O governo brasileiro adotou, como um dos pilares de sua política econômica, efetuar uma revisão da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, com redução unilateral das tarifas, como solução para o aumento da produtividade e competitividade da indústria brasileira. Vários estudos técnicos com viés neoliberal recomendam a abertura comercial por essa via, sem levar em consideração todos os demais fatores econômicos, políticos e jurídicos que, de fato, geram perda de competitividade e dano à nossa economia e às indústrias brasileiras. Indicam como um dos resultados no Brasil o desemprego de cerca de três milhões de trabalhadores, e sugerem que os mesmos sejam requalificados para aproveitamento em outros setores. Isso, porém, não parece viável neste momento, em que já temos 12,5 milhões de desempregados, sem contar os desalentados e subempregados.

O cenário internacional recomenda cautela. As tendências mundiais e os mercados mais relevantes estão em guerra comercial, com medidas e contramedidas de exceção. Observa-se uma escalada tarifária que não dá sinais de arrefecimento, em efeito dominó. As regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) não estão preparadas para enfrentar tais medidas e o tipo de participação do Estado na economia da China. O Organismo de Solução de Controvérsias da OMC está ameaçado.

A OMC estima que haverá uma retração no comércio mundial de 17,5% e uma redução de 1,98% do PIB mundial. Nesse cenário, o Brasil se torna um alvo prioritário para os produtos excedentes no mercado internacional, em condições nem sempre leais. Uma abertura comercial voluntária e unilateral teria que ser acompanhada pela garantia de igualdade de condições de competição com o resto do mundo e pela aplicação de instrumentos de defesa comercial, como forma de eliminar o comércio injusto.

Externamente, o Brasil apostou no multilateralismo da OMC que, de tempos em tempos, promove redução das tarifas de importação a cada rodada de negociação. Porém, a paralisação da atual Rodada Doha, por desinteresse dos países desenvolvidos, dificulta esse caminho. Agora, a proposta do setor privado brasileiro, externada em diversos documentos ao governo, é de reduzir as tarifas exclusivamente pela negociação de novos acordos preferenciais de comércio, equilibrados, que atendam aos nossos interesses ofensivos e resguardem as nossas sensibilidades, possibilitando acesso privilegiado aos principais mercados.

No quadro atual, não faz sentido o Brasil propor uma redução de todas as alíquotas da TEC de forma unilateral e voluntária, sem conseguir minimamente acesso a outros mercados. Um dos principais argumentos é de que as tarifas de importação do Mercosul, e especialmente do Brasil, são altas quando comparadas aos padrões internacionais, dificultando a inserção brasileira nas cadeias globais de valor – que em realidade são comandadas pelas grandes empresas multinacionais. A média da TEC é de 11,29%, sendo 10,25% em bens agrícolas e 11,42% em industriais, com tarifa máxima praticada de 35%, todas ad valorem. Não temos tarifas específicas, muito adotadas pelos países desenvolvidos, que mascaram os altíssimos valores cobrados, de mais de 600%, notadamente nos principais produtos de interesse exportador brasileiro.

Em realidade, as tarifas atuais da TEC são uma compensação, apenas parcial, dos diversos fatores que oneram a competitividade das empresas no País. O Brasil conta com indústrias inovadoras, tecnológicas e sustentáveis, mas o chamado Custo Brasil tira a competitividade final dos nossos produtos em cerca de 30%. Entre as assimetrias enfrentadas pelos produtores nacionais, pode-se elencar: carga tributária elevada sobre investimentos; alta complexidade tributária; exportação sem a total desoneração de impostos; guerra fiscal dos estados cobrando impostos menores dos importados; energia elétrica e gás natural caros; elevados custos sociais e trabalhistas; juros elevados para investimentos e capital de giro; deficiência crônica de infraestrutura; logística complicada e burocratizada; elevados gastos em segurança patronal e de cargas; pesadas exigências burocráticas; mudanças constantes das regras do jogo, gerando insegurança jurídica.

O Brasil está pressionando o Mercosul para implementar uma reforma geral da TEC e apresentou proposta baseada em estudos econométricos, com o objetivo de reduzir as tarifas em uma média de 50%, variando de setor para setor. Apesar de os produtores nacionais terem solicitado transparência e consultas públicas nesse processo, isso não ocorreu até o momento, e as propostas em estudo continuam sigilosas. De algumas informações vazadas para a imprensa, foi observada uma queda geral de 51,8%, sendo de 53,2% na indústria, de 17,1% na agroindústria e de somente 0,6% no agronegócio. Reduzir as tarifas antes de resolver as principais desvantagens sistêmicas do Custo Brasil significa tornar ainda mais desiguais as condições de competição das empresas localizadas no País.

As tarifas altas de importação já não são o principal instrumento de controle do comércio exterior. As economias mais relevantes controlam as importações e protegem suas produções e empregos com a aplicação de variadas barreiras não tarifárias, como regulamentos técnicos, medidas sanitárias, fitossanitárias e ambientais, requisitos trabalhistas e de comércio inclusivo, entre outras, além da adoção dos chamados padrões privados.

Se for inevitável uma abertura comercial unilateral, esta deve ser responsável, transparente, diferenciada e com razoável gradualismo na sua implementação, além de concomitante eliminação de grande parte das assimetrias competitivas. Deve-se também fortalecer a eficiência e o funcionamento institucional do sistema brasileiro de defesa comercial e de salvaguardas, pois, neste momento de acirramento de disputas de mercado, não podemos abrir mão de nossos instrumentos de política comercial, direito legítimo ratificado pelos membros da OMC.

No entanto, no quadro atual de aumento do protecionismo dos principais mercados, o ideal seria efetuar uma abertura comercial negociada, via assinatura de novos acordos preferenciais de comércio, nos quais seriam também negociadas medidas de facilitação de comércio sobre as barreiras não tarifárias. Uma redução unilateral e generalizada das tarifas de importação irá enfraquecer o poder de barganha do Brasil e do Mercosul nas negociações com outros países e blocos, podendo até diminuir o interesse destes em negociar conosco.

Nos acordos comerciais já negociados, que ainda não tenham concluído todos os cronogramas de desgravação, a redução unilateral das tarifas da nossa parte resultará em um desequilíbrio das concessões negociadas, uma vez que o Brasil estará desgravando mais rapidamente e dando acesso a mercado mais favorável às contrapartes.

 

Autor: Eliane de Souza Fontes, Economista, ex-diretora de Negociações Internacionais da SECEX/MDIC e ex-assessora da Presidência do Inmetro

Revista Facto | Ago-Dez 2019 | Edição 61

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