O XII Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento (Sipid) aconteceu nessa terça, dia 7, em formato virtual. Este ano, o evento debateu os diversos instrumentos adotados por nações e indústrias para extensão do monopólio de patentes de produtos farmacêuticos. Para os especialistas ouvidos no seminário, a prática prejudica a concorrência e dificulta o acesso da população a medicamentos e outros produtos essenciais.

Na abertura, o vice-presidente de Propriedade Intelectual & Inovação da ABIFINA, Dante Alario Junior, comemorou a histórica decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Intelectual, em maio deste ano. O dispositivo previa a prorrogação automática dos prazos de patentes no país. “O seminário esta sendo realizado num ano em que há um aspecto a ser comemorado, quando se derrubou o famoso [parágrafo único do] artigo 40 da lei de patentes, que prejudicava fortemente o país, as empresas e a população”. 

Compondo a mesa de abertura, a consultora em Propriedade Intelectual da PróGenéricos, Leticia Covesi, também lembrou a decisão do STF e defendeu que o tema precisa ser amplamente debatido. Na sessão estava ainda o presidente executivo do Grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri, que ressaltou a importância da indústria farmacêutica para o país.

Data protection

A parte da manhã foi dedicada ao tema da exclusividade sobre dados de testes de registro de medicamentos, ou data protection. Os palestrantes mostraram preocupação com a adoção do dispositivo legal por países em desenvolvimento. Segundo eles, o mecanismo encarece e atrasa a entrada de produtos no mercado, além de travar a inovação.

A pesquisadora Julia Paranhos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresentou os resultados de um estudo brasileiro coordenado por ela que avaliou os impactos de uma possível adoção do mecanismo pelo Brasil. Em todos os cinco cenários trabalhados pela pesquisa, com menor ou maior proteção, são observados prejuízos ao mercado nacional de produtos farmacêuticos.

Em um período de 30 anos, haveria um aumento de 12% a 22% nos preços, além de ampliação dos gastos do Ministério da Saúde, entre 19,5% e 33%. Também seriam criados impedimentos ao desenvolvimento de produtos de inovação incremental, prejudicando a indústria nacional, que tem nesse tipo de produto uma de suas principais estratégias de mercado.

Na sequência, o professor e pesquisador Mariano Genovesi, da Universidade de Buenos Aires, apresentou um panorama sobre as origens e a disseminação do dispositivo no mundo, além de dados de diversos países, como Estados Unidos e Colômbia, que incorporaram o data protection em seu regramento. No entendimento do especialista, o caráter administrativo do mecanismo funciona como barreira de entrada, impedindo a concorrência e dificultando o lançamento de genéricos logo após o término da vigência da patente do medicamento de referência.

Genovesi apontou também um problema ético, já que o data protection implica a realização de novos estudos clínicos, mesmo que esses testes já tenham sido conduzidos para o medicamento de referência e já se saiba que o produto é eficaz e seguro para os pacientes. “É como dar para as pessoas paraquedas que sabemos que não funcionam e dizer para saltarem do avião”, disse, fazendo uma analogia ao uso de placebos em testes clínicos desnecessários, por já terem sido feitos anteriormente.

O pesquisador alertou ainda para o risco de contágio em todo o Mercosul, no caso da adoção do dispositivo por algum Estado membro ou da adesão a acordos de livre comércio, como o que vem sendo negociado entre o bloco e a União Europeia. “Seria um erro introduzir o data protection de forma unilateral nas legislações dos países porque isso afeta o trade-off. E uma vez que um país faz essa concessão, isso se estende automaticamente aos demais membros”, argumentou.

Moderando o debate, o presidente executivo da ABIFINA, Antonio Bezerra, considerou que uma possível adoção de data protection pelo Brasil e pelo Mercosul seria um retrocesso na política pública de acesso a medicamentos do país.

Extensão de patentes

Na parte da tarde, as discussões giraram em torno de estratégias para extensão do monopólio de patentes, incluindo litígios judiciais para ajustamento do prazo de vigência de patentes e o forum shopping.

