Brasil, Índia e China apresentam caminhos de parceria para fortalecer inovação e acesso à saúde no Sul Global

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Archana Jatkar (virtual), George Cassim, Sergio Napolitano e Andrey Freitas

Em tempos de cooperação crescente entre os países do BRICS, a produção e a inovação em saúde no bloco foram o destaque no dia 17 de setembro, o segundo do XVI Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento (SIPID), promovido pela ABIFINA no Rio de Janeiro e, depois, em Brasília.

Na conferência internacional, a presidente do Comitê de Comércio Internacional e Propriedade Intelectual da Associação Internacional de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (IGBA), Archana Jatkar, abordou a produção em saúde e as oportunidades de colaboração entre Brasil e Índia. O anfitrião da atividade foi o diretor de Relações Governamentais e Legislativo da ABIFINA, George Cassim, que apresentou a palestrante como referência global em acesso a medicamentos, inovação e regulamentação.

Em sua exposição, Jatkar revelou indicadores expressivos sobre a indústria farmacêutica indiana: com 4,9 milhões de empregos diretos e indiretos, mercado interno de US$ 60 bilhões e superávit comercial de US$ 19,5 bilhões anuais, empresas que respondem por 20% das exportações globais de genéricos e 60% da demanda internacional de vacinas.

Parceiros naturais

Apesar desses números, apenas 5% das exportações indianas na área da saúde têm como destino o Brasil. Para Jatkar, esse dado demonstra amplo espaço para avançar não apenas nas relações comerciais, mas também em parcerias de pesquisa, desenvolvimento e inovação, aproveitando a capacidade existente nos dois países e envolvendo agentes públicos e privados.

“Brasil e Índia são reconhecidos globalmente como líderes na produção de medicamentos, vacinas e dispositivos médicos. Somos parceiros naturais”, afirmou.

Para transformar esse potencial em realidade, a dirigente da IGBA sugeriu ações como a criação de um Grupo de Trabalho Brasil-Índia no âmbito do BRICS; o reconhecimento mútuo de inspeções e aprovações simplificadas para reduzir duplicações regulatórias; o intercâmbio de pesquisadores e especialistas; e o estímulo a parcerias em inovação e resiliência das cadeias de suprimentos. Outra recomendação foi facilitar a participação de empresas indianas nas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), atualmente enfrentando obstáculos.

“Os países do BRICS estão emergindo como vozes poderosas para o Sul Global, e a cooperação na produção de medicamentos poderia se tornar símbolo da solidariedade no bloco”, concluiu Jatkar, ressaltando que os benefícios se estenderiam não apenas a Brasil e Índia, mas também a outros países em desenvolvimento.

Debates

Como debatedor da conferência, o presidente executivo da ABIFINA, Andrey Freitas, destacou que, para avançar em parcerias, é preciso antes definir com clareza as prioridades nacionais, a partir das quais o setor produtivo poderá se organizar. Ele ressaltou a importância da continuidade da política industrial:

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“Temos que tratar a política industrial no Brasil, em particular no setor de saúde, como algo inerente às ações do Estado”, afirmou, citando a Lei dos Genéricos, há mais de 20 anos, como exemplo de transformação profunda induzida por política pública. “O setor produtivo vai responder positivamente a qualquer incentivo que aponte prioridades, como já fez.”

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O vice-presidente de Comércio Internacional e Propriedade Intelectual da IGBA, Sergio Napolitano — também conselheiro geral e diretor de Relações Externas da associação Medicamentos para a Europa —, avaliou a aproximação entre Brasil e Índia como um movimento natural para “expandir horizontes” diante das mudanças na política comercial dos Estados Unidos. Ele observou que os dois países contam com ecossistemas farmacêuticos positivos, mas ressaltou que, para avançar, será necessária vontade política e maior cooperação regulatória.

China: investimentos estruturantes

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Luiz Augusto de Castro Neves (CEBC) e Marcus Soalheiro (ABIFINA)

O reflexo desse histórico nas relações comerciais com o Brasil foi apresentado pelo embaixador Castro Neves. O País foi o terceiro destino mundial dos investimentos chineses em 2024, atrás apenas da Hungria e do Reino Unido, recebendo mais de US$ 4 bilhões em 2024, o dobro do registrado em 2023. O estoque de investimentos chineses no Brasil chega a US$ 77 bilhões, distribuídos em 113 projetos em 23 estados da federação.

