A especialização dos tribunais de justiça em Propriedade Intelectual pode trazer mais celeridade e qualidade técnica aos julgamentos relativos à matéria, mas pode ser de difícil implantação ou mesmo apresentar falhas. O tema foi o centro das discussões no webinar “Vantagens e desvantagens da especialização dos tribunais em propriedade intelectual”, que a ABIFINA, com o apoio do Grupo FarmaBrasil e da PróGenéricos, realizou em 19 de abril. O webinar foi dedicado ao Dia Mundial da Propriedade Intelectual, celebrado em 26 de abril.

O evento reuniu juristas e advogados com experiência no assunto. O juiz de Direito Walter Godoy, do Tribunal de Justiça de São Paulo, moderou o debate e destacou que, apesar de a especialização de varas no Brasil estar prevista em lei, apenas os tribunais dos grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, são especializados. E mesmo nesses casos as competências são híbridas, não existindo fórum com especialização pura em propriedade intelectual.

Primeira a palestrar, a jurista Prabha Sridevan, ex-juíza do Supremo Tribunal de Madras e ex-presidente do Intellectual Property Appellate Board (IPAB) da Índia, argumentou que mesmo cortes gerais podem ser capazes de decidir de forma qualificada sobre a matéria, desde que tenham apoio de um perito no assunto. Frisou que o interesse público precisa sempre ser considerado nas sentenças, principalmente quando se trata de patentes de medicamentos, pois uma decisão de conceder o monopólio a uma empresa pode significar a exclusão de milhares de pessoas ao acesso a tratamentos. E lembrou que muitas vezes o desenvolvimento de uma inovação é custeado com dinheiro público, não apenas privado. Concluiu contando a experiência da Índia, país cuja legislação possui uma cláusula (seção 3D) que impede o patenteamento de inovações incrementais que não demonstrem melhoria relevante na eficácia do produto, o que já possibilitou à Corte indiana negar patentes a grandes farmacêuticas.

Na sequência, a juíza federal Márcia Nunes de Barros falou da importância da especialização dos juizados em um país de dimensões continentais como o Brasil. Dados apresentados por ela revelaram um acúmulo anual de mais de 25 milhões de processos no sistema judiciário. Ressaltou que o Judiciário possui uma força de trabalho insuficiente e que existem dificuldades para que um magistrado se mantenha em uma mesma vara e possa se especializar, criando mais obstáculos para que juízes se aprofundem no tema da propriedade intelectual. Atualmente, lembrou, apenas o Rio de Janeiro possui varas especializadas em PI. Isso faz com que muitas empresas pratiquem o chamado forum shopping, levando para Brasília processos contra Anvisa e Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a fim de buscar uma decisão favorável para suas demandas. Por fim, propôs a criação de um Tribunal de Propriedade Intelectual 4.0, que concentre todos os julgamentos relativos a PI e reúna juízes das esferas estadual e federal.

Convidado a debater, o advogado Gustavo Svensson, do Grupo NC, defendeu a importância da previsibilidade e pacificação nas sentenças e decisões judiciais para a garantia da segurança jurídica e, por isso, a autoridade jurídica precisa conduzir um processo com boa fundamentação técnica. No entanto, essa previsibilidade fica prejudicada quando existem tantos casos das chamadas ações PTA (do inglês Patent Term Adjustment) e da prática de fórum shopping. Ao serem julgadas por magistrados sem o devido conhecimento técnico, tais ações nem sempre consideram o interesse público. Disse ainda que teme o crescimento de controvérsias envolvendo o artigo 32 da Lei de Propriedade Industrial (que versa sobre alterações no pedido de patentes após o final do exame), tema ainda não pacificado. Ao final, lembrou que a propriedade intelectual se refere a um direito coletivo.

Pedro Barbosa, da DBB Advogados e consultor jurídico da ABIFINA, foi o último debatedor. O advogado defendeu que não só o judiciário precisa se especializar no tema da PI, mas os próprios advogados que atuam nessas causas. No seu entendimento, a falta de especialização é um problema também na Advocacia-Geral da União, que extinguiu a procuradoria do INPI, prejudicando a defesa do Instituto. Ressaltou que é preciso tempo para que se crie uma cultura de julgamento e um tribunal se especialize, como se pode depreender do processo de especialização da vara do Rio de Janeiro. Referindo-se à prática de forum shopping, defendeu a necessidade de se refletir sobre o papel do advogado, pois “nem tudo que é lícito nos convém”. 

Antonio Bezerra, presidente Executivo da ABIFINA, abriu o evento, e o encerramento ficou por conta de Ana Claudia Oliveira, consultora da entidade.

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