REVISTA FACTO
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Jul-Set 2011 • ANO V • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Inovação em fitoterápicos: Uma corrida de obstáculos para acesso a recursos genéticos

O desenvolvimento do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), iniciativa do governo federal atribuída ao Ministério da Saúde, estará ameaçado enquanto o Ministério do Meio Ambiente mantiver uma postura hostil ao aproveitamento econômico dos recursos genéticos. O sentimento entre os pesquisadores e produtores que labutam no setor de fitoterápicos é o de estarmos, mais uma vez, entregando nosso ouro ao bandido. Segundo o professor da Universidade Federal de Santa Catarina, João Batista Calixto, um dos colaboradores no desenvolvimento do primeiro fitoterápico brasileiro, cerca de 40 a 50% das substâncias de grande relevância mundial já identificadas são oriundas da biodiversidade. “A pergunta que fica sem resposta é: quantas novas substâncias, de igual ou superior valor, tanto em termos econômicos como para o interesse da sociedade, existiriam na nossa imensa, mas ainda pouco estudada, biodiversidade?”

Recursos genéticos: acesso mais difícil para brasileiros

Calixto afirma que a lei vigente no Brasil para o acesso dos pesquisadores brasileiros e dasindústriasfarmacêuticasinteressadasno desenvolvimento de medicamentos, a partir da biodiversidade, tem trazido enormes problemas para o avanço das pesquisas científicas e para o desenvolvimento de produtos de elevado valor agregado nessa área. “Atualmente, a grande maioria dos pesquisadores que trabalham com produtos naturais no Brasil, especialmente aqueles que desenvolvem pesquisas nas universidades, não conseguem autorização do CGEN para o acesso e coleta de amostras necessárias a esses estudos. Isso me parece um enorme contrassenso, pois essas pesquisas vêm sendo financiadas por órgãos governamentais como CNPq, Finep Capes e Fundações Estaduais de Apoio à Pesquisa”.

Tal fato tem gerado – e continua gerando, insiste Calixto – enormes incertezas por parte da comunidade científica, “inclusive dos alunos de pós-graduação cujos projetos de tese envolvem o estudo de produtos naturais. Nos últimos anos, a situação tornou-se insustentável, pois o Ibama passou a aplicar multas de grande monta às empresas, universidades e, sobretudo, pesquisadores que trabalham na área de produtos naturais”. Inúmeras tentativas de solução deste problema junto às autoridades governamentais têm sido feitas por parte da comunidade científica e das empresas, informa o professor, “mas o que podemos constatar é que não houve avanços significativos”.

Calixto acrescenta que, para piorar a situação, em decorrência de uma portaria do Ibama, o INPI deixou de analisar as patentes depositadasapartir do ano2000 envolvendo produtos naturais cujos proprietários não haviam comprovado a regulamentação do acesso junto ao CGEN. “Por causa disso, as empresas brasileiras, especialmente farmacêuticas, cosméticas e de suplemento alimentar que estavam investindo em projetos em parceria com universidades e centros de pesquisas envolvendo produtos da biodiversidade, reduziram ou até mesmo cancelaram esses projetos”.

Segundo Benjamin Gilbert, tecnologista senior de Farmanguinhos/Fiocruz e um dos responsáveis pela Comissão Técnica que implementaaPolíticaNacionaldefitoterápicos no SUS, o complexo de 50 regulamentos do CGEN, envolvendo prospecção, acesso, transporte e demais operações industriais compreendidas no processo de transformar uma planta medicinal em fitoterápico, se não for cumprido à risca, resulta em pesadas multas. Exige-se, por exemplo, um contrato com o proprietário da área de coleta da planta, e outro com uma comunidade local identificada como dona do conhecimento associado que validava a planta como medicinal. Transportar a planta de um local para outro requer autorização.

Gilbert conta que essas exigências se baseiam numa regulamentação antiga, formulada num contexto de negociação de contrato entre uma organização brasileira e uma grande multinacional do ramo farmacêutico, que previa o direito de exploração de plantas nativas em troca de financiamento ao órgão brasileiro. “Algo mais distinto do atual caso do PNPMF seria difícil de imaginar. O PNPMF não depende de espécies coletadas, pois trata de espécies há longo tempo cultivadas e que podem comumente ser encontradas em vários estados, muitas vezes no país inteiro”.

