REVISTA FACTO
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Mai-Ago 2022 • ANO XVI • ISSN 2623-1177
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Cooperação internacional para a pesquisa e a inovação no Brasil
//Artigo

Cooperação internacional para a pesquisa e a inovação no Brasil

All the Brazilian researchers that have been in my lab are first-rate. They know how to think. 
I can’t say that of every nationality.
” 

Dra. Sujan Shresta

Introdução

Em 2021, em levantamento da National Science Foundation dos EUA sobre o número de artigos científicos publicados no ano anterior, o Brasil figurava na 10ª colocação, atrás da Coreia do Sul e à frente da França. Vinte anos antes, ocupávamos o 17º lugar.

Por outro lado, ao examinarmos como essa pesquisa científica se traduz em inovação, o Brasil não ostenta indicadores tão positivos. Segundo o Índice Global de Inovação (Global Innovation Index, GII) da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), o Brasil estava em 57º lugar dentre as 132 economias analisadas em 2021.

A partir da avaliação de algumas potencialidades do nosso país, bem como de elementos que atrapalham seu progresso científico, procuraremos oferecer propostas preliminares e sucintas para atenuar esse quadro.

Potencialidades do Brasil

A qualidade da formação científica brasileira é mundialmente reconhecida. Todas as instituições de pesquisa que visitei na Califórnia contam com numerosos cientistas brasileiros, alguns com bolsa ou em projetos temporários. Outros vieram para aprofundar seus estudos e aceitaram convites para permanecer. Não raro, brasileiros ocupam altos cargos nessas instituições.

Contamos também com instituições de excelência como Fiocruz, Instituto Butantan, Instituto Adolfo Lutz, USP, Unicamp, UFRJ e outras, bem como laboratórios de P&D empresarial. Em projetos próprios ou em parcerias internacionais, nossos centros têm alcançado resultados importantes. Seu papel durante os piores momentos da crise da covid-19 ficará para a história.

O Brasil é também o país mais megadiverso do mundo, com o maior número de espécies de fauna e flora. A biodiversidade pode contribuir muito mais para a elaboração própria de produtos essenciais para o País, como ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs) e fertilizantes, ambos importados na sua quase totalidade. É um passo na direção certa o recente lançamento de cadastro simplificado para pesquisa com patrimônio genético.

Realizações científicas do Brasil nas últimas décadas incluem a criação de novos centros de produção públicos e privados, incorporação de biofármacos e vacinas, Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), notável resposta ao vírus Zika, entre outros.

Alguns obstáculos ao crescimento

Contudo, ainda não superamos o desafio de estabelecer ecossistema sustentável de inovação tecnológica. Estamos aquém do desejável, seja em número de profissionais qualificados, seja em condições de trabalho científico, seja em volume de investimentos, para traduzir nossa pesquisa científica em produtos inovadores. Mesmo os compostos originários da biodiversidade precisam ser submetidos ao método científico para adequá-los ao uso humano.

O Brasil forma apenas cerca de 60 mil mestres e 22 mil doutores a cada ano, número insuficiente para cobrir as necessidades do País e gerar massa crítica essencial para o avanço da inovação, apesar da qualidade da formação oferecida.

A complexidade das novas fronteiras da biotecnologia requer investimentos consistentes. Exige, ainda, equipamentos de alta precisão, quase sempre produzidos no exterior. Dificuldades financeiras e burocráticas para importá-los põem o pesquisador brasileiro, especialmente no setor público, em desvantagem com relação a seus colegas em países mais ricos.

Cooperação internacional: um caminho?

A pandemia de covid-19 reafirmou o potencial da cooperação internacional: graças a parcerias tecnológicas de ponta, instituições como Fiocruz e Butantan puderam absorver com rapidez o conhecimento relativo à produção de vacinas com tecnologia estrangeira e lograram implantar uma estrutura de produção própria que cobriu as necessidades nacionais de imunização. O Brasil também desenvolveu testes eficazes para detecção do SARS-Cov2.

Em reconhecimento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) selecionou, em 2021, o Instituto Bio-Manguinhos como plataforma latino-americana de produção de vacinas à base de ARN mensageiro (mRNA).

A persistência da covid-19, o advento de outras doenças infecciosas de alcance global e a guerra na Ucrânia, com as turbulências que provocam nas cadeias globais de suprimento, nos lembram da importância de garantir o domínio tecnológico da produção de insumos estratégicos, como os IFAs e fertilizantes. Precisamos, sobretudo, de incentivos para desestimular a “fuga de cérebros”.

Tais medidas, além do aumento de investimentos públicos e privados em inovação, incluiriam também a regulação eficaz da circulação internacional de materiais, equipamentos e profissionais, reduzindo barreiras alfandegárias, tributárias, migratórias e acadêmicas.

O aprofundamento das parcerias internacionais leva ao fortalecimento de laços entre instituições brasileiras e estrangeiras. Ademais, permite que pesquisadores brasileiros radicados no exterior contribuam para a inovação no País.

A Divisão de Ciência e Tecnologia (DCTEC) do Ministério das Relações Exteriores vem mapeando a diáspora científica brasileira, e estudando as políticas de outras nações com relação a seus próprios cientistas expatriados. O Itamaraty recentemente criou, ainda, a Coordenação-Geral de Diplomacia da Saúde (CGSAUDE), cujas várias responsabilidades incluem o apoio a iniciativas de cooperação.