O advogado e consultor jurídico da ABIFINA, Pedro Marcos Barbosa, questionou as estratégias adotadas por escritórios de advocacia junto ao judiciário na tentativa de estender o prazo de patentes, mesmo após a suspensão do parágrafo único do artigo 40 pelo STF. Em sua opinião, são práticas criativas com o objetivo de utilizar o judiciário para reivindicar modificações legais que deveriam ser feitas por meio do legislativo. “Não devemos confundir panfletagem judicial com bom direito”, enfatizou.

Trazendo a visão do judiciário, a juíza federal Marcia Maria Nunes de Barros, da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, considera essas ações parte do jogo democrático, e sugere que se criem formas de impedir as tentativas de extensão de patentes. “Se a criatividade é ilimitada, a vigilância também tem que ser. Se é legitimo que essas partes pensem em estratégias para extensão de patentes, outros podem pensar em estratégias para barrá-las”, defendeu.

Ela alertou, no entanto, para práticas de má fé, como o forum shopping, que consiste em escolher a jurisdição mais favorável ao demandante, e para o problema da concorrência de competência entre Justiça Federal e Justiça Estadual, que acabam conturbando as ações e atrasando a entrada das tecnologias em domínio público.

Uma solução, na sua visão, seria a criação no Brasil de um tribunal especializado em propriedade intelectual, como ocorre nos Estados Unidos e no Japão. O órgão agiria em segunda instância e concentraria todos os processos dos âmbitos federal e estadual. “Seria um passo a mais nessa especialização do judiciário e seria fundamental pra termos um sistema de propriedade intelectual mais avançado”, concluiu.

Já a coordenadora acadêmica do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual (IBPI), Karin Grau-Kuntz, chamou atenção para a necessidade de se fortalecer e estruturar o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) antes de o Brasil pensar em adotar modelos como o ajustamento do prazo de vigência de patentes (PTA, na sigla em inglês). “Se o INPI funcionar, se não tiver backlog, todo mundo sai ganhando”, defendeu.

A pesquisadora lembrou ainda que a extensão do monopólio de patentes sempre traz custos para o país e defendeu uma política de propriedade industrial mais afinada. “O sistema de patentes é positivo quando é bem desenhado e equilibrado. A extensão muito longa tem custo social. O Brasil tem estrutura pra amortizar esse custo social?”, provocou.

Já o diretor Jurídico Contencioso do Grupo NC, Gustavo Svensson, trouxe a perspectiva do empresariado, que, segundo ele, vê essas ações com temeridade. “Como ele vai compreender, depois de julgado na mais alta corte brasileira, surgirem ações buscando soluções alternativas para que seja concedida uma extensão em virtude de suposta morosidade causada pelo INPI?”, questionou.

Para ele, a melhor saída para a indústria é promover uma agenda econômica positiva e trabalhar para aparelhar tecnicamente o INPI, possibilitando que o Estado seja capaz de fornecer um serviço de qualidade. “Em vez de soluções criativas, precisamos de soluções que busquem aperfeiçoar nosso sistema jurídico para que tenhamos segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade”, afirmou.

O encerramento ficou por conta da consultora de Propriedade Intelectual e Inovação da ABIFINA, Ana Claudia Oliveira, que garantiu que a entidade vai continuar lutando para que a propriedade intelectual seja uma prioridade no país, como defendeu Pedro Barbosa em sua palestra. “Devemos realmente buscar um sistema patentário mais justo para todos”, concluiu.

Prêmio Denis Barbosa

Durante o evento, aconteceu também a entrega do 6º Prêmio Denis Barbosa , que anualmente homenageia empresas, entidades e profissionais brasileiros que trabalham em prol de um sistema de propriedade intelectual focado no interesse público. Este ano, o escolhido foi o advogado e consultor jurídico da ABIFINA Pedro Marcos Barbosa.

A próxima edição da Revista Facto ABIFINA trará a cobertura completa do evento. Assista a gravação do XII SIPID (abaixo), ou acesse o Canal da ABIFINA no Youtube: https://bit.ly/3DwwqsR.

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