau é nacional. Ainda mantenho alguns produtos importados, a exemplo dos preservativos Preserv. Minha carteira de clientes soma 3.500 clínicas e hospitais.”

Internacionalização

“A partir de 2002 decidi ingressar no mercado internacional, licenciando os registros de medicamentos para outros fabricantes. Hoje, embarco produtos para 22 países, com destaque para os asiáticos. Mas o comércio exterior ainda representa uma parte pequena da receita bruta da Blau, apenas 7%. Em 2012, decidi montar ou adquirir subsidiárias em países da América Latina. Hoje, a Blau possui sucursais no Uruguai, Colômbia, Argentina, Peru e Chile. Não adquirimos outros laboratórios. O crescimento da empresa até hoje foi orgânico. Ao montar subsidiárias e investir em marketing e vendas, o negócio se desenvolve mais rapidamente.

Mesmo na atual situação econômica do país, a indústria farmacêutica continua em expansão. Os hospitais e UTIs não param de crescer, o acesso à medicina é maior do que há duas décadas e o número de pessoas acima de 60 anos avança. Esse nicho consome quatro vezes mais medicamentos do que jovens de até 19 anos. É preciso estar preparado para crescer. Em novembro de 2017, a Blau Farmacêutica fez o pedido de registro de companhia aberta na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ainda estudamos o melhor momento para a oferta inicial de ações [IPO, na sigla em inglês]. Pretendo utilizar os recursos levantados para ampliar a capacidade produtiva e de distribuição e expandir a atuação da empresa na América Latina.”

Marcelo Hahn, fundador da Blau Farmacêutica


Fonte: https://revistapegn.globo.com/Administracao-de-empresas/noticia/2018/06/da-camisinha-ao-remedio-como-blau-virou-uma-gigante-do-setor-farmaceutico.html 

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