REVISTA FACTO
...
Mai-Ago 2020 • ANO XIV • ISSN 2623-1177
2024
75 74
2023
73 72 71
2022
70 69 68
2021
67 66 65
2020
64 63 62
2019
61 60 59
2018
58 57 56 55
2017
54 53 52 51
2016
50 49 48 47
2015
46 45 44 43
2014
42 41 40 39
2013
38 37 36 35
2012
34 33 32
2011
31 30 29 28
2010
27 26 25 24 23
2009
22 21 20 19 18 17
2008
16 15 14 13 12 11
2007
10 9 8 7 6 5
2006
4 3 2 1 217 216 215 214
2005
213 212 211
//Artigo

ACORDO DE COMPRAS GOVERNAMENTAIS DA OMC: ASSIMETRIA E RISCO

É interessante e importante para o Brasil aderir ao Acordo de Compras Governamentais da Organização Mundial do Comércio (OMC)? Anunciado pelo governo brasileiro como um acordo que trará redução de custos nas compras públicas internas, aumentará a concorrência e possibilitará acesso privilegiado de empresas aos mercados públicos nos países signatários, o Acordo de Compras Governamentais (ACG, em inglês Government Procurement Agreement-GPA) da OMC, existe desde 1994 e possui atualmente 48 membros e 34 membros observadores (incluindo Brasil, China e Rússia).

Observador desde julho de 2017, o Brasil formalizou o pedido de acessão ao ACG em maio último, dando início à negociação que pode durar meses ou anos, como no caso da China (desde 2007). No processo, o Brasil deve apresentar um checklist da sua legislação de licitações e listas de ofertas de acesso ao mercado, informando quais bens, serviços e obras e níveis governamentais poderão realizar licitações internacionais. Entre os possíveis setores estão eletro/eletrônicos, produtos farmacêuticos humanos e veterinários, químicos, equipamentos para área de defesa, entre outros, embora exista margem para limitar a abrangência.

As recentes negociações do Mercosul com a União Europeia e EFTA (da sigla em inglês para a Associação Europeia de Livre Comércio) e do Brasil com Peru e Chile já incluem protocolos de compras públicas que cobrem apenas certas áreas. Por exemplo, são excluídos itens da área de saúde, como medicamentos, vedados quando se referem a compras do Ministério da Saúde no acordo do Mercosul. Também estão excluídas compras públicas em que haja transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e a aquisição de insumos estratégicos para a saúde.

Estima-se que o mercado de compras públicas no mundo em 2018 tenha sido de US$ 11 trilhões1, dos quais os países do ACG da OMC foram responsáveis por 15,45%, ou seja US$ 1,7 trilhão2. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estimou que as compras públicas do Brasil, em 2017, corresponderam a 16,4% do PIB3

O SUS garante, por meio de políticas econômicas e sociais, o direito de acesso universal à saúde. De acordo com o Banco Mundial, em 2017 a despesa brasileira com saúde foi de 9,5% do PIB (aproximadamente US$ 196 bilhões), dos quais 3,9% foram gastos públicos (42% do total de despesa com saúde). Já 58% do total de despesa com saúde foram gastos privados4.

Para o Tribunal de Contas da União (TCU), o financiamento federal para a assistência farmacêutica foi uma das áreas que mais contribuiu para a elevação dos gastos da União entre 2008 e 2017 e custou aos cofres públicos R$ 11,5 bilhões para aquisição direta de medicamentos (15,0% do faturamento do mercado), segundo o Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico de 2018 publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

O Brasil conta com a Política Nacional de Inovação Tecnológica na Saúde (PNITS) para regular o uso do poder de compra do Estado em contratações e aquisições de produtos e serviços estratégicos para o SUS de forma a estimular e fomentar a parceria entre administração pública e empresas privadas para selecionar a proposta mais vantajosa, principalmente quanto ao desenvolvimento da capacitação tecnológica.

O PNITS possui instrumentos estratégicos como as Encomendas Tecnológicas na Área da Saúde (ETECS), voltadas para a pesquisa, desenvolvimento e Inovação de soluções ainda inexistentes no mercado; as Medidas de Compensação na Área da Saúde (MECS), que regulamentam compras de grandes volumes com pouca concorrência, visando a compensação tecnológica para fortalecer o mercado nacional; e, enfim, as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo, as PDPs.

As PDPs consistem em acordos entre os setores público e privado, onde estes se comprometem a transferir tecnologia aos laboratórios públicos para a produção de determinado medicamento, reservando aos laboratórios privados exclusividade na compra desses produtos pelo governo no mesmo período. As PDPs geram uma significativa economia, além de diminuir a dependência externa e a vulnerabilidade produtiva e tecnológica, fomentando o desenvolvimento e a fabricação em território nacional de produtos estratégicos para o SUS, o que garante a sustentabilidade tecnológica a curto, médio e longo prazo com o aumento da capacidade produtiva e de inovação do País. Sobretudo, as PDPs garantem à população acesso a produtos estratégicos ao SUS.

Diante do mercado bilionário de aquisição de medicamentos pelo Poder Público brasileiro e sabendo que a maioria dos signatários do acordo da OMC é de países com elevado nível de desenvolvimento de competitividade, há que se questionar se o Brasil está pronto para concorrer com empresas internacionais de forma igualitária. As empresas nacionais conseguirão acessar o mercado público externo de forma competitiva?

Caso o Brasil seja aceito no acordo pelo Comitê de Compras Governamentais da OMC sem que ocorra a exclusão de setores importantes, como é caso da saúde, políticas públicas implementadas ao longo de décadas serão afetadas, tais como o SUS e as PDPs, visto que o Brasil deverá cumprir com regras já estabelecidas como a não-discriminação de fornecedores nacionais e internacionais, além da proibição da utilização de margem de preferência para produtores nacionais de compensações tecnológicas (mecanismos denominados off-set). 

É possível, também, que o Brasil não se utilize do Tratamento Especial e Diferenciado (TED), que prevê flexibilidades transitórias para países em desenvolvimento e muito pobres, dado que abriu mão deste importante mecanismo para ingressar na OCDE.

Deste modo, a assimetria entre os países signatários do ACG e o Brasil contribuirá para uma acentuada importação de insumos e medicamentos, afetando negativamente a balança comercial, além de desfavorecer produtores brasileiros e reduzir a competitividade das empresas. Com redução ou fim do uso do poder de compra do Estado, as políticas atuais para a saúde deverão sofrer alterações significativas.

Para evitar que as ofertas brasileiras para acessão ao ACG sejam por demais ambiciosas e impactem negativamente nas políticas públicas do País, é extremamente importante que haja o diálogo entre o setor privado e o governo e sejam estabelecidos os limites e exceções setoriais relativas ao acordo.

1. https://blogs.worldbank.org/developmenttalk/how-large-public-procurement

2. https://www.wto.org/english/tratop_e/gproc_e/gp_gpa_e.htm

3. https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/8ccf5c38-en.pdf?expires= 1595906100&id=id&accname=guest&checksum= B7A38A6D9BE987F4779E88790588F574

4. https://databank.worldbank.org/home

Bruna Oliveira
Bruna Oliveira
Trainee da Área Técnica
Fernanda Costa
Fernanda Costa
Especialista em Comércio Exterior e Cadeia Química da ABIFINA.
DESAFIOS NA LUTA CONTRA O CORONAVÍRUS
Anterior

DESAFIOS NA LUTA CONTRA O CORONAVÍRUS

Próxima

O FUTURO AO AGRO PERTENCE

O FUTURO AO AGRO PERTENCE