Esse trabalho tem ocorrido em coordenação com políticas públicas dos Ministérios da Saúde (MS), da Educação (MEC) e da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), o que leva a resultados mais robustos. Cerca de 34% das pesquisas publicadas por cientistas brasileiros são realizadas em colaboração com colegas de outros países.

Exemplo recente do que se deseja ampliar: equipe de neurocientistas brasileiros da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD) e da Unicamp logrou reverter a evolução de uma das formas mais profundas do autismo. Codirigido pelos professores Alysson Muotri, Diretor do Programa de Células-Tronco da UCSD, e Fábio Papes, do Instituto de Biologia da Unicamp, o estudo contou com apoio financeiro dos EUA e do Brasil (CNPq e FAPESP). 

Conclusão

Tempo é componente essencial para o êxito da pesquisa científica e para a própria inovação. Afinal de contas, patentes são concedidas ao primeiro depositante. Os desafios da saúde vêm sendo objeto de pesquisas concomitantes em diferentes partes do mundo.

A cooperação internacional, de imediato, permitirá que alguns dos talentos expatriados continuem a contribuir para a ciência brasileira e que os cientistas que permanecem no País se mantenham conectados com as pesquisas de ponta realizadas nos grandes centros internacionais.

A médio prazo, com políticas de Estado sustentadas em prol da ciência, tecnologia e inovação, os recursos naturais sem par de que dispomos e o reconhecido talento dos cientistas nacionais levará o Brasil a afirmar-se cada vez mais como país inovador e a prestar contribuição de primeira grandeza para o progresso mundial.

Notas 

1.  Professora do Centro de Doenças Infecciosas e Pesquisa de Vacinas, La Jolla Institute for Immunology, San Diego, Califórnia, em conversa com o autor em 27 de julho de 2022.

2.  “Publication Output by Country, Region, or Economy and Scientific Field” (https://ncses.nsf.gov/pubs/nsb20214/publication-output-by-country-region-or-economy-and-scientific-field, todos os acessos às páginas da internet mencionadas nas notas ocorreram em agosto de 2022)

3.  “Publicações científicas por países: contagem por autoria e por artigo”, Revista Pesquisa FAPESP, 02/2020 (https://revistapesquisa.fapesp.br/publicacoes-cientificas-por-paises-contagem-por-autoria-e-por-artigo/)

4.  “Global Innovation Index 2021 – Brazil” (https://www.wipo.int/edocs/pubdocs/en/wipo_pub_gii_2021/br.pdf). Para o relatório completo, ver “WIPO Global Innovation Index 2021” (https://www.wipo.int/global_innovation_index/en/2021/)

5. Ver citação em epígrafe.

6.  “Brasil desperdiça o potencial de sua biodiversidade, um ativo único e inigualável” (Hérton Escobar, Jornal da USP, 09/2019, https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-ambientais/brasil-desperdica-o-potencial-de-sua-biodiversidade-um-ativo-unico-e-inigualavel/). Ver também “País deixa de gerar US$ 5 bi por ano com fitoterápicos” (Ricardo Mioto, Folha de S. Paulo, 06/2010, https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0706201002.htm).

7.  Sobre fertilizantes, ver, por exemplo, o relatório “Visões de futuro do agro brasileiro” (https://www.embrapa.br/documents/10180/69784985/VISAO_FUTURO_AGRO_BRASILEIRO_s%C3%ADntese.pdf/7a895909-4a8e-3caf-bb2e-440e8c7003ba) 

8.  “MCTI e CNPq lançam cadastro simplificado para pesquisa com patrimônio genético nacional sem fins econômicos” (https://www.gov.br/cnpq/pt-br/assuntos/noticias/cnpq-em-acao/mcti-lanca-cadastro-simplificado-para-pesquisa-com-patrimonio-genetico-nacional-sem-fins-economicos)

9.  “Da casca do chorão à aspirina”, Natália Pasternak, O Globo, 25/04/2022 (https://oglobo.globo.com/blogs/a-hora-da-ciencia/post/2022/04/da-casca-do-chorao-aspirina.ghtml)

10.  Segundo o Dr. Rui Curi, do Instituto Butantan, em mesa redonda no “Summit Brasil”, realizado em San Diego à margem da Bio International Convention em 13/06/2022, conforme relato oficial do Consulado-Geral do Brasil em Los Angeles ao Itamaraty.

11. “Innovation in diagnostics: addressing gaps in low- and middle-income countries” (Bulletin of the World Health Organization, 01/08/2022, https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9306385/)

12. “Estudo abre novas possibilidades de tratamento para formas de autismo” (https://confap.org.br/news/estudo-abre-novas-possibilidades-de-tratamento-para-forma-de-autismo/). O assunto também foi objeto de relatório oficial do Consulado-Geral do Brasil em Los Angeles, com data de 03/05/2022.

13. Em tema complexo demais para desenvolver aqui, cabe registrar os louváveis esforços da diretoria do INPI, a atual e as anteriores, em reduzir o chamado backlog, que em alguns casos leva a demora de mais de uma década para a aprovação de patentes. Solução mais duradoura virá quando o órgão conquistar sua autonomia financeira, como ocorre nos países capitalistas mais ricos.

O artigo representa as opiniões pessoais do autor, não refletindo necessariamente as posições do Ministério das Relações Exteriores.

Daniel Roberto Pinto
Daniel Roberto Pinto
Diplomata desde 1999 e Cônsul-Geral Adjunto em Los Angeles (EUA).
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