Ainda no mesmo dia, ocorreu a conferência “Inovação e produção em saúde na China: lições da Ásia para o Brasil”, ministrada pelo embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). O anfitrião foi o 1º vice-presidente da ABIFINA, Marcus Soalheiro, que destacou a capacitação tecnológica e o consistente apoio estatal como fatores centrais para o desenvolvimento chinês ao longo dos anos.

Os empreendimentos em manufatura se destacam, especialmente em áreas ligadas à política industrial brasileira, como saneamento, transformação digital, mobilidade sustentável, infraestrutura, segurança energética e descarbonização.

“Os investimentos são de longo prazo, não especulativos. A China tem visão de longo prazo para o relacionamento com o Brasil. A dificuldade é o Brasil também pensar em longo prazo”, comentou o embaixador. Ele destacou, entretanto, que as empresas chinesas enfrentam no Brasil desafios ligados à falta de clareza e à instabilidade regulatória.

Parcerias na saúde

Segundo Luiz Augusto de Castro Neves, o interesse chinês em estruturas produtivas brasileiras abre espaço para uma cooperação industrial de maior valor agregado. No setor de saúde, há especial atenção à fabricação local de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs), propondo-se um modelo de interdependência produtiva que pode ser vantajoso para o Brasil.

Estudando o mercado farmacêutico chinês, o CEBC identificou aprendizados que podem inspirar o Brasil. O primeiro é o planejamento estratégico: biotecnologia e saúde são áreas prioritárias nos Planos Quinquenais. Destacam-se as pesquisas em doenças crônicas e associadas ao envelhecimento populacional, além da saúde digital; a formação de clusters de saúde que aumentam a produtividade e atraem investimentos; e o incentivo estatal a startups de biotecnologia, em uma modelo semelhante às Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs).

Olhando para as possibilidades de cooperação, Castro Neves citou que a China incentiva a repatriação de cientistas, o que pode ser um gancho para acordos entre universidades com vistas a estimular a formação profissional em áreas de conhecimento importantes para as tecnologias em saúde, como farmácia, engenharia biomédica e bioquímica. Outro caminho seria o investimento conjunto em fábricas de medicamentos e vacinas, não apenas para atender aos mercados internos, mas também para ampliar o acesso à saúde no Sul Global, com apoio do Banco do BRICS.

Em propriedade intelectual, a China mantém um sistema nacional que combina proteção com flexibilidades, permitindo acesso à saúde e abrindo espaço para negociações comerciais mais equilibradas com o Brasil.

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“Vemos um cenário extremamente rico, com grande potencial. O setor farmacêutico, em relação a outros, está um pouco atrasado, ainda não se deu conta da grandeza da oportunidade oferecida pelo mercado chinês”, afirmou o presidente do CEBC.

Diante da transformação em curso na ordem econômica global, ainda indefinida, a China emerge como parceiro estratégico em um futuro provavelmente marcado pela consolidação de duas potências mundiais. Alguns comparam essa perspectiva a uma nova Guerra Fria, o que Castro Neves relativiza: “A oposição entre Estados Unidos e China não é um jogo de soma zero, como foi com a União Soviética na Guerra Fria”, disse, explicando que existem áreas de cooperação entre americanos e chineses que promovem benefícios para ambas as partes.

Encerramento

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Na cerimônia de encerramento do dia, o presidente executivo da ABIFINA, Andrey Freitas, deixou uma mensagem de esperança: “Ninguém se abre para o debate se não tiver a disposição de construir um País mais próspero. Sigamos em frente!”, disse, evocando os ideais desenvolvimentistas de Nelson Brasil de Oliveira, fundador e figura central na história da ABIFINA, e convidando todos para a próxima edição do SIPID, em 2026.

A gravação completa do XVI SIPID está disponível no canal da ABIFINA no YouTube.

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