Na opinião de Gilbert, a legislação do CGEN e órgãos associados do MMA objetivou um alvo, mas atingiu outro, “e de forma tal que praticamente inibiu o aproveitamento das plantas medicinais brasileiras. Algumas questões de direito legal se impõem. É possível reivindicar direito de propriedade intelectual sobre algo que foi publicado há mais de 50 anos? Se a Constituição reza que a saúde é um direito de cada cidadão, algum outro direito pode ser considerado maior do que este a ponto de bloqueá-lo? Não foi decidido internacionalmente que um povo tem direito a beneficiar-se dos recursos genéticos que existem em sua redondeza? E não é a saúde um benefício, ora negado ao povo por uma legislação que nada tem a ver com o PNPMF?”

João Calixto acrescenta que a inibição do aproveitamento dos benefícios da biodiversidade brasileira acaba prejudicando quase que exclusivamente a pesquisa nacional. “Quando consultamos a Política de Ciência e Tecnologia do MCT, temos que o estudo da biodiversidade brasileira e, sobretudo, seu aproveitamento para o desenvolvimento de produtos de elevado valor agregado, é umas das áreas prioritárias para efeito de apoio governamental. Isto nos leva a pensar que não parece haver a mínima discussão dessa importante questão entre os diversos ministérios. Por outro lado, em função de problemas já bem conhecidos e também amplamente divulgados pela imprensa, não se observa o mesmo cuidado e empenho do Ibama para controlar a saída de amostras da nossa biodiversidade através da vasta fronteira territorial brasileira”.

A conclusão clara, segundo o professor da UFSC, é que a lei vigente está punindo apenas os pesquisadores e as empresas brasileiras, e, consequentemente, criando uma reserva de mercado às avessas. Os estrangeiros continuam contrabandeando e pesquisando os nossos recursos naturais, enquanto os brasileiros continuam proibidos de ter acesso a esse mesmo material”. Um fato agravante dessa reserva às avessas, assinala Calixto, é que nossa biodiversidade não é só nossa. Ela se estende a países vizinhos ao Brasil que, ao contrário de nós, não impõem nenhum controle legal. Qual seria, então, o real motivo do Ibama e do governo federal para ainda manter vigente uma lei como esta? Seria a lei realmente importante para preservar nossas riquezas naturais ou ela, de fato, estaria sendo mantida para evitar que cientistas brasileiros e indústrias brasileiras estudem e dimensionem o exato valor dessa riqueza? A grosso modo, seria o mesmo que existir uma lei federal proibindo as pesquisas e a exploração do pré-sal. A quem istopoderia interessar?”

O problema da proteção do “conhecimento tradicional”

Em grande parte, os impasses gerados pela regulamentação do CGEN estão ligados a um tipo de propriedade intelectual chamado “conhecimento tradicional”, instituído com o objetivo de compensar comunidades tradicionais pela apropriação de seus conhecimentos sobre usos terapêuticos de plantas e outros produtos da biodiversidade.

Para Glauco Villas-Bôas, coordenador do Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde de Farmanguinhos (NGBS), esse objetivo, no entanto, tem sido completamente desvirtuado. “Hoje assistimos perplexos à atuação do CGEN, que aumenta a cada ano seu empenho em controlar, no papel e nas multas, o patrimônio genético, implicando nele o conhecimento tradicional, sem ao menos ter feito o dever de casa de mapear qual é o conhecimento tradicional em questão. A aplicação sistemática de multas, que há muito deixaram de ser pautadas nas diretrizes de uma política de proteção, que por sua vez deveria se respaldar num robusto sistema de informação, tem sido um desestímulo. Promove incertezas sem que se consiga obter a proteção efetiva nem do patrimônio genético, nem da propriedade intelectual, nem tampouco a repartição dos benefícios sociais.”

Benjamin Gilbert propõe um nquadramento histórico para os problemas suscitados pela figura jurídica do “conhecimento tradicional”, constituída com base no reconhecimento, por acordos internacionais, de que a flora de um país é um recurso pertencente à sua população, e mais especificamente à população da região onde cada espécie se encontra naturalmente. “No Brasil, ao longo de cinco séculos, as espécies mais tradicionais se espalharam pelo território nacional mediante adaptação, e vieram a ser cultivadas em numerosas hortas, tanto particulares quanto comerciais. Plantas exóticas trazidas por imigrantes se misturavam com as nativas e ao longo do último século se tornaram conhecidas da comunidade médica e da população em geral através de farmacopéias e outras publicações de larga circulação”.

O conhecimento original sobre muitas plantas nativas provavelmente veio dos indígenas, acrescenta o pesquisador, mas de quais nações não se sabe: é uma informação que está perdida na história”. Ele lembra que várias empresas, como a Casa Granado e a Flora Medicinal, ambas localizadas no Rio de Janeiro, produziam uma ampla gama de extratos, pomadas e outras formas medicinais no início do século passado, e que essa indústria somente veio a decair com a maciça entrada no mercado dos fármacos sintéticos e antibióticos, a partir de 1945. Como integrante da Comissão Técnica de implementação dos fitoterápicos no SUS, Gilbert está ciente do alcance dos benefícios sociais do Programa. Quem lida frequentemente com populações de baixa renda descobre logo que os remédios receitados pelos postos de Saúde do SUS não estão disponíveis nas farmácias destes postos e escapam ao poder aquisitivo do paciente nas farmácias comerciais. Nas grandes cidades há, em alguns casos, disponibilidade em Farmácias Populares a preços mais acessíveis, mas essa disponibilidade desaparece nas vastas áreas rurais do país. O PNPMF foi desenhado para resolver esta questão. Dados do professor Francisco Matos, do Ceará, mostraram que um esquema bem organizado de fitoterapia poderia responder a grande parte das necessidades das Secretarias de Saúde dos municípios, com uma economia da ordem de 80%.”

Os dados apresentados pelo pesquisador revelam como é difícil administrar a atribuição de propriedade intelectual no segmento de fitoterápicos. Um exame preliminar das espécies nativas consideradas pelo Ministério da Saúde revelou 63 espécies necessárias para cobrir razoavelmente todas as principais demandas de uma clínica de saúde, constando de cinco documentos: RDC 10 de 2010, que trata de chás, IN 05 de 2008, que lista plantas de registro facilitado, a Relação Nacional de Fitoterápicos proposta pelo Departamento de Assistência Farmacêutica (DAF), o Formulário Nacional e a 5ª Farmacopéia Brasileira. Dessas 63, destaca Gilbert, 24 aparecem em publicações em português do tipo farmacopéico com mais de 100 anos e 19 em documentos com mais de 50 anos, entre eles as primeiras duas Farmacopéias Brasileiras. Espera-se que com mais investigação, as listas de plantas reconhecidas oficialmente como medicinais se revelem todas como longamente conhecidas.

Oportunidades e barreiras em propriedade intelectual

No Brasil, a produção de fitoterápicos pode se beneficiar de proteção intelectual por três formas distintas, direta ou indiretamente: o sistema de patentes, a proteção por cultivares e a indicação geográfica. Ana Claudia Oliveira, assessora de Fitoterápicos e Propriedade Intelectual da ABIFINA, lembra que o sistema de patentes não considera invenção plantas per se, nem produtos extraídos das mesmas, tais como compostos e extratos (art. 10, inciso IX, da Lei de Propriedade Intelectual (LPI) – nº 9.279/96). Entretanto, podem ser patenteados os processos de obtenção de extratos ou compostos químicos ativos fitoterápicos, assim como as composições contendo extratos ou moléculas isoladas de fitoterápicos.

Adicionalmente, existe o Registro de Indicação Geográfica (IG), especificado nos artigos 176 a 182 da LPI, que pode ser concedido sob duas espécies: Indicação de Procedência (IP) ou Denominação de Origem (DO). O Registro de Indicação Geográfica também não protege a planta per se, nem a cultivar ou mesmo o fitoterápico, mas pode ser usado como uma alternativa para a valorização da matéria prima vegetal que compõe as formulações dos fitoterápicos e dos produtos derivados. Dessa forma, esclarece Ana Claudia Oliveira, os registros de IP e DO funcionam como identificadores de reputação característica e/ou qualidade vinculada à origem e ao processo de obtenção da matéria prima vegetal, sendo o nome geográfico uma condição essencial para sua obtenção.

No Brasil, o sistema mais utilizado é o Sistema de Patentes, que protege a formulação do fitoterápico ou o processo de obtenção. A assessora da ABIFINA afirma que o Sistema de Proteção de Cultivar é pouco usado, “provavelmente devido ao fato de o melhoramento de plantas medicinais ser uma tarefa árdua, com resultados ainda incertos, uma vez que pode modificar características relevantes para a eficácia da planta de interesse, além da ausência de descritores, o que geraria um custo alto para quem os produzisse para referência”. A Indicação Geográfica, por sua vez, é pouco conhecida, principalmente na área de plantas medicinais e fitoterápicos. “Infelizmente, os pesquisadores do setor ainda não despertaram para o valor agregado que esse ativo intangível pode trazer. Na realidade, as três formas de proteção podem se complementar, ‘cercando’ de todas as formas possíveis o produto das pesquisas com fitoterápicos”.

Celso Lage, especialista senior do INPI, entende que a melhor maneira de o Brasil se beneficiar das oportunidades ligadas ao aproveitamento econômico da biodiversidade nativa é conhecer mais a fundo as dificuldades práticas que vêm obstruindo esse processo e saná-las sem demora. E ele pretende contribuir pessoalmente para esse conhecimento na qualidade de coordenador de um projeto de pesquisa do INPI aprovado este ano no edital Pensa Rio, da FAPERJ, cujo objetivo é traçar um diagnóstico de toda a cadeia produtiva envolvendo o aproveitamento tecnológico da biodiversidade nativa, desde o uso do conhecimento das comunidades tradicionais, até a produção das indústrias e grupos de pesquisa atuantes no Estado do Rio de Janeiro.

Com a pesquisa, explica Lage, espera-se principalmente determinar os principais gargalos no desenvolvimento de novos produtos fazendo uso da biodiversidade nativa, e que esses resultados sirvam de base para tomadas de decisões que ajudem o desenvolvimento do setor. “Além disso, também se espera identificar comunidades tradicionais que possam ter os produtos protegidos por indicação geográfica ou marca coletiva”.

No campo legal, o projeto visa avaliar as especificidades do patenteamento no setor de fitoterápicos, bem como a interface entre a LPI e a legislação brasileira que regulamenta o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional a ele associado do ponto de vista conceitual. “Também faremos análise dos depósitos de patentes efetuados no setor de fitoterápicos após a edição da Medida Provisória nº 2.052/2000 (atualmente nº 2.186-16, de 2001), que passou a exigir a informação da origem do material genético nos pedidos de patentes que envolvem o acesso ao patrimônio genético existente no País”, informa o pesquisador.

Celso Lage não desconhece, obviamente, o atual impasse entre a regulação do acesso à biodiversidade e as diretrizes do PNPMF, mas acredita que ele será solucionado a contento. “É com investimento em pesquisa que vamos combater a biopirataria. Se o nosso projeto nortear decisões políticas que permitam às nossas indústrias, que já demonstraram a competência necessária, pesquisar e desenvolver produtos da biodiversidade nativa, agregando valor aos nossos recursos naturais, teremos sem dúvida grandes benefícios para toda a sociedade. Se paralelamente conseguirmos proteger, seja por indicação geográfica, ou marca coletiva, produtos do conhecimento de comunidades tradicionais, teremos também dado um passo fundamental para reconhecer e valorizar esse tipo de conhecimento, ajudando na sua preservação. O que tem ficado claro ao longo da execução do projeto é que nossas indústrias têm capacitação técnico-científica, bem como interesse em investir, de forma que se forem feitos os ajustes regulatórios cabíveis, o país terá muito a ganhar.”

Na visão de Robelma Marques, coordenadora de Fitoterápicos e Dinamizados (COFID) da Anvisa, os problemas na esfera regulatória se resumem ao excesso de petições referentes a alterações pós-registro para medicamentos fitoterápicos por parte das empresas, “o que deverá ser melhorado com a publicação da nova norma de pós-registro advinda da CP 14/2010. Entendemos, também, que será necessário aumentar o controle pósmercado, apreendendo produtos sem registro e medicamentos fitoterápicos adulterados, visto que podem colocar a saúde da população em risco”.

Para os laboratórios, mais gargalos do que incentivos

A indústria nacional de fitoterápicos contorna como pode os obstáculos que o PNPMF não logrou superar. Segundo Vânia Rudge, gerente jurídica do Grupo Centroflora, o maior gargalo ainda é o regulatório, “apesar de importantes avanços alcançados nos últimos anos. Carecemos de isonomia regulatória em diversas áreas, que vão desde questões tributárias até acesso ao patrimônio genético. Também precisamos avançar em políticas e regulamentos que estimulem e padronizem o manejo florestal não-madeireiro e fortaleçam as políticas pró-inovação e de plantas medicinais e fitoterápicos em prol da produção nacional e dos arranjos produtivos locais. É fundamental, ainda, trabalhar em paralelo na formação e capacitação de nossos prescritores quanto às qualidades e benefícios dos fitoterápicos”.

Vânia Rudge concorda com as avaliações dos pesquisadores do setor público acerca dos obstáculos no acesso à biodiversidade. “Infelizmente a atual lei de acesso a recursos genéticos tem sido um grande entrave ao desenvolvimento de novos fitomedicamentos a partir da biodiversidade brasileira. Há notória insegurança jurídica no acesso a conhecimento tradicional associado e falta padronização nas análises e exigências do CGEN. O resultado tem sido a redução dos investimentos em P&D envolvendo a biodiversidade brasileira. Precisamos, com urgência, alterar a atual legislação de forma a se propiciar um ambiente seguro, competitivo e que atraia investimentos em novos usos e produtos a partir da biodiversidade. Neste assunto, é fundamental alinhar as ideologias às necessidades do país”.

A gerente jurídica da Centroflora acrescenta à sua avaliação um aspecto da gestão da biodiversidade que não costuma ser abordado. “Entendo que é estratégico para o Brasil conciliar a conservação e o uso sustentável da biodiversidade com a lógica de mercado, já que o aproveitamento econômico é condição essencial para se coibir, por exemplo, o desmatamento de florestas, além de ser uma grande oportunidade de geração de emprego e renda para o homem no campo”.

O Grupo Centroflora tem um perfil inovador. “Ao longo de mais de 50 anos tivemos que nos reinventar várias vezes” – afirma Vânia Rudge. “A experiência trouxe a necessidade de aprimorar nosso conhecimento na identificação botânica das matérias-primas utilizadas nos processos produtivos, por isto há 30 anos desenvolvemos, em parceria com a Universidade de São Paulo, nosso primeiro padronário de plantas medicinais, envolvendo cerca de 200 espécies. Hoje temos parcerias também com institutos botânicos e herbários, tanto no depósito de exsicatas, como no depósito de subamostras de material genético. A secagem por spray dryer e a padronização de extratos vegetais foram marcos tecnológicos importantes”.

Em 2002, o Grupo fundou o Instituto Floravida, uma organização nãogovernamental sem fins econômicos, cuja missão é contribuir com a transformação socioambiental das comunidades envolvidas, promovendo a educação em defesa da vida. Segundo Vânia Rudge, esse trabalho se desdobra em projetos diversos, como desenvolvimento social de adolescentes, preservação da fauna silvestre, atendimento em saúde, segurança alimentar, geração de emprego e renda a partir da biodiversidade, todos eles incluindo educação ambiental.

O Laboratório Simões, também um conhecido produtor de fitoterápicos, tem seguido a estratégia de concentrar-se em produtos já consagrados, alguns deles genéricos, além de lançar-se no promissor segmento veterinário com a marca ProvetS, que já responde por 30% do seu faturamento. Segundo a vice-presidente da empresa, Poliana Silva, nos últimos anos o portfólio foi bastante reduzido, “pois tínhamos um grande número de produtos cujas fórmulas eram inéditas e o investimento seria muito alto para adequá-los à legislação vigente”.

No segmento de fitoterápicos para uso humano, o maior gargalo, segundo Poliana Silva, é o elevado investimento em P&D para se registrar um fitoterápico inovador. Já no segmento veterinário, é a falta de legislação específica do Ministério da Agricultura sobre fitoterápicos que desestimula a P&D. “O investimento se torna arriscado para a indústria, já que o processo de registro pode ser indeferido por esta deficiência. Outra dificuldade é a falta de profissionais especializados para desenvolver os testes e protocolos para segurança e eficácia dos medicamentos”.

A Herbarium também está preocupada dificuldades de atender às exigências para o acesso à biodiversidade; dificuldades para cumprir exigências relativas à concessão e manutenção de registro de medicamentos fitoterápicos não descritas na legislação atual; e falta de estímulo por parte do governo à qualificação de profissionais prescritores de medicamentos fitoterápicos”.

Os laboratórios públicos não estão imunes aos gargalos que travam o desenvolvimento da produção de fitoterápicos no País. Benjamin Gilbert reitera a queixa sobre as dificuldades de registro. Em sua opinião, há um excesso de exigências por parte da Anvisa para validar a permanência no mercado de fitoterápicos de uso tradicional. Mas reconhece estar havendo “uma aproximação entre as possibilidades financeiras do fabricante e os requisitos da agência, que começou a reconhecer o valor do longo tempo de uso público como evidência da eficácia e segurança do medicamento”.

Para o coordenador do NGBS/ Farmanguinhos, “a regulação tem que resultar de uma política implantada, e não opor barreiras à viabilização dessa política”. Villas-Bôas afirma que a implantação do PNPMF carece não apenas de um sistema de gestão adequado para a promoção da inovação a partir da biodiversidade, mas também de um esforço de articulação das ações dos gestores e participantes dos dez ministérios envolvidos, além da Anvisa, da Fiocruz e da Casa Civil. Ele propõe a criação de um fórum permanente para discutir e desenvolver toda a cadeia produtiva do segmento de fitoterápicos, compreendendo, além da indústria, o comércio, incluindo varejo, “e uma vertente que podemos chamar de conhecimento popular, tradicional, com suas práticas. É necessário entender que quem realiza inovação é a sociedade brasileira, cabendo ao Estado prover o berço para que o projeto cresça e se desenvolva – ou seja, investimento em P&D, fomento para gestão do Programa, e finalmente a regulação”.

O trabalho do NGBS consistiu até agora em definir áreas estratégicas para dar suporte às diversas políticas do Estado brasileiro que se relacionem à inovação de medicamentos a partir da biodiversidade. O Núcleo mantém o sistema de redes em funcionamento, estruturou a Plataforma Agroecológica de Fitomedicamentos para referenciar, do ponto de vista botânico, químico, genético, agroecológico e geográfico, os insumos vegetais utilizados nos projetos de desenvolvimento tecnológico, melhorando a eficácia e reduzindo custos. Está estruturando diversos bancos de dados que serão abertos de forma participativa para todas as instituições que participam das redes.

Villas-Bôas está otimista com as perspectivas do NGBS. “Certo de que a habilidade no aprendizado está diretamente relacionada com a inovação, o Núcleo também estruturou cursos de pós-graduação para difundir conceitos teóricos que fundamentam as relações entre inovação, biodiversidade e saúde; mantém um grupo de pesquisa e acabou de estruturar um curso de especialização na modalidade de Ensino à Distância a ser implantado em todo o País através das RedesFito, atendendo demandas do Programa Nacional. Lançamos também a revista Fitos, que além dos artigos científicos convencionais, terá uma seção para artigos que abordem a inovação em fitomedicamentos”.

Segundo Villas-Bôas, as RedesFito nasceram de uma intenção pactuada entre o Departamento de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, a Anvisa e o NGBS de Farmanguinhos/Fiocruz, “constituindo uma ferramenta capaz de estruturar o modelo de gestão do PNPMF no que diz respeito à inovação em medicamentos a partir da biodiversidade brasileira. Um modelo bottom up, regionalizado a partir dos principais biomas brasileiros, no qual as ações são conduzidas pelos diversos atores das cadeias produtivas: agricultores, cientistas e industriais. Ele assume uma visão dinâmica da inovação, tem seus principais projetos compartilhados com as agências reguladoras e as questões relativas à propriedade industrial ou intelectual pactuadas desde o início. As principais vantagens são a otimização da utilização do conhecimento e a redução drástica no custo e no tempo de desenvolvimento”.

No Núcleo de Inovação Tecnológica do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fiocruz, a preocupação central é o fomento à pesquisa. Segundo seu coordenador, professor Victor Marin, “os cientistas brasileiros são altamente competentes em diferentes áreas, tais como botânica, farmacologia, química e agronomia, entre outras. Um dos grandes problemas, que normalmente ocorre na área acadêmica, é a baixa interação entre os pesquisadores das diferentes áreas”. Para facilitar essa interação, ele sugere que as universidades passem a oferecer disciplinas sobre plantas medicinais e fitoterápicos para alunos da graduação e pós-graduação em medicina, farmácia, enfermagem, nutrição, entre outras. E para estimular o desenvolvimento tecnológico, Marin entende que seria útil os órgãos de fomento abrirem editais específicos para financiamento de pesquisas na área dos fitoterápicos e plantas medicinais